terça-feira, 21 de maio de 2019

SANTA MARIA : ALGUNS TIPOS POPULARES - JAMES PIZARRO (DIÁRIO de SM, edição de 21.05.2019, pág.4)

Em qualquer cidade do mundo sempre existem  pessoas que de um modo especial fazem a história do local. São prefeitos, vereadores, delegados, professores, cantores, poetas, músicos, esportistas, advogados, comerciantes. Não raro, pela importância da atividade que exerceram em vida, transformam-se depois em  nomes de praças, ruas, avenidas, logradouros públicos para emoção dos parentes.

Mas existe outra gama de habitantes que nunca  desempenharam  funções ditas oficiais ou legais. Ou mesmo desempenhando-as, foram carismáticos, possuíram atributos comportamentais  diferentes dos padrões vigentes, o que os fez populares. Muitas dessas figuras permanecem eternamente  na memória e no anedotário popular da cidade por seus feitos, atos, modos de expressão. Alguns são lembrados por sua personalidade bem humorada. Seus gestos cômicos. Suas respostas inusitadas. Outros, nem tanto...

Mesmo passadas décadas após sua morte estes tipos populares permanecem vivos na memória dos mais idosos da cidade. Fazem a história verdadeira dessa comunidade, com toda sua idiossincrasia. Não essa história positivista, tão ao gosto dos legalistas e conservadores moralistas, tipo “Nasceu em tanto, morreu em tanto, suas principais obras foram...” Mas uma história feita por quem anda pela ruas e bairros, por quem conhece a cidade. Uma história cheia de riqueza humana. Com momentos para a dor. Para o patético. As mazelas. A depressão. A fome. E até para o humor.  Enfim, uma história advinda de uma fauna humana que não foi cretina a ponto de esconder seus defeitos. Nem teve tempo de aprender a se camuflar. Na realidade, uns puros.  Porque cheios de defeitos que todo mundo vê. Cercados de gente importante com muito mais defeitos, às vezes, mas que ninguém vê.

Sempre tive um  oceânico carinho por estes tipos especiais.  E fui amigo da maioria deles. De indagar de suas histórias. Dos tipos populares que existiram antes do meu nascimento também me ocupei, pesquisei sobre eles com os mais velhos da cidade, como os casos do Fanático (década 30), Fanha (década de 30) e Pipoqueiro (década de 40). Tenho em meus arquivos centenas de anotações que ouvi de relatos orais do meu saudoso amigo e professor de Botânica Sistemática, Dr. Romeu Beltrão. Relatos do Edmundo Cardoso (que me empregou como revisor de A RAZÃO, quando adolescente e ele, diretor do jornal). Do Eduardo Trevisan (quando muito chimarrão lhe servi na casa da rua do Acampamento quando lhe visitava com o Prado Veppo). Do vereador Lauro Machado (pai do compositor Antônio Carlos Machado). Do meu avô Fredolino da Luz Silveira. Do Gregório Coelho (meu grande amigo e patrono do Internacional de SM). Do Modesto Dias da Rosa, recentemente falecido.

O “Tio Santo” era um afrodescendente  de cabelos brancos que andava sempre  com um saco de estopa nas costas e era o terror da gurizada que não se comportava bem. Quando a gente aprontava alguma travessura, a mãe dizia : “Vou chamar o Tio Santo para te levar embora  no saco dele”. Era um santo remédio. Costumava andar por toda a cidade, especialmente pela Silva Jardim e arroio Cadena, hoje Parque Itaimbé,

Posso citar, de memória, dezenas de outros tipos populares de Santa Maria : Hugo da Flauta, Tivico, Caçapa, Quinquinha, João dos Autos, Batista, Crocante, Farol, Maria-sem-queixo, Saldanha, Paulinho Bilheteiro, Claudinho, Batista, Bozó, Índio Tabajara, Boaventura, Engole-sapo, Polaco, Mudinho da Catedral,  Sansão e Dalila, Antoninho-Faz-Tudo, Bentinho do Carmo,  Velho da Carrapinha, Fogo-Torcida,  Banha, Seu João do Sorvete, Caçapinha, Bibelô, Padre-das-cabras, Lanterninha  Aurélio, Nestor Calcagno, Galo Rouco, Sete Calças, Vando, Negra Rosa, Tomate, Catixa, Moranga, Maestro Linhares, Antonello do MANECO, Alemão-da-bala-de-ovo, Sabão Cruzeiro, Goiabão, Clóvis Lassene, Magro Falado, Vaca, Américo,  Amiguinho, Negra Tereza, Mudinha, Binha, Combate, Santinho, Cerejinha, Pinha, etc

Sobre cada um deles poderia escrever um alentado parágrafo, seu tipo físico, suas histórias, onde morava, seu linguajar. Mas não há espaço suficiente. 

terça-feira, 7 de maio de 2019

PEDRO FREIRE JR, UMA SAUDADE PUNGENTE - James Pizarro (Diário de S. Maria, pág.4, edição de 7.5.2019)


Pois minha amizade com o Pedro Mauá Duarte Pinto Freire Jr - conhecido tão somente por Freire Jr - durou coisa de meio século. Desde os tempos gloriosos do mais famoso bar/restaurante que já teve Santa Maria nas décadas de 60/70 : o saudoso MOBY DICK !

Depois das minhas aulas na UFSM e cursinho pré-vestibular (e ele, depois do trabalho na Câmara de Vereadores ou dos ensaios no teatro), nos reuníamos TODAS as noites no Moby Dick para comer o famoso bife à milaneza do Cláudio.  E tomar chope. E ali ficávamos a discutir poesia, teatro, declamar, recitar, discutir acontecimentos sociais do país.

Foi ali que, sob a liderança do Freire, se formou o GVC - Grupo de Vanguarda Cultural, formado pelo T. Genro, J. Nascimento, T. Trevisan, D. Agostini, J. Pizarro, E. Pacheco, Z. Pujol, L. Entges, C.A. Robinson, A. Costa e outros. O GVC chegou a publicar várias edições de uma revista cultural, produziu recitais de poesias, concursos de oratória.

O grupo se desfez ao natural depois que seus membros se formaram nos seus cursos superiores e foram tocar a vida. Muitos já eram noivos. Outros tinham casado e estavam trabalhando. Outros eram de fora de Santa Maria e, uma vez formados, regressaram às suas cidades de origem.
Mas minha amizade com o Freire continuou para toda a vida. Fui professor de Biologia no curso pré-vestibular dos dois filhos dele e da Ivone, que era proprietária e professora da concorrida e famosa escola de ballet que levava seu nome. Fui durante anos cronista dos programas de rádio do programa do Freire : ele me telefonava e eu fazia o  comentário pelo  telefone onde eu me encontrasse, mesmo fora de Santa Maria.

Em 2006, eu e o Freire planejamos ensaiar e apresentar uma peça de teatro : apenas dois atores, que faziam o papel de dois homossexuais. A peça tem um ato só, de 70 minutos, com os dois sentados num banco de praça, à noite, conversando. Era de autoria do Edward Albee e se chamava "O Zoológico". Chegamos a ler juntos o texto por mais de uma vez. Ele estava me ensinando a chorar em cena. Palavras dele : “Chorar é mais fácil do que rir em cena...eu te ensino a chorar, vai ser fácil porque tu és um sentimental e deixa que eu dou as risadas”.

Freire, às gargalhadas, me dizia :  "Vai ser o maior sucesso teatral de S. Maria...e também um escândalo, eu uma bicha velha e histérica e tu fazendo o papel duma bicha gorda e escandalosa ! A cidade vai falar horrores de nós. “

Infelizmente, Freire faleceu em 2007, vítima de complicações pulmonares advindas do tabagismo. Fui visita-lo dois dias antes de sua morte. Nas vésperas de levar à cena sua peça de número 100, deixou a cidade culturalmente mais pobre. E os amigos íntimos aflitos. Saudosos. E melancólicos.

Além de ter perdido meu rico amigo, perdi a minha única oportunidade de ser ator !