quinta-feira, 29 de setembro de 2016

SANTA DERCY - James Pizarro (jornal A RAZÃO, edição de 29/9/2016).


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Santa Dercy


James Pizarro

por James Pizarro em 29/09/2016
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Fugitiva de casa ainda adolescente.
Artista circense. Humorista. Atriz. Comediante. Teatro rebolado.
A única mulher brasileira que se assumiu tal qual era.
Sem fazer uma única concessão comportamental ou de linguagem.
Enfrentou a família. A escola. Os patrões.
Encarou os inimigos. E os pretensos amigos.
Jamais aceitou ser sustentada por alguém.
Lutou pela sua independência.
E pagou caro por isso.
Berrando e reagindo às acusações de prostituta.
Acusada de desmiolada. Grosseira. Desbocada.
Linda, quando moça.
Vaidosa, depois de velha.
Jamais se deixou fotografar sem a peruca.
Implorava trabalho. Pois detestava estar desempregada.
Não acumulava tensões. Dizia o que queria.
Quando irritada ou humilhada, chamava o interlocutor de FDP.
E quando criticada, sempre afirmava estar c... e andando prá crítica.
Viveu 101 anos por ser justamente assim.
Sem mordaças. E sem falso puritanismo.
Dercy, mulher sem censura.
Dercy, mulher sem hipocrisia.
Já entrou no céu passando a mão nas nádegas de São Pedro.
E chamando os anjos de frescos.
Viva fosse, o que diria Dercy do Petrolão? Mensalão? Lava Jato?
O que diria das autoridades que desviaram dinheiro das creches e das merendas escolares?
O que diria dos milhares de viadutos, pontes, escolas, hospitais, rodovias, ferrovias, aeroportos INACABADOS neste país e nos quais foram gastos bilhões de reais?
O que diria dos mais de 50.000 assassinatos anuais no país, a grande maioria impune? Inclusive do jovem motorista de taxi assassinado ontem e que deixa nossa Santa Maria perplexa e uma família destruída?
Santa Dercy... ROGAI POR NÓS !!!

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

UM DESENHISTA MORTO - James Pizarro (jornal A RAZÃO, 22/9/2016)


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Um desenhista morto


James Pizarro

por James Pizarro em 22/09/2016
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Quando tinha 14 anos, depois de tirar nota máxima na disciplina de Desenho durante todo o Ensino Fundamental (chamado de “Ginásio” à época), decidi ser desenhista. Eu tinha uma espécie de baú de vime atrolhado de milhares de desenhos e pinturas.
Devido à falta de dinheiro da família, eu misturava tinta de sapato, cola e talco, passava em cima de folhas de papelão e esperava endurecer. Depois fazia desenhos em cima com uma lâmina de barbear. Devido a esta “técnica” inventada por mim, a professora Dilma, minha mestra de Desenho no Colégio Estadual Manoel Ribas, em Santa Maria, promoveu uma exposição dos meus trabalhos nos murais e corredores da escola. Foi um sucesso no meio dos colegas pelo inusitado material usado.
Também fui aluno da professora Iolanda Beltrame, que muito me incentivou e com a qual – para minha grande alegria – encontrei semana passada na portaria da Galeria do Comércio. Para minha surpresa, a querida professora me disse: “Tenho até hoje desenhos teus guardados nos meus arquivos”.
Tendo o incentivo da professora Dilma e da professora Iolanda, fui falar a meu pai que queria entrar no então existente “Instituto de Belas Artes”, que funcionava na Rua do Acampamento, dirigido pelo maestro Garibaldi Poggetti. Lá ministrava cursos de desenho o pintor Eduardo Trevisan. Meu pai, horrorizado pela ideia de que eu pudesse abandonar o estudo formal e sendo vítima também do preconceito que se tinha na década de 1950 contra artistas em geral, não deu seu consentimento. Lembro da terrível discussão que se seguiu, furto da intolerância de meu pai e de minha rebeldia. Indignado por ver frustrado meu desejo, carreguei meu baú de desenhos para o meio do quintal e, munido de uma garrafa de álcool, toquei fogo em tudo. Enquanto via desaparecer meus desenhos e minhas pinturas sob a inclemência das chamas, eu chorava de pena e de ódio.
Durante os 45 anos em que dei aulas de Biologia na UFSM, cursinhos e colégios, os alunos ficavam admirados com os belos desenhos de plantas, animais, órgãos, etc...que eu fazia no quadro-negro. Mal sabiam eles que eu estava sendo um artista naqueles momentos e não um professor comum de Biologia, tentando resgatar meus desenhos adolescentes das chamas e da incompreensão do passado.
Meu futuro de desenhista e pintor foi abortado pela pedagogia familiar da época. Certamente, na melhor das boas intenções. Mas foi minha primeira frustração. Eu pagaria um preço alto para ter alguns desenhos daqueles de volta. Para dar de presente aos meus cinco netos. Mas este é um milagre impossível. Morreu meu pai. Evaporaram meus desenhos.
E se volatilizou meu sonho...

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

A ENFERMAGEM - James Pizarro (jornal A RAZÃO, 15/9/2016)


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A enfermagem


James Pizarro

por James Pizarro em 15/09/2016
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Não existiam escolas de enfermagem no Rio Grande do Sul. Nem se pensava em cursos superiores na área. Eram os anos 1940 e 1950. Meu pai, Alfeu Cassal Pizarro, fez muitos estágios em hospitais e em consultórios médicos. Aprendeu - na prática - a ser instrumentador de cirurgias. Aplicar injeções. Fazer curativos e suturas. Atendia acidentes com animais venenosos. Sempre supervisionado por médicos amigos, comprou bibliografia recomendada por eles. Assistiu centenas de palestras sobre temas médicos e paramédicos. Até que, uma vez avaliado pelos órgãos competentes da época, recebeu uma portaria assinada pelo Dr. Getúlio Dorneles Vargas que lhe conferia o título profissional de “Enfermeiro Prático Licenciado”. Possuo este documento carinhosamente guardado nos meus arquivos.
Foi contratado pela Secretaria Estadual da Saúde do RS e efetivado, depois do competente estágio probatório. Serviu ao então chamado Centro de Saúde número 7, com sede em Santa Maria, onde foi responsável pela sala de vacinações durante mais de 40 anos. Também trabalhou, desde a fundação, no então SAMDU - Serviço Médico Domiciliar de Urgência, criado pelo presidente João Goulart. Com a extinção do SAMDU (pela revolução de março de 1964) foi transferido para o recém criado INPS, hoje INSS, onde exerceu a chefia do serviço de enfermagem até a sua aposentadoria.
Meu pai jamais recebeu uma advertência, nunca faltou ao serviço, nunca recebeu uma acusação de imperícia. Pelo contrário, recebeu uma medalha de “honra ao mérito” das mãos do presidente do INSS por ocasião da sua aposentadoria pelo fato de jamais ter tirado atestado médico ou faltado ao serviço. Por que estou falando sobre essas lembranças todas.

Porque estou estupefato com a quantidade de queixas contra enfermeiros profissionais. Queixas e denúncias que aparecem na TV e nos jornais quase que mensalmente. E olha que são enfermeiros formados em curso universitário, grande número deles com especialização e mestrado. Compulsando os dados do COREN - Conselho Regional de Enfermagem, de São Paulo, observa-se que entre 2005 e 2010 foram registradas 980 queixas contra estes profissionais. O que dá a impressionante média de um enfermeiro acusado a cada dois dias no estado de SP. Em 20 destes casos, o paciente morreu ou ficou com lesões definitivas. Nos últimos meses, no centro do país, uma enfermeira deveria aplicar soro numa adolescente e trocou o frasco, aplicando vaselina líquida, matando a paciente. Outra enfermeira decepou a extremidade do dedinho de uma criança de um ano de idade ao retirar um curativo.
Graças a Deus, as centenas de enfermeiros formados nas universidades santa-marienses e que aqui prestam seus valiosos serviços são de excepcional nível profissional. Neste aspecto da enfermagem, a cidade constitui-se num ponto de referência no Rio Grande do Sul.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

FILHOS-DA-DA PUTA, ME AGUARDEM !!! - James Pizarro.


Sim, tenho cara de espanto.
Cara de estupefação. Asco.
Sim, detesto vocês !
Só olham prá mim em ano de eleição.
No Natal. Páscoa.
Sim, odeio vocês todos !
Vocês, seus merdas da Igreja.
Merdas do Lyons. Rotary. Evangélicos.
Sim, eu moro aqui neste chiqueiro !
Mas os porcos são vocês, cambada de ladrões !
Minha barriga inchada não é de comida !
Está cheia de vermes, seus vermes !
Mas eu vou crescer aqui.
Faminto. Sem água encanada. Sem luz.
Mas eu vou crescer. E vou matar vocês !
Me aguardem, seus filhos-da-puta !!!

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

SETEMBRO/1978 - James Pizarro (jornal A RAZÃO, 8/9/2016)


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Setembro / 1978


James Pizarro

por James Pizarro em 08/09/2016
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Corria o mês de setembro de 1978. Lembro bem. Há 38 anos, brilhava na zaga do Inter de Porto Alegre o chileno Figueroa, um dos maiores ídolos colorados de todos os tempos. Figueroa sabia falar bonito. Juntava direitinho as palavras. Tinha bela voz. Cabelos ondulados. Cotovelos de ouro. Fazia uma bela imagem na televisão. Figueroa conquistou a alma colorada. Jogava muito bem. Declamava poemas de Pablo Neruda. Era um emotivo. Que mais poderia desejar a torcida colorada? O capitão do time era inteligente. Craque. Bonito.Figueroa fez nome. Foi legenda. E partiu.
Para seu lugar - vindo da Argentina - a direção do Inter contrata Salomon.
Um tipo enorme. Desengonçado. Braços pendentes e bamboleantes. Cara de cavalo. Salomon com dente de ouro. Sim, um resplandecente dente de ouro bem na frente da arcada. Um belo dente de ouro. Um lindo trabalho odontológico. Mas a torcida do Inter não gosta de homem com dente de ouro na boca. Ao invés do carismático sorriso do másculo Figueroa, a direção presenteia a torcida com Salomon do dente de ouro. E a torcida não perdoa. A torcida não ama Salomon. A própria imprensa - que ajudara no endeusamento de Figueroa - tem má vontade com Salomon. E os fotógrafos exibem o pé de Salomon. Um pé número 50.Salomon não acerta. Não joga. Pelo menos não joga aquilo que a torcida esperava de alguém que tinha o topete de substituir Figueroa.Lembro bem da data. Corria o mês de setembro de 1978.
Salomon chegou. Viu. E não venceu. Era uma contratação bombástica do Internacional de Porto Alegre. Salomon foi contratado para tentar apagar a imagem do chileno Figueroa. Mas Salomon não convenceu.
E assim Salomon ficou. Jogando mal. Até que o Penharol apareceu para comprá-lo. Chegou a ser inscrito pelo time estrangeiro para disputar o campeonato do país vizinho. Afinal, era uma solução boa para todos. O Inter se livrava de Salomon. E o Salomon se livrava do Inter. Aí veio o último jogo de Salomon pelo Inter. Um Gre-Nal. Disputado numa quinta-feira, lembro bem. Uma partida que não deveria ter sido jogada. Uma partida mal gerada. Um aborto satânico. Um campeonato teratológico. Uma partida que não mereceu nem a presença dos titulares. E nem da torcida. Diante de poucos torcedores e jogando com reservas, o Inter venceu o Gre-Nal. Mas Salomon - que se despedia da torcida que nunca chegou a amá-lo - foi violentamente agredido por um jogador do Grêmio. E Salomon fraturou a tíbia e a fíbula.
Todos falaram em amparar Salomon. Um jogador de 28 anos. Mas ninguém amparou Salomon. Ele ficou solitário. Com sua perna torta. Sem amigos.
Tudo virou neblina na vida de Salomon. Opacidade. Escuridão.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

TERNURA - James Pizarro (A RAZÃO, edição de 1/9/2016)



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Ternura



James Pizarro

por James Pizarro em 01/09/2016
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TERNURA (1) - O feto estava no alagadiço. Resto de mangue. Misturado a galhos da vegetação. E folhas em decomposição. Cheiro de maresia. Misturado à carne humana em decomposição. Deveria ter uns sete meses aquela criança. Loira. Sexo feminino. Lindinha. Aborto feito primitivamente. Assassinada por uma mãe desesperada. Dois ou três furos na cabeça do feto. Provavelmente com agulha de tricô. Pelos orifícios corria massa encefálica. Pedaços de um cérebro que não veio a ser. Parecia fio de ovos escorrendo.
Mais uma vítima da miséria. Do medo. Da ignorância. Na TV políticos nojentos sorriem. E prometem segurança. Trabalho. Saúde. E educação. Mentem sem pudor algum. São mortos em vida. E fedem muito mais do que aquele feto.
TERNURA (2) - Quem gosta de apenas assistir missa e cânticos e louvores em excesso, quem gosta apenas de “servir ao altar” (sem nunca ter sabido ou lido sobre a “opção pelos pobres” pós-Vaticano II)...acha que é mesmo um cristão? Quem sai da missa e já na calçada fica criticando as pessoas da Igreja a quem chama hipocritamente de “irmão”...ou criticando e fofoqueando dos padres e até fazendo análise de moda das roupas dos ministros...acha mesmo que é um cristão? Quem acha que vai ser julgado post-mortem apenas pelo dízimo que deu ou pelo número de missas que assistiu distraidamente....ou que acha que o sermão do padre é longo demais...acha que é cristão? Quem não tolera aceitar as diferenças...quem acha que o outro está errado apenas porque não pensa idêntico a si...quem vê perigos diante de qualquer coisa nova trazida como contribuição por um novo paroquiano...acha que é mesmo um cristão?
Por isso eu cada vez me descondiciono mais de coisas que não são prioritárias, como aparência, roupas, demonstrações fenotípicas. E dentro da Igreja apenas procuro fazer bem as coisas inerentes aos meus encargos...sem jamais buscar cargos. Esta é uma das vantagens da maturidade: diante das “últimas providências” sobre as quais tão bem nos fala a Escatologia, a gente fica despojado de ideias de domínio, posse, cargos, poder. E pode - finalmente - com notável exatidão ENTENDER a mensagem de Cristo.
Porque enquanto não trocamos a visão de mundo e a conduta, podemos até imaginar que somos cristãos. Mas é um ledo engano. Somos arremedo de cristãos. Estamos travestidos de cristãos. Ser cristão é seguir à risca o que disse São Paulo: amar aos inimigos. É ficar do lado dos “excluídos”, sobre os quais tão bem nos fala Mateus, no capítulo 25. Ficar sempre ao lado dos doentes, humildes, famintos, deficientes de qualquer ordem, aidéticos, dependentes químicos. Ficar ao lado de toda a escória humana, toda sucata humana, forjada por esta brutal sociedade de consumo deste capitalismo selvagem.
Quem não pensar e agir assim jamais será visceralmente um cristão verdadeiro!