segunda-feira, 28 de junho de 2021

SOBRE OS IPÊS-AMARELOS, O SILÊNCIO E A MORTE - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - crônica do dia 29.06.2021)

Na semana passada, faleceu o meu querido amigo, colega e ex-professor de Botânica Sistemática da UFSM, engenheiro agrônomo Santo Masiero, idealizador e batalhador pela implantação do Jardim Botânico no campus e um dos últimos professores pioneiros da então Faculdade de Agronomia da UFSM. Vou relatar este episódio porque o professor Santo Masiero fez parte dele. E eu estive presente também, como formando da segunda turma de agrônomos da UFSM. Vou relatar para que Santa Maria não perca a história. Principalmente as pessoas ligadas à UFSM. Professores, funcionários e alunos mais jovens da instituição. Ocorreu em 1966. Há 55 anos. No amplo terreno fronteiro ao planetário da UFSM, no campus, existe um conjunto de ipês-amarelos que enfeitam o ambiente. Principalmente, quando chega a época da floração. Por que aqueles ipês estão ali ? Quem os plantou ? Por que estão plantados naquela disposição? O primeiro nome da universidade era Universidade de Santa Maria (USM). Anos depois é que passou a ser chamada Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O reitor-fundador Mariano da Rocha teve a ideia de plantar ipês-amarelos naquele local. Pois, pelo plano diretor da então UFM, ali deveria ser erguido o planetário da universidade, fato que se concretizou anos depois. Detalhe : o professor reitor Mariano da Rocha queria que as mudas fossem plantadas numa disposição tal que formassem a sigla UFM. E assim foi feito. Com a mudança de nome anos depois para UFSM, novo arranjo foi feito para que fossem introduzidas mudas grandes formando a letra “F”. Numa fotografia aérea ou numa visão feita a bordo de um helicóptero da Base Aérea poderá ser vista a sigla UFSM quando os ipês-amarelos estão floridos. O plantio dos ipês-amarelos foi feito por alunos, professores e funcionários do curso de Agronomia, naquele tempo chamado de Faculdade de Agronomia, dirigida pelo saudoso professor Ary Bento Costa. Minha turma se formava em 10 de dezembro de 1966 e, na condição de formandos fizemos o plantio junto com alguns professores. Recordo dos professores presentes à cerimônia, além do professor-reitor: Erb Veleda (Zootecnia), Armando Adão Ribas (Zoologia Agrícola, disciplina da qual fui monitor e, anos depois, professor), Mário Bastos Lagos (Fitotecnia e paraninfo de nossa turma), Mário Ferreira (Climatologia e Meteorologia), Dilon Lima do Amaral (Matemática e Cálculo) e Santo Masiero (Botânica Sistemática). Com a prodigiosa memória que o poderoso Deus me deu de presente (e pela qual agradeço comovidamente todos os dias em minhas orações) sou capaz de repetir, na íntegra, a bela peça oratória – feita de improviso – pelo Dr. Mariano na ocasião. Fez uma alocução belíssima – entre poética e ecológica – sobre a importância das árvores na vida dos homens. De todas as pessoas presentes àquele plantio dos ipês-amarelos, raras ainda estão no mundo dos vivos. Afinal, lá se vão 55 anos. Da última vez que fui ao campus levado por meu filho em seu automóvel para rever os novos prédios e matar as saudades, revi os ipês-amarelos. Os ipês que ajudei a plantar. A poucos metros da construção onde repousam os restos mortais do Dr. Mariano. Vi o novo prédio do Departamento de Biologia que foi construído. Gostaria de ter sabido da inauguração do mesmo para que, mesmo anonimamente para não atrapalhar ninguém, clicar algumas fotos e escrever uma retrospectiva memorialística sobre o departamento. Mas quem se lembraria do velho professor de Ecologia ? Pássaros cortavam o céu do campus. O dia estava mormacento. Duas mornas lágrimas correram pelo meu rosto. Meu filho perguntou se eu estava me sentindo bem. Queria saber porque eu estava tão quieto. Voltamos do campus em silêncio.

terça-feira, 15 de junho de 2021

QUANDO A VIDA SE ESVAI - JAMES PIZRRO (DIÁRIO - 15.6.2021)

Meu pai era enfermeiro. Trabalhava no Centro de Saúde número 7, em S. Maria, RS, durante o dia. À noite, trabalhava no SAMDU - Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência, folgando entre uma noite e outra. E nas horas de "folga" ainda aplicava injeções a domicílio, geralmente em casas de famílias abastadas da cidade. Minha mãe era dona-de-casa exemplar para os padrões exigidos à época... Cozinhava muito bem. Costurava e fazia nossas roupas. Fazia doces e bolos sob encomenda. E reclamava porque nunca tinha conseguido concluir seu curso de violino, iniciado no Colégio Santa Terezinha, interrompido pelo casamento. Tive uma infância com educação severa. Apanhei muito. E cerca de 90 % das surras eram merecidas. Apanhava de vara de marmelo. De chineladas. E até de relho, desses de carroceiro bater em cavalo. Também ficava muito de castigo. Quando eu dizia palavrões, me colocavam pimenta na língua, providência pedagógica que se revelou ineficaz, além de me deixar viciado em pimenta... Costumavam me privar das coisas que eu mais gostava. Cortavam meu cinema. Aboliam a "Cyrillinha", refrigerante de fabricação local, feito à base de casca de laranja e que era minha bebida predileta. Eu era impedido de jogar bola. De brincar na sanga, hoje arroio Cadena. Normalmente, depois da surra, eu era obrigado a tomar banho, vestir um abominável pijama de pelúcia e ficar no meu quarto, nariz esborrachado na vidraça, vendo meu amigos jogando bola na rua. Existia uma espécie de sadismo, reconheço hoje. Mas era o sistema educacional vigente na década de 40/50. Mas meu pai era generoso. Eu tinha conta livre na Livraria do Globo para comprar todos os livros que quisesse. E todas as vezes que precisei de carona, de ajuda, de dinheiro...eu disse TODAS...ele nunca me falhou. E tinha uma peculiaridade : nunca me perguntou o porquê do pedido... o porquê da minha necessidade. Jamais usou este procedimento de humilhação, tão comum nos mais velhos que "ajudam". Aos 84 anos, o cardiologista indicou-lhe uma cirurgia para correção de um defeito. Lembro que ele não queria fazer. Eu fui procurar o médico, meu ex-aluno no cursinho pré-vestibular décadas atrás. Ele me disse que, sem a cirurgia, meu pai morreria repentinamente e que tinha, no máximo, seis meses de vida. O médico me disse que esse diagnóstico não era só dele mas de toda a equipe que acompanhava o caso de meu pai. Certa madrugada, meu pai me chamou para tomar chimarrão com ele às 5 da manhã. E pela primeira vez me pediu um conselho : - O que eu devo fazer ? Eu disse a ele : - Tu tens de te operar, o cirurgião é excelente e tu vais viver muitos e muitos anos. Ele me disse : - Vou me operar então...tomara que dê tudo certo porque eu quero ver a formatura dos meus bisnetos. A operação em si foi um sucesso. Mas na sala de recuperação rompeu-se a aorta abdominal, que possuía um aneurisma, coisa que os médicos ignoravam. E ele morreu. Meu avô materno também morreu assim : de ruptura da aorta abdominal. Fui ao necrotério. Vi meu pai nu, morto. Com cortes e suturas, porque precisaram fazer procedimentos no cadáver, devido à imensa hemorragia interna. Começaram a chegar os amigos. Os clubes da Terceira Idade. O pessoal da funerária. Minhas filhas, uma de Itajubá, MG e outra de Panambi, RS, foram avisadas. Meu filho, que mora em Santa Maria, foi nosso companheiro e presença sempre. Ele foi velado na sala de sessões da Câmara de Vereadores, pois tinha sido vereador na legislatura de 1958. Eu aguentei tudo dentro dos limites do possível. Mas quando minha mulher me avisou que meus alunos estavam chegando eu desabei. Olhei e vi aquelas turmas todas, aquela gurizada toda de 15...16 anos, dos quais eu era professor orientador...aqueles olhos assustados com o choro do seu professor...eu desabei literalmente. A Carolzinha me disse : "Nós pedimos o cancelamento das aulas pra ficar com contigo, Pizarro...como tu ensinaste para gente, que na hora da dor a gente fica junto". Dia desses me surpreendi fazendo um ultrassom abdominal para pesquisa de anomalias na aorta abdominal. Ela está íntegra. Sem anomalias. Por enquanto...

domingo, 13 de junho de 2021

Avenida Tênis Clube é um local onde o esporte aproximou famílias e gerou amizades eternas Nos anos 1970, aprendi a jogar tênis nas quadras do Avenida Tênis Clube (ATC), de Santa Maria. E durante os anos 80/90, praticamente todos os dias, passava as minhas horas de folga nas dependências do clube, ora fazendo sauna, ora jogando tênis, ora fazendo churrasco, ora jogando bocha. E os familiares juntos. Em 1970, só haviam seis quadras no clube, lembro bem. Todas obedecendo rigorosa divisão hierárquica para facilitar a disciplina na ocupação das mesmas. Na quadra número 1 jogavam somente os tenistas veteranos. Na quadra 2, os “Seniors A”. Na quadra 3, os “Seniors B”. Nas quadras 4, 5 e 6, os juvenis, as mulheres e os demais tenistas que não disputavam o ranking. Grande número disputava por puro lazer, entretenimento e pouco estavam se importando para o resultado da partida. Já outros, principalmente, entre os veteranos, se concentravam, dormiam cedo, e entravam na quadra como se fossem disputar uma final em Wimblendon. Lembro de dois exemplos: Jarbas Cunha e o médico Heitor Silva, coronel do Exército, apelidado de “Fofo”, pois assim o chamava a esposa. Lembro – exercitando apenas a memória – de dezenas daqueles queridos amigos, a maioria deles já não mais entre nós, o que enche meu coração de melancolia. lembranças Anterinho Scherer, médico, ex-prefeito de Cacequi, famoso por suas folclóricas histórias. Máximo Knackfuss, professor do Curso de Engenharia da UFSM, que se emburrava facilmente, mas cinco minutos depois esquecia do motivo da zanga. Ênio Ferraz, representante de laboratório médico, apelidado de “Nonô”, que teve a capacidade aeróbica tirada pelo tabagismo. Alberto Leitão, de pavio curto, principalmente nos jogos de duplas, pois já no primeiro erro do seu companheiro, começava a reclamar. Arno Böhrer, era o alvo predileto das brincadeiras do Jarbas Cunha e, ignorando sua avançada idade, jogava várias horas por dia. Abdo Achutti Mothecy, farmacêutico, ex-jogador de basquete, dono de uma loja de aviamentos militares - e também de cortinas - na praça Hector Menna Barreto (ex-praça da República), mais conhecida por “pracinha dos Bombeiros”. De origem libanesa, Abdo foi casado com Tereza dos Santos Mothecy, mais conhecida por “Terezinha” ou “Tereca”. Lembro que o térreo da loja do amigo Abdo era quase uma extensão do ATC, pois ali se reuniam para tomar cafezinho os veteranos do clube, às vezes atrapalhando as atividades comerciais do dono. O Abdo sempre foi generosamente um pacificador, um aglutinador. Adorava pescarias e histórias antigas da cidade. Adaí Bonilha, dentista, esposo da também tenista, Dona Olga, que por muitos anos, também foi professora de tênis das crianças iniciantes. Álvaro Pfeifer, corretor de imóveis, professor de Matemática, dotado de notável espírito de humor. Arno Werlang, juiz, diretor do Fórum de Santa Maria, hoje desembargador em Porto Alegre, pai do Gerson Werlang (integrante da banda “Poços e Nuvens” e professor universitário de música). Arlindo Mayer, engenheiro, professor do Centro de Tecnologia da UFSM. Armando Vallandro, grande jogador de basquete do passado, apelidado de “Picolé”, ex-reitor da UFSM. Alnei Prochnow, também professor da UFSM, sempre alegre e disposto a uma brincadeira. Claudio Morais, coronel do Exército. Dalmo Kreling, engenheiro, dono da Construtora Dikrel, que transferiu depois residência para Santa Catarina. Dalton Kortz, ex-funcionário da Livraria do Globo, vendedor autônomo, hoje pastor metodista, talvez o mais brincalhão de todos. Darkson Cunha, professor do Centro de Educação Física da UFSM. Evaldo Morais, coronel do Exército, morador da Faixa Velha de Camobi, gostava de tocar violão e cantar músicas de seresta. Gerson Morais, funcionário da agência central do Banco do Brasil, na Avenida Rio Branco. Heitor Silva, campeão de tênis do Exército Nacional, cheio de estilo até no caminhar, tinha consciência exacerbada de que era um grande atleta. Jorge Merten, médico traumatologista. Carlos Pithan, dentista e professor da UFSM. Luiz Carlos Lang, dono de um reputado escritório de contabilidade, apreciador de vinhos chilenos. Luiz Carlos Pistóia Oliveira, engenheiro e professor da UFSM. Luiz Carlos Morales, advogado, hoje residindo em São Vicente do Sul. Luciano Rocha, cearense, professor da UFSM, dentista especializado em Odontopediatria. anos felizes Manoel Argentino Sissy, oriundo de São Borja, de apelido “Fanha”, notável contador de casos. Manoel Vianna, dentista, professor da UFSM, também de pavio curto. Paulo Roberto Oliveira, professor de Química da UFSM, ex-jogador de basquete. Simão Sampedro, coronel do Exército, irmão do também tenista, Renan Sampedro, professor de Educação Física da UFSM. Roberto Bisogno, dentista, radialista, professor da UFSM. Roberto Leitão, engenheiro, professor da UFSM. Engenheiro Lang, dono das piscinas “Golfinhos”. Coronel Bins, comandante da Base Aérea de Santa Maria. James Souza Pizarro, meu filho, que foi um talentoso tenista da categoria infanto-juvenil e disputou alguns torneios no estado, defendendo o nome do ATC, na companhia de Álvaro Pfeifer, Máximo Knakfuss, Roberto Bisogno e Arnaldo Valty (médico mineiro, oncologista, que trabalhava no Serviço de Cobaltoterapia da UFSM). Lembrei do Glicério que tomava conta dos motores da primeira piscina. Do amável e simpático Seu José que por décadas cuidava das quadras de saibro. Do ecônomo Chico e garçons da copa. Das dezenas de funcionários da portaria e segurança. Foram anos e anos felizes, com jogos diários, seguidos quase sempre de churrascos. Infelizmente, com o passar dos anos e no “curso natural dos acontecimentos” (como diria meu amigo e colega de rádio, Joel Abílio Pinto dos Santos, já falecido), a morte vai levando os companheiros. Outros se mudam de cidade ou de clube. Outros simplesmente deixam de jogar. Outros, premidos pelas exigências profissionais, se distanciam. Dia desses, vendo minha netinha Bethânia brincando nas dependências do ATC, olhei para os lados e dei falta de dezenas de amigos mortos. Tive de disfarçar rapidamente para que ninguém por perto percebesse que eu estava chorando.

terça-feira, 1 de junho de 2021

DE BAR EM MAR - JAMES PIZARRO (DIÁRIO- 01.06.2021)

Tânia Regina dos Anjos é minha companheira de cafezinho, eis que frequentamos a Tabacaria/Confeitaria "Vícios e Virtudes", dos meus amigos Dol e Emerson, à rua Madre Maria Villac, em Canasvieiras. Ela pertencia a uma enorme confraria de amigos com os quais me reuni diariamente durante os dez anos em que morei naquela aprazível praia. Nascida em 1958, estudou no Grupo Escolar Antonieta de Barros, fazendo depois o Ensino Fundamental e o Ensino Médio no Instituto Estadual de Educação, ali concluindo o Curso Técnico de Redator Auxiliar. Cursou a Universidade Federal de Santa Catarina, graduando-se em Pedagogia. Publicou seus primeiros dez poemas no livro "Embrião", um coletânea com mais cinco colegas poetas. Quatro anos depois (1982) publicou seu primeiro livro, sob o título "Razão Maior", onde seus poemas falavam sobre ilha de Florianópolis. Em 11 de junho de 1987 lança outro livro : "De Bar em Mar", com capa de Jorge Prudêncio e ilustrações de Alfredo Rosar. Foi um exemplar deste livro que Tânia teve a gentileza de me presentear. Li o livro de um fôlego só e encontrei versos lindíssimos, tais como : "Engraçado, sinto-me como uma madrugada... Só não quero estar ocultada a vida inteira no teu peito tão estranho. Tenho um lado pervertido e outro convertido... Errei o passo no descompasso da capitulação." Tânia, sem dúvida alguma, muito mais que uma pedagoga é uma poetisa a ser lida, compreendida, meditada. Além de cantar suas emoções, suas experiências - malogradas ou não - canta as praias. Canta a ilha. Canta as ruas e avenidas de Florianópolis. Canta a ponte Hercílio Luz. Canta o povo manezinho. É uma poetisa que se orgulha da sua descendência açoriana. Agradeço à Tânia pelo livro que me deu. Agradeço porque seus poemas, de certa forma, me ensinaram mais sobre Florianópolis e sua gente. A ilha de Santa Catarina (este é o nome correto da ilha) abriga a parte insular da cidade de Florianópolis, que ainda tem uma pequena área continental que faz divisa com o município de São José. Esta ilha exerce um fascínio tremendo sobre as almas sensíveis. Suas histórias que se perdem nos tempos. Suas bruxas. Benzedeiras. Encantos. Corsários. Fortes. Não é à toa o título lindo de “Ilha da Magia”. É um lugar que apaixona qualquer um. Por isso, fica fácil ao turista distraído ir de “bar em mar”...