sábado, 27 de novembro de 2021

UMA CARTA SEM RESPOSTA HÁ 43 ANOS - JAMES PIZARRO (Seção MEMÓRIA - 27.11.2021 - jornal DIÁRIO)

Na data de 15 de janeiro de 1978, um domingo, o jornal “O EXPRESSO” de Santa Maria, publicou com destaque à página 2 um artigo de minha autoria sob o título “BILHETE PARA O SENHOR PREFEITO”. Passados mais de 43 anos e sem ter obtido até hoje resposta, reavivo a memória da população, pois o conteúdo do que eu propunha continua mais atual do que nunca. Vamos ao texto. SENHOR PREFEITO ! “ Sei que o Sr. É um homem sensível aos apelos que lhe fazem. Sei também que o Sr. É homem muito ocupado. Como sei também que não deve ser moleza governar um município como o nosso. Eu sou um livre atirador, Sr. Prefeito. Professor universitário e homem de imprensa, apartidário e não filiado a qualquer a qualquer delírio coletivista, fico muito à vontade para pensar. E faço força, na medida das minhas limitações, para acertar. Como o Sr. é prefeito de todos nós, inclusive deste humilde escriba, eu me sinto na obrigação de ajuda-lo. Ou denunciando coisas que julgo erradas, como o desmatamento criminoso dos nossos morros. Ou aplaudindo, como no caso da avenida Itaimbé e do Calçadão. Ou sugerindo, como já fiz tantas vezes e torno a fazer hoje. Gostaria que o Sr. incluísse nos seus planos para esse ano que ainda é menino (estamos em janeiro), um plantio de árvores em todas as ruas, avenidas, vielas e becos de nossa cidade. Santa Maria tem a única Estação Experimental de Silvicultura existente no Rio Grande do Sul. Santa Maria tem o único Curso de engenharia Florestal do Rio Grande do Sul. E em nossa cidade já há, pelo menos na faixa infanto-juvenil e adolescente, uma consciência ecológica. A gente moça já tem uma boa vontade tremenda em relação às coisas da natureza, Sr. Prefeito. Não seria o caso da Prefeitura, através de uma campanha bem bolada, usar todo esse potencial que a cidade tem e partir para um planejado plantio de árvores em todos os seus recantos ? Colegas seus, Sr. Prefeito, de outros recantos do Brasil, já entraram nessa. Em belo Horizonte, por exemplo, está se desenvolvendo com sucesso uma campanha coordenada pelo Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura, campanha intitulada Dê Carinho a uma Árvore”. Em apenas três meses, com auxílio de toda a população, o seu colega de Belo Horizonte vai plantar 20.000 árvores ! E cada proprietário de casa , na frente da qual foi plantada a árvore, recebe um manual-circular. Onde é ensinado como deve ser feita a preservação da árvore. Já pensou que negócio bacana, Sr. Prefeito ? O Sr. poderia – se aceitar minha sugestão -conceder incentivos fiscais aos moradores que colaborarem com a campanha de reflorestamento da cidade. O Sr. poderia fazer uma redução – mediante concordância da Câmara de Vereadores – entre 5 a 10 % no Imposto Territorial aos proprietários de imóveis residenciais, comerciais ou industriais que apresentarem requerimento a Prefeitura PROVANDO que mantém áreas ajardinadas e cultivam – EM CARÁTER PERMANENTE – espécies de plantas ornamentais em suas propriedades. As mudas podem ser plantadas em regime de “mutirão” com a colaboração da população. E por que não encampar a iniciativa de alguns abnegados santa-marienses que plantam mudas de hortências nas zonas da serra ? Por que não a Prefeitura ordenar que sejam plantadas hortênsias em todas as vias de acesso a nossa cidade ? Sr. Prefeito : o Sr. poderia pedir o auxílio e apoio da UFSM, da Secretaria da Agricultura, do Lions, do Rotary, da Brigada Militar, do Exército, dos escoteiros, das bandeirantes, da Coordenadoria de Ensino. Que tal a ideia ? E o Sr. poderia colocar mais gente, com mais ideias, nessa campanha. O Sr. sabe quantas crianças nascem POR DIA em Santa Maria ? Pois o Sr. poderia enviar às maternidades uma belamuda de árvore para presentear a família do recém-nascido. Seria a melhor forma de homenagear a cada novo munícipe. O pai e a mãe regressariam para casa trazendo o novo membro da família. E trariam junto a muda de árvore que haverá de dar sombra à criança. Sr. Prefeito : será que eu sou um pobre sonhador ? Ou será que sou um pobre maluco que lhe quero encher a cabeça com mais problemas ? Sr. Prefeito : seja um sonhador como eu. E participe das minhas maluquices !”

terça-feira, 16 de novembro de 2021

MINHA PRIMEIRA ROMARIA DA MEDIANEIRA - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - 16.11.2021)

Compreendo quem tem insônia. Relevo quem tem sono agitado. Quem é atormentado por pesadelos. Tenho imensa piedade por amigos que têm distúrbios ligados ao sono. À dificuldade de dormir. Porque dos meus nove aos treze anos comi o pão que o diabo amassou por causa desses problemas. Porque sofria de insônia. Noites mal dormidas. Temores noturnos. Quando o sol ia se pondo e a noite se avizinhava, eu já sentia verdadeiro pavor. Meu pai me levou a médicos. Que me perguntavam coisas. Ouvi pediatras dizerem para meu pai que eram distúrbios da pré-adolescência. Que eu era sensível. Um deles disse que eu era "precoce". Lembro como se fosse hoje que eu fiquei estarrecido quando o médico disse isso. Porque eu não conhecia a palavra. Na minha mente agitada imaginei que fosse um tumor, uma moléstia grave. Fiquei tranquilo quando, ao chegar em casa, consultei o único dicionário que existia na época, de autoria do Fernando Fernandes. E fiquei sabendo o que queria dizer "precoce". A medicina não resolveu meus problemas noturnos. Eu continuava a ouvir ruídos. Ouvia gente cochichando. E via coisas. Principalmente fogueiras. Nunca vi pessoas e nem animais. Tudo que eu via era relacionado com fogo. Tinha vergonha e muito medo de contar para os outros. Principalmente sobre as fogueiras. Porque temia que me chamassem de louco. Como a Medicina não resolveu meu problema, a família apelou para outros recursos. Como fazem as famílias até hoje diante de casos insolúveis. Minha mãe me levou então a centros espíritas. A sessões de umbanda. Tomei passes de descarga. Sessões de descarrego. E toda uma terminologia que eu não entendia direito. Numa sessão dessas o médium receitou "Kola Fosfatada Soel", um medicamento feito de ervas muito popular naqueles tempos. E disse que eu teria de comer muita alface na janta. Também não adiantou nada. Até que minha amada avó Olina me levou na romaria de Nossa Senhora Medianeira. A primeira romaria das dezenas que eu iria comparecer depois durante toda minha vida. Lembro que fui todo de branco, com enormes asas de anjo. Carregando uma vela de quase um metro de altura. Alguns amigos meus me esperaram na rua do Acampamento. E quando eu passei um deles gritou : “Tu é um demônio, tu não é anjo”. Porque a minha fama de autor de travessuras na Silva Jardim era grande. Minha avó me dizia que eu rezasse com fé. Que aquelas vozes, aquelas visões de fogo iriam desaparecer. E que eu jamais iria sentir medo da noite. Quando a santinha passou eu olhei para ela e fiquei em estado de graça. Estava tomado pela fé da minha vó Olina. E ela me disse : “Olha para ela...pede agora, com todas as tuas forças.” E eu, chorando, pedi. Com todas as minhas forças. Como minha vó tinha mandado. As vozes realmente sumiram. Nunca mais tive medo. E quando me perguntavam se eu ainda enxergava fogueiras, labaredas, eu mentia. Porque eu continuei a ver aquele fogo durante algum tempo. Eu não queria decepcionar minha avó. E muito menos decepcionar a santinha. Até que um dia – como num passe de mágica - nunca mais enxerguei nada. E até hoje durmo que nem uma pedra.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

BALEIA EM SANTA MARIA - James Pizarro

No final dos anos 50, entre o edifício Taperinha (ainda em construção) e o Clube Caixeiral estacionou por dias um imenso caminhão carregando uma baleia. A baleia era de grande porte e para ve-la se pagava entrada. Tinha uma cobertura de lona por cima, semelhante a uma barraca, com armações...a gente pagava o ingresso e entrava por um lado, dava a volta no caminhão e saía pelo outro lado...era preta...tinha odor de formol por causa da conservação...lembro como se fosse hj. Foi a primeira vez que a população santa-mariense viu uma baleia. Eu fui ver mais de uma vez e aquilo me marcou muito. MEU PEDIDO : alguém têm fotos ou registros de jornal sobre este fato ? Já procurei muito e ainda não encontrei. Ficaria imensamente agradecido se alguém colaborasse com informações ou fotos e notícias de jornal ou revista.Podem deixar comentário aqui mesmo ou mandar para meu e-mail : jamespizarro137@hotmail.com

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

A ESTRADA - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - 02.11.2021)

Desculpe o mau jeito, caro amigo. Mas você acaba de morrer. Morrer você e seu carro. Você é um daqueles caras recolhidos ao Instituto Médico Legal. Você é a nossa triste notícia. Mais uma rotineira manchete. Vamos falar com franqueza : nós detestamos dar notícias tristes. Todos os fins-de-semana, após cada feriadão, procuramos nunca chocar as pessoas. Porque o que gostamos mesmo de falar é da beleza dos ipês-roxos nos morros de Santa Maria. Dos ipês-amarelos do campus da UFSM. Da beleza das quaresmeiras e azaleias. E dos plátanos à beira das estradas. Somos até um pouco exagerados e repetitivos. Vivemos pedindo aos pedestres que tomem cuidado ao atravessar as ruas e avenidas. E não nos cansamos de alertar os motoristas dentro e fora da cidade. Porque em cada rua, preferencial ou não, sempre há uma criança ou um velhinho. E essa gente requer uma atenção toda especial. Fazemos isso não só nos feriadões e fins-de-semana. Mas todos os dias. Existem alguns raros otimistas que acreditam no impossível : que um belo dia ninguém morrerá nas estradas nem nas ruas. É claro que quando isso acontecer – se acontecer – essa será a nossa manchete ! Até lá nós vamos dando avisos. Conselhos. Recomendações. E nem assim, meu caro amigo, você se livrou de morrer ! Não precisa nos dar nenhuma explicação ! Apenas queremos saber que desculpa você vai dar à sua mulher, que está no hospital. Ou a seus filhos, agora órfãos. É melhor não falar nada. Eles não estão querendo desculpas. Eles estão querendo você ! É inútil falar dos freios. Da fechada. Lombada. Ultrapassagem. Sono. Dois dedos de caipirinha. Pressa. Compromissos. Hora marcada. Falta de sinalização. Ausência de policiamento. Falta de estabilidade do automóvel. Defeito do velocímetro. Luz alta. Nós o estávamos esperando de volta. E você falhou. E não foi por falta de aviso. Sempre. Em todos os momentos. A mídia e nós cansamos de dizer que “todo carro é uma arma”. E uma arma que não perdoa desaforo. Agora estamos aqui com seu prontuário de bom motorista. Sem saber o que fazer com ele. Mas isso não é vantagem. Todos nós somos bons motoristas. Os melhores do mundo ! E disso nos gabamos enquanto lemos (porque estamos vivos) a relação dos mortos nas estradas. Enquanto lemos a estória da sua morte. A morte de um ex-bom motorista. Veja : você acabou de manchar de sangue o seu prontuário ! Você acaba de jogar fora a sua vida. Você não tem nenhuma desculpa. Você, meu caro amigo, morreu numa estrada asfaltada que corta o centro do Paraná. E você, meu caro amigo, vai nos fazer muita falta. Que pena !