terça-feira, 31 de dezembro de 2019

JESUS, O MEU AMIGAÇO DO PEITO - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, pág.4 da edição de 31.12.2019)


Cristão convicto, recebi a bênção de alguns milagres em 2019.
E vi muitas procissões. E não acompanhei a tantas por deficiências no menisco medial do joelho direito.
E vi vultos através da vidraça.
E belos frutos maduros caindo do pé.
E um sol que se levanta.
Cristo me permitiu sentir cheiros antigos.
E rever faces amigas.
E lembrei de queridos rostos mortos.
E aprendi a dizer não para coisas que me fariam mal.
E aprendi a dizer sim para coisas novas que passaram a me fazer bem.
Cristo me permitiu salvar náufragos da dependência.
E eu mesmo - como por milagre - cheguei à praia.
E escutei discussões violentas sem delas participar.
E ouvi queixas.
E fiz queixas.
E se queixaram de mim.
Cheguei até a fazer um poema.
E ergui paredes.
E fixei quadros de crianças.
E sonhei com mulheres adormecidas.
Cristo - metamorfose inexplicável – me transformou numa pachorrenta segunda-feira.
E me transformou em sábado também.
E conseguiu me explodir em domingo para reencontra-lo na Eucaristia.
Numa frenética  busca - alcancei - o Norte.
E busquei o leste.
E também para o Oeste.
E  fugi para o sul.
Cristo me permitiu passar por tardes loiras de sol.
E conheci o amor.
E acompanhei cardumes.
E me perdi com eles.
E achei um cavalo-marinho.
E recolhi conchas.
E me transformei em faca. Com a qual libertei botos presos em redes.
Até uma sereia falou comigo.
E gaivotas drogadas voavam por sobre meus cabelos.
Estive em terras longínquas.
E ouvi morteiros ao entardecer.
E o napalm queimou minha pele de pecador.
E toquei tambores de guerra.
Cristo me ensinou a fumar o cachimbo da paz.
Andei por estepes desoladas.
E descampados verdes.
E desci ao fundo das minas.
E naveguei por mansos canais azuis.
Minha neta número 1, de nome Amanda, se formou  em Engenharia de Produção.
E meu neto Tarso passou para o quinto ano de Medicina. Ambos na UFSM.
Cristo não permitiu que eu morresse em 2019. E ainda me deu essas alegrias todas.
Podem me chamar de gordo otário, carola, piegas, de qualquer coisa !
Mas eu quero que esta crônica – nesta edição especial de hoje – seja dedicada a este querido.
Que jamais me abandonou. Que nunca me negou fogo.
No colo de quem sempre chorei quando errei, estive enfermo ou perdido.
Meu amigaço do peito : JESUS CRISTO !
Desejo, do fundo do meu coração, que ele proteja todos os meus leitores como protegeu a mim !

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

MEU ADORÁVEL NATAL NÚMERO 77 - James Pizarro (DIÁRIO, S. Maria, edição de 17.12.2019, pág.4)

Meu pai sempre deixou bem claro que gostava mais do ano novo do que do Natal. Questão de temperamento ou motivos cristalizados na sua infância, não gostava do Natal. Também não era de frequentar igreja. Minha mãe acompanhava sua opinião. Mas a gente tinha a entrega de presentes e os protocolares cumprimentos. Vez por outra, minha irmã puxava uma reza.
Muitas vezes, devido ao orçamento apertado, ganhei sapatos, roupas e material escolar ao invés dos presentes que realmente eu gostaria de receber. Era uma época dura. Meu pai levou anos a fio para construir a casa. E eu não reclamava. Pois entendia o sacrifício. Mas ficava chateado. Minha avó Olina sempre dava presentes do meu agrado.
Anos depois, quando comecei a namorar quem viria ser minha mulher, passei a ter uma ideia diferente do Natal. Morava junto  dela sua vó Elvira Grau, com mais de 80 anos, viúva do saudoso maestro e compositor Oscar Grau, hoje nome de escola municipal em nossa cidade. Luterana, como Edith, minha sogra. Minha sogra tocava órgão aos domingos no culto da igreja luterana de Santa Maria, a primeira igreja alemã do Brasil a ter sinos em sua torre. Na noite de Natal, o coral da igreja luterana visitava a casa dos mais idosos da comunidade alemã. E entoava lindas canções em alemão. E faziam orações. Minha sogra partilhava com os visitantes cucas, doces feitos com esmero, habilidosa doceira que era. Eles comiam rapidamente, pois tinham de cantar em muitas casas e a noite era curta.
Vera Maria, inspirada na educação dada pela mãe, sempre cuidou muito da festa de Natal em nossa casa. Muitos dias antes da data ela fazia bolos, doces, cucas. Ficaram famosas as bolachas em forma de estrela com recheio de goiabada, que até hoje ela faz e que tanto sucesso tem no meio de todos. Nossos filhos sempre tiveram pinheirinho, presentes, guirlanda na porta da casa e, quando bem pequenos, até Papai Noel visitava nossa casa. Foram anos felizes.
Não fui um pai perfeito. Fui o pai que eu sabia ser. Mas sempre fui trabalhador. Dava aulas na UFSM. Nos cursinhos. Fazia palestras. Às vezes, falava mais do que 10 horas por dia. As crianças puderam ter sempre alimentação farta. Frequentaram os melhores clubes. Pude lhes dar cursinho pré-vestibular de excelente qualidade. Passaram no vestibular no primeiro exame feito. Entregamos ao mundo uma fonoaudióloga, uma fisioterapeuta e um assistente social. Claro, a virtude da formatura é devida ao talento e esforço deles. Certamente não tivemos ingerência alguma, pois se tivessem nascido em outra casa e com outros pais também teriam alcançado o mesmo êxito. O mérito é deles. Colaboramos com o suporte, a retaguarda e o incentivo.
Nesta noite de Natal de 2019 vamos ter a ventura de reunir toda a família : os três filhos, genros, nora, os seis netos e mais alguns amigos queridos. Minha neta Amanda está se formando em Engenharia de Produção pela UFSM, minha primeira neta com curso superior ! E meu neto Tarso está passando para o quinto ano de Medicina ! Ambos na gloriosa UFSM, onde eu e minha mulher nos formamos e onde eu trabalhei por cerca de quarenta anos ! Estarão juntos a Julia, Tiago e e Joãozinho, meus três netos que  fazem o ensino médio ainda. E a sexta neta, Bethânia, com três anos, já fazendo a  “escolinha” no Colégio Sant*Anna.  
Como sempre fazemos, vamos apenas agradecer. Não pediremos nada para nós. Mas vamos pedir pela saúde dos nossos filhos e netos. E rezar pelas almas dos parentes falecidos. E na santa ceia que faremos recordaremos muito dos natais antigos. E nosso tempo de crianças. Quando, tementes a Deus, honrávamos pai e mãe. Sem jamais erguer a voz para eles. Quanto mais criticá-los.
E certamente - entre foguetes e músicas que entrarão pela janela - lembraremos dos cânticos alemães da vó Elvira. E dos cabelos loiros e olhos azuis da vó Olina. Era uma época em que a gente era muito feliz.
Mas devo dizer, que passados  53 anos de casamento, mesmo  atravessando tantas tempestades, perda de entes queridos, decadência natural do vigor físico natural da idade, ansiedade diante do desconhecido, consegui formar uma família sólida e unida. E muitíssimo feliz.
E preciso confessar publicamente, para que todos saibam, que só consegui isso graças à Vera Maria, sobre o alicerce da qual repousa a fortaleza de toda a nossa família. Ela é a figura mais importante de todos nós. Só cheguei aos 77 anos porque ela me cuidou, sem ela seguramente eu já teria morrido. E a coisa que mais tenho medo é que ela morra antes de mim.
É uma esquisita declaração de amor nesta crônica de Natal, eu sei !
Mas esse é meu presente de Natal, Vera Maria ! 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Luiz Glênio Bastos Soares : juiz, cantor, ator - JAMES PIZARRO


Luiz Glênio Bastos Soares, saudoso Juiz de Direito na Comarca de Santa Maria,  foi meu grande amigo desde criança. Fui amigo de toda a sua família.  Sua mãe, de nome Maria Soares,  era uma  famosa cabeleireira em nossa cidade nos aos 50/60. Era uma mulher ativa, loquaz, vibrante, com enorme círculo de amizades.  Seu pai, Teodoro Brandes Soares, trabalho por décadas a fio na Viação Férrea onde se aposentou no setor administrativo. Luiz Glênio tem uma irmã, de nome Vera, notável pianista, compositora e arranjadora, muito conhecida no mundo artístico da cidade.

Tanto eu era companheiro do Glênio e me dava  com a família toda que me recordo dos diversos locais onde moraram : Andradas (quase na esquina do Colégio Sant*Anna), por muitos anos na Vila Belga e, depois, na rua 7 de Setembro (perto do Clube Esportivo). Lembro quando o Luiz Glênio desistiu de ser escoteiro quando menino.  E como eu estava entrando para a então chamada Tropa de Escoteiros Henrique Dias, minha mãe comprou da D. Maria Soares todo o uniforme do Glênio e demais petrechos (mochila, cantil, faca de mato, bastão, lenço, cinturão, divisas, meias, etc...), servindo esta tralha toda de meu glorioso presente de aniversário naquele ano.

Eu e o Glênio fomos adolescentes e universitários juntos, em cursos diferentes. Frequentamos as reuniões e bailes do Caixeiral e Comercial. Ele era cantor de conjuntos musicais da cidade. Cantava admiravelmente bem em inglês.  Foi também um notável contador de “causos” e piadas. Caminhávamos horas a fio pelas avenidas e ruas de Santa Maria observando as coisas. Declamando poemas e crônicas. Falando de namoradas. Traçando planos para o futuro. Imaginando coisas.

Luiz Glênio fez parte, em 1968, a convite do meu inesquecível amigo e ator Pedro Freire Junior, do Teatro Universitário, inaugurado pelo embaixador Paschoal Carlos Magno nos porões da Casa do Estudante, à rua Professor Braga, onde anos depois funcionou a boate (catacumba). Anos depois também o mesmo Paschoal iria inaugurar o teatro da USE, na rua do Acampamento, que levou seu nome, de efêmera duração.

Ali na Casa do Estudante, o Teatro Universitário  dirigido pelo Pedro Freire apresentou dezenas de peças. E uma delas foi justamente o “Auto da Compadecida”, criação de Ariano Suassuna, glória da inteligência nacional, num dos seus mais férteis e talentosos momentos de criatividade. Originalmente escrita para o teatro, esta comédia foi levada às telas  em 2000 sob a direção de Guel Arraes.  A peça conta a história de  “João Grilo”, um sertanejo muito pobre e mentiroso. E também de  “Chicó”, que vivia enganando todo mundo. No cinema, o “Chicó foi vivio pelo ator Selton Mello.

Pois o papel de “Chicó”, no Teatro Universitário de nossa cidade foi entregue ao Luiz Glênio Bastos Soares, então estudante de Direito da UFSM, onde veio a se formar  em Direito em 1968. A peça teve de ser encenada várias noites seguidas porque o público dava gargalhadas homéricas do desempenho dele nesta peça. Foi uma coisa extraordinária !

Luiz Glênio foi morar em Porto Alegre onde se aposentoucomo desembargador . Depois de décadas de convívio, perdi meu amigo de vista. Até que no dia 23 de abril de 2007 tomei uma bofetada na cara com a notícia : a morte do meu amigo. Por uns minutos pensei que poderia ser mais uma piada dele. Ou mais uma brincadeira do “Chicó” para enganar os amigos.

Mas era uma dolorosa verdade.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

O AMOR EXPLODE, EM PLENO CALÇADÃO ! - James Pizarro (DIÁRIO, edição de 3.12.2019, pág.4)



Manhã abafada no calçadão Salvador Isaia. Manhã de sábado. Movimento inusitado. Compras. Vendedores ambulantes oferecendo de tudo. Economia informal em ebulição. Compensando o desemprego. Ou suplementando a baixa renda familiar.

Há passantes assíduos. E pontuais. “Bigode” com sua bicicleta usada apenas para carregar cafés e pastéis. Senhor careca com suas caixas de negrinhos e quindins. O simpático jornaleiro que vende o “Diário” e conhece tudo e todos. Os vendedores de rosas. Os que oferecem os bilhetes de loterias.

Há bêbados  que incomodam. Que achacam senhoras. Que pedem dinheiro. Que saem do seu habitat da praça Saldanha Marinho para uma investida no calçadão à cata de tostões. Ou para compra de cachaça em recipiente plástico. Pelo menos um deles já vi seminu.  Outro vi com as vestes sujas de dejetos.

Há cantores de tangos e boleros. Instrumentistas de flautas peruanas. Vendedores de CDs. Cantores de rock. MPB. Música sertaneja. Gospel. Há pregadores que amaldiçoam os pecadores com as labaredas do inferno.  Muitos distribuidores de panfletos.

Merece um capítulo especial o teor dos panfletos. Há oferta de comida caseira de vianda. Lanches. Baurus. Pastéis. Pizzas. Rodízio. Cursos de ioga. Musculação. Ginástica. Academia. Acompanhantes para senhores solitários. Massagem tântrica. E outras coisas mais nebulosas que não me atrevo a publicar...

Há cães comunitários, uns cinco ou seis. Mas um deles é o mais popular. Porque dorme com as quatro patinhas para cima, mostrando uma capacidade de relaxamento total. Jamais precisará de sessões de ioga. Ou usará Rivotril. Deve ser o cão mais fotografado de todo o Rio Grande do Sul. Nos mesmos horários, independente do barulho ou movimento dos pedestres, ele se estica de ventre para cima, cerra os olhos e dorme umas duas horas um sono profundo. Certamente sonhando com o Grande Deus  dos Cachorros que está a lhe esperar no Céu dos Cachorros.

Claro que existem os inconvenientes que aparecem com skates e bicicletas. Atrapalhando idosos que usam bengalas. Andadores. Cadeiras de rodas. Os cegos. Os que usam muletas. Nada contra os skatistas, por amor de Deus. Mas existem pistas  especializadas em outros locais da cidade para a prática deste esporte. É tudo uma questão de bom senso.

Mas neste sábado no calçadão o que mais me chamou a atenção, da mesa onde tomava meu café, era a mocinha de cabelos negros, encaracolados, sentada no bando em frente à Caixa Econômica Federal.  Impaciente, face preocupada, linda, na pujança talvez dos seus 16 anos no máximo. Não parava de olhar para os lados . Sentava e levantava. Dava alguns passos. Voltava a sentar.  Deveria ter no máximo 1,55 m aquela linda moça.

Foi quando ele chegou ! Um rapaz de uns 25 anos, loiro, de fones nos ouvidos, muito mais alto do que ela. Ela se atirou em seus braços e se beijaram demoradamente. Todo mundo que passava ficava olhando. Umas senhoras balançavam a cabeça, desaprovando. Outros riam. Outros ficavam sisudos. Outros passavam sem notar. Depois desse  beijarem muitas vezes, ela ficou aninhada nos braços fortes dele e com o rosto encostado no seu peito, enquanto ele alisava os cabelos e a cabeça dela. Ela sorria. Sorria feliz. Como se existissem só os dois em todo o universo. Um sorriso duma felicidade cósmica. Pungente. Paradisíaca. Um sorriso que só o amor pode produzir.

Eu peço a Deus que todos nós possamos enfrentar o mundo com a pureza daquele sorriso !