segunda-feira, 20 de setembro de 2021

O SAUDOSISMO NUNCA ESTEVE TÃO NA MODA - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - 21.09.2021)

No final dos anos 1970, residi por pouco mais de dois anos em Curitiba para fazer minha especialização em Ecologia no Departamento de Biologia da Universidade Federal do Paraná que, pouca gente sabe, foi a primeira universidade brasileira criada (fundada em 1912). Foi também um período em que muito frequentei o teatro Guairinha (o teatro Guaira, maior, estava em reformas por causa de um incêndio) e o teatro Paiol. Muitas vezes, fui a São Paulo naquela época, nos fins-de-semana, também para assistir peças de teatro, musicais, lançamentos de filmes e até me abastecer de livros novos. A inflação era de menos de um por cento ao ano, era uma época de ouro para um professor universitário se especializar e entrar de cabeça em atividades culturais, coisa impensável nos dias atuais. Anos depois, já aposentado, por dez anos morei na praia de Canasvieiras, em Florianópolis. Embora com menos frequência, sempre que podia e o dinheiro permitia dava uma esticada rápida a São Paulo que, a meu juízo, continuava (e continua) imbatível em termos de acontecimentos culturais. Numa das idas à capital paulista fique sabendo da existência da chamada "Casa do Saber". No site da mesma está bem clara as razão da existência da mesma : "é um centro de debates e disseminação do conhecimento em São Paulo, que oferece acesso à cultura de forma clara e envolvente, porém rigorosa e fiel às obras dos criadores. Num ambiente extra - acadêmico, a Casa do Saber oferece cursos livres, palestras e oficinas de estudo nas áreas de artes plásticas, ciências sociais, cinema, filosofia, história, música e psicologia, reunindo renomados professores e conferencistas. As palestras e os cursos, estes com duração de um a seis meses, apresentam o diferencial de serem ministrados em pequenos grupos, para promover a troca de ideias e maior interação entre os participantes e os mestres." Para exemplificar, porque minha memória é excelente : na semana que começou em 19/maio/2010, a Casa do Saber programou palestras e debates sobre o tema "saudade". E analisaram a "saudade" sob os pontos de vistas antropológico, filosófico, literário e poético. Os palestrantes eram Roberto Da Matta e Moacyr Scliar. Eu tenho as minhas reservas com São Paulo, mas tenho de reconhecer o seu gigantismo cultural, seu cosmopolitismo, as iniciativas envolvendo literatura, pintura, escultura, cinema, teatro, dança. Enfim, a coragem de colocar em pauta temas ousados. Eu tenho escrito muito a respeito de memorialística, recordado coisas, exercitado meus neurônios. E lhes asseguro que existe um público imenso que adora ler e trocar ideias, fazer sugestões e críticas sobre temas que envolvam saudosismo. Eu sei pelo número de e-mails, telefonemas que recebo e até bilhetes e recados que deixam na portaria do condomínio onde moro. Os que acham que serão jovens para sempre nem se dão conta que o Brasil está se transformando, proporcionalmente, num dos países com uma fatia assombrosa de idosos em sua população. Afinal, em qual cidade do país a gente pode sair e avisar em casa que vai demorar um pouco porque vai ouvir conferência e discutir o tema "saudade"? Em qual cidade existe uma "Casa do Saber" aberta ao público gratuitamente?

terça-feira, 7 de setembro de 2021

JULINHO BRENNER - JAMES PIZARRO (DIÁRIO -7.9.2021)

Júlio César de Almeida Brenner – meu saudoso amigo Julinho – graduado em Ciências Contábeis e pós-graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Santa Maria. (UFSM), onde também foi o primeiro professor deficiente físico cadeirante, ministrando aulas para o curso de Ciências Contábeis. Coordenou o Laboratório de Informática do Centro de Ciências Sociais e Humanas, e foi dono de banca de revistas. Julinho viveu 55 anos como cadeirante, e apesar das dificuldades, nunca desanimou e fez a diferença no meio onde viveu. Fundou a Associação Santamariense de Deficientes Físicos, foi presidente do CPM de uma escola de Ensino Fundamental e vereador de Santa Maria de 1997 a 2008. Foi presidente da APAE de Santa Maria e incansável na busca de melhores condições para a instituição. Julinho nasceu em 1º de Janeiro de 1946, em São Borja. Filho de Almiro e Perpétua Brenner, teve uma infância saudável, onde brincava com a irmã de três anos mais nova, chamada Maria Isabel. Aos 11 anos, ele enfrentou a primeira perda, quando seu pai veio a falecer. Aos 13 anos, em um mergulho na piscina do Avenida Tênis Clube, bateu a cabeça e ficou deixou tetraplégico. Julinho, com o apoio incondicional da mãe, dona Perpétua, conhecida como dona Péta (falecida em 2012 aos 95 anos de idade), voltou a estudar e, com muito esforço, aos 22 anos de idade, abriu uma banca de revistas: a Julio’s Stand. De dia, trabalhava e, à noite, estudava. As dificuldades não lhe roubaram o sorriso do rosto. Aos 32 anos, se formou e se casou com Nedi Goulart Brenner, com a qual teve os filhos, Fábio e Lívia. Em 1981, fundou a Associação Santamariense de Deficientes Físicos (Asadef). Foi presidente do Clube de Pais e Mestres do Instituto de Educação Olavo Bilac, onde os filhos estudavam. Após se destacar nas áreas social e educacional, em 1996, incentivado por amigos, concorreu às eleições para o Legislativo Municipal de Santa Maria e foi eleito com 2.415 votos. Feito que repetiu em 2000 (com 3.854 votos) e, em 2004, com 2.751 votos. Ao longo de 12 anos como vereador de Santa Maria, lutou pela educação e por qualidade de vida das pessoas portadoras de deficiências. Com a frase “você não faz parte do problema, mas pode fazer parte da solução”, esteve sempre envolvido com a melhoria de qualidade de vida de pessoas com necessidades especiais. Quando foi presidente da Câmara de Vereadores, insistiu até me convencer a fazer um comentário semanal na TV Câmara, Canal 16, que eu não queria fazer de modo algum. Finalmente, diante da insistência dele, o programa foi ao ar com o título de “Tema Livre” e obteve tanta repercussão que os outros dois presidentes da Câmara de Vereadores que sucederam o Julinho mantiveram o convite e eu fiquei no ar. Julinho foi com a esposa Nedi à rodoviária se despedir de mim e da Vera quando embarcamos para morar 10 anos na praia de Canasvieiras. Jamais esqueci deste gesto de amizade ele. Assim, era o meu querido amigo que nos deixou recentemente. Antes de partir, deixou para Nedi esta carta singela que ela me mostrou : “Querida, tu é minha vida. Não esqueça de mim. Cuida do Scooby e dos filhos, do Fábio e da Lívia. Obrigado pelo teu amor, carinho, por todo cuidado. Estarei contigo por toda minha vida, e do céu te olharei para sempre. Quando estiver com saudades pensa em mim. Reza por mim, e quando estiver triste, ouça “o Guassupiano”, e vai lembrar de mim. Desculpa por tudo que eu deixei de fazer. Sou teu fã nº 1, porque tu é ótima, guerreira, bondosa, querida, alegre e é assim que eu quero que tu seja para sempre. E, quando a gente se reencontrar, que sejamos felizes de novo”. (Julio Brenner)