terça-feira, 27 de julho de 2021

RAYSSA, A SORRIDENTE FADINHA DE PRATA - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - edição de 27.07.2021)

Rayssa Leal – com seu jeitinho de menina travessa e sorriso de simpatia invulgar – conquistou não só o país. Com seu corpo leve e mais parecendo um anjinho caído do céu, conquistou o planeta. A mídia. Os juízes. Os corações. Aos 13 anos de idade, Rayssa é a mais nova medalhista olímpica de todos os tempos. Seguramente, seu rosto está hoje em todos os jornais, revistas e TVs do mundo. É a rainha das Olimpíadas de Tóquio a nossa fadinha nascida em Imperatriz. Fiquei a noite toda acordado para vê-la. Senti – desde sempre – que ali naquela menina estava um dos tantos fenômenos brasileiros que, milagrosamente, costumam eclodir de tempos em tempos. A despeito de todas as dificuldades e falta de apoio. E da ajuda gigante dos pais e familiares. De professores abnegados. De clubes interessados. Por curiosidade fui consultar meus livros de latim, grego, etimologia. Fui conferir o Google. Tudo para saber o significado real do nome Rayssa. E o resultado da minha consulta não poderia ser outro. São vários os significados : líder, mais relaxada, calma, romântica, tranquila, chefe, rosa(entre outros). Mas o consenso entre os etimologistas é que o significado mais comum seja “tranquila”.. Realmente, quem assistiu todas as eliminatórias e as sete provas que cada skatista fez durante cada bateria pode constatar o nervosismo e a tensão da maioria das concorrentes em contraste com a alegria, sorriso permanente e extrovertido comportamento da nossa fadinha. Que tratava de se divertir e incentivar as concorrentes depois de suas apresentações. Fiquei a lembrar das dificuldades que os praticantes de skate enfrentam nas cidades para a prática de seu esporte e das incompreensões que sofrem. Está certo que este esporte não pode ser praticado numa via destinada ao pedestre, como por exemplo, o calçadão Salvador Isaia. Nem em vias de intensa movimentação automobilística., por razões de segurança deles mesmos. Mas as autoridades da cidade, a Prefeitura Municipal, os presidentes de clubes, os responsáveis pelas universidades locais e seus “campi” – sobretudo depois da conquista de nossa fadinha Rayssa Leal - têm de pensar seriamente em instalar e fazer proliferar pistas de skate em nossa cidade para a prática desse esporte olímpico. Os familiares dos skatistas merecem ser apoiados e incentivados em nossa comunidade. E porventura -preconceitos e mentes obscurantistas sobre a prática dessa modalidade esportiva - devem ser banidos. Afinal, estamos com a segunda melhor praticante de skate do mundo no país. Confesso – manteiga derretida que sou – que chorei, enternecido de amor, pela Rayssa !

sexta-feira, 23 de julho de 2021

MEU AVÔ FREDOLINO : FERROVIÁRIO, ESPORTISTA E CATÓLICO FERVOROSO (DIÁRIO, Seção MEMÓRIA, edição 23.07.2021)

Era domingo de manhã. Eu havia chegado tarde da noite. Era 14 de junho de 1965. Estava cursando o terceiro ano da (então) chamada Faculdade de Agronomia da UFSM. Morava separado da casa da família. Meu quarto era no fundo do pátio. Onde ficava assegurada minha privacidade. Acordei pelas 8h da manhã com os gritos da minha mãe. Que esbordoava a porta do meu quarto pedindo socorro. Meu avô morava na casa ao lado. Estava caído no chão da cozinha. Gemia com muita dor no peito. Meio desacordado. Chamamos um taxi, naquela época chamado de "carro de praça" da 810. Levado ao hospital, foi sedado. E iniciaram os exames para o diagnóstico. Só à noite descobriram que era um aneurisma na aorta. Que estava por rebentar. A única solução era uma cirurgia de emergência como tentativa derradeira. Minha avó estava desesperada. Amava meu avô. O cirurgião disse que tínhamos de providenciar doadores de sangue naquela hora. Pois não existiam bancos de sangue na cidade naquele tempo. Enquanto minha namorada Vera Maria ficava no hospital, fui para a rua à cata de doadores. Consegui alguns nos quartéis da cidade. Mas eles foram desnecessários. Mal a operação havia iniciado, a aorta rompeu-se e esguichou sangue por todo o bloco cirúrgico. Meu pai, enfermeiro, auxiliava na cirurgia como instrumentador. Quando subi ao segundo andar da "Casa de Saúde", em Santa Maria, eu o vi com o avental ensanguentado. E os médicos também. Meu pai chorava. Eu tive a péssima ideia de entrar no bloco cirúrgico enquanto retiravam o cadáver de meu avô. Duas funcionárias já providenciavam na limpeza. O local me pareceu mais um abatedouro. Como se tivessem sangrado um porco. Quando desci ao térreo, minha mãe estava desolada. E me disse : "Tu és a pessoa mais ligada com a tua avó, tu tens de contar pra ela". Coube a mim falar para minha amada avó. Ela se agarrou a mim. Ficou muda. Petrificada. Com olhar de espanto. Nunca haverei de me esquecer daquela noite. O carro fúnebre levando o corpo do meu avô para casa. Porque naquela época os corpos eram velados em casa. O carro subindo a avenida Rio Branco, coberta de densa cerração. E minha avó, com a cabeça deitada em meu ombro, soluçando, num taxi que nos levava. Porque ninguém da família possuía carro naqueles tempos de dureza. Daquela hora em diante, eu e minha namorada - com quem casei - ficamos exclusivamente cuidando da minha avó. O enterro teve grande acompanhamento, pois meu avô era muito querido no meio dos ferroviários. No Clube de Atiradores Santa-mariense. No grupo de bolão "7 de setembro". Na Igreja Católica, onde ele fazia parte dos Vicentinos. ”Seu Fredolino”, como era chamado, foi um homem severo, duro, sério, de rígidos padrões morais. Trabalhou 44 anos na ferrovia sem nunca ter tirado atestado médico ou faltado ao serviço . Eu não fui ao enterro. E nem deixei minha avó ir. Vi aquela enorme fila de carros atrás do carro fúnebre subindo a rua Silva Jardim. E ficamos em casa eu, minha namorada e a vó Olina. Ela apertou minha mão e me disse que não podia haver coisa mais triste do que aquela. Anos depois eu ficaria de mãos com ela na hora de sua morte. E nestes últimos anos morreram meus pais e meus sogros. Tempos mais modernos. De se morrer sozinho no CTI, UTI ou UNICOR. Não importa a sigla burocrática. Ouvindo ruídos de eletrocardiógrafos. Respiradouros artificiais. Tubos de oxigênio no máximo de sua pressão. Murmúrios de vozes. Rostos estranhos. Máquinas que tentam fazer o impossível. Sem ninguém para apertar suas mãos. Como provavelmente também morrerei eu. Sozinho. Ah...lembrei que o Tarso, um dos meus netos, se formou em Medicina na UFSM neste ano de 2021. Com um pouco de sorte quem sabe ele esteja de plantão por lá. Para agarrar minha mão. Quando chegar o meu dia e a minha vez. Enquanto a vida for se esvaindo. Como o som do clarinete do meu amado Benny Goodmann. Seria muita sorte deixar este planeta com um neto médico apertando minha mão.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

A primeira aula marca a alma da gente para a eternidade - James Pizarro (DIÁRIO, SEÇÃO "MEMÓRIA" - 16.7.2021)

Sou do tempo em que o então chamado Grupo Escolar João Belém funcionava no prédio onde hoje está o Maneco, em Santa Maria. Ali fui matriculado – com 6 anos de idade – no que era chamado de Jardim da Infância. Assim é que, nos primeiros dias do mês de março de 1948, comecei a estudar. Agarrado à mão de minha mãe, fui levado e entregue na penúltima porta do corredor do primeiro andar à mestra Luiza Leitão. De cabelos brancos, ela foi a minha primeira professora, da qual guardo enternecedora lembrança. Ela me recebeu carinhosamente, o que fez se dissipar qualquer resquício de medo do meu assustado espírito. Muito embora eu tenha sentido um inesquecível aperto no peito quando vi minha mãe me abanar e desaparecer pelo corredor. Lembro detalhadamente desse primeiro dia de aula. Sentei-me numa mesinha, junto com duas meninas e de um menino, chamado de Cleómenes, que usava óculos. Inexplicavelmente, não guardei o nome das duas meninas, que eram simpáticas e puxavam conversa. A professora Luiza Leitão bateu palmas, pediu silêncio, e colocou no aparelho de som (que era chamado de “vitrola”) um enorme disco de vinil. Daquele disco, como num passe de mágica, brotou a emocionante novela intitulada “As Aventuras do Coelhinho Joca”, a primeira história infantil gravada que ouvi em minha vida. Eu gostei tanto que, meses depois, quando ganhei meu primeiro cachorro de presente, um fox preto e branco, o mesmo recebeu o nome de “Joca”. Corria o ano de 1948, ano em que o Botafogo foi campeão carioca. O time alvinegro entrava em campo com sua mascote “Biriba”, uma cadela também fox preta e branca. Num relance, passaram-se décadas desde a minha primeira aula, pois estou hoje com 78 anos. Lembro de tudo, desde a disposição dos móveis na sala, dos quadros, dos rostos, dos sons, do sino batendo para o meu primeiro recreio, da primeira merenda. À noite, custei muito a dormir, pois recapitulava, mentalmente, tudo o que me havia acontecido naquele dia memorável. A professora Luiza Leitão, e depois a professora Léa Balthar, foram as duas responsáveis pela minha alfabetização. Não posso deixar de registrar a querida professora Fátima Mesquita, responsável por ter me preparado para o exame de admissão ao ginásio no Maneco. A outra diretora do João Belém, que substituiu a professora Edy Maia Bertóia, foi a Professora Heleda Diquel Siqueira, que também foi minha professora de Trabalhos Manuais. Dona Heleda era exímia jogadora de bolão, viajava muito pelo Estado disputando campeonatos femininos deste esporte. Faleceu recentemente. Nas datas importantes – principalmente em datas cívicas – aconteciam no João Belém as chamadas “audições”. O que era isso? Todo o corpo docente e discente era reunido no salão de festas da escola. E havia apresentações artísticas como danças, corais, declamação de poesias, números musicais, mágicas, bandas. Tudo isso era precedido pela fala do locutor. Que lia uma sinopse do número que ia ser apresentado. Devido ao desembaraço, desenvoltura ou “cara-de-pau” – seja lá que nome tenha isso – sempre fui escolhido para ser o locutor das “audições”. O que me conferia um certo “status” com os professores, simpatia com as meninas e uma certa ciumeira dos meninos. Dou-me conta, agora, da influência que tais experiências da meninice podem ter na formação da nossa personalidade e até nas nossas escolhas profissionais de adulto. É um mistério. Que estranho fermento a vida semeia na sensibilidade da gente. E ao longo do tempo aquilo vai se metamorfoseando em pão. Esse mistério foi inoculado em meu espírito pela dedicação de meus professores do João Belém e do Maneco. E por isso serei eternamente grato a todos eles. Até o último dia da minha vida.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

CEARENSE, PEREGRINO, VENCEDOR E SANTA-MARIENSE ADOTIVO ! - JAMES PIZARRO (crônica no DIÁRIO - 13.07.2021)

Este país de dimensões continentais oportuniza que pessoas das mais diferentes e distantes regiões possam, ao sabor do acaso, um dia se encontrar. E esse encontro marcar tão forte e tão fundo suas vidas, que famílias novas se inauguram. Carreiras profissionais fulgurantes se descortinam. Descendentes brotam para perenizar o encontro que, outrora, foi fortuito. Mas que o Deus generosamente – sob a égide do amor – solidificou para a eternidade. Na década de 70, a jovem odontóloga e professora universitária na UFSM , minha ex-colega de bancos escolares no MANECO, se encontrava na Universidade de São Paulo fazendo seu curso de Mestrado em Odontopediatria. Uma moça simpática, dócil, educada, dedicada aos estudos. Os consultórios odontológicos deveriam ser ocupados por duplas de alunos mestrandos, escolhidos por sorteio. O destino escolheu o personagem do qual passo a tratar, odontólogo vindo do Ceará, da cidade de Granja. Assim é que para companheiro da nossa santa-mariense a sorte escolheu um cearense , sétimo filho de dez irmãos, nascido numa cidade de menos de 3000 habitantes. Filho do agente dos Correios e Telégrafos da cidade. Transferidos para Fortaleza, formou-se em Odontologia. É Segundo Tenente R/2 do Exército Brasileiro. Fez uma verdadeira peregrinação por sete estados brasileiros trabalhando como cirurgião-dentista : Ceará, Pernambuco, Bahia, Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo. Com o convívio no trabalho e nos estudos no mestrado na USP os dois se apaixonaram. Concluíram o curso. E no dia 15 de janeiro de 1971 se casaram na Igreja do Bom Fim, em Santa Maria. Dessa união nasceram duas filhas, Eliza e Rachel. E quatro netos : Enrico, Martina, Marina e Paula. Ele é profundamente religioso, católico convicto, devoto de Nossa Senhora Medianeira e o Menino Jesus de Praga. Fez parte durante muitos anos da equipe da espiritualidade e de pregação do Evangelho da Fazenda do Senhor Jesus, de Ivorá, onde trabalhamos juntos como voluntários. Poderia ter lançado mão nesta crônica dos dados do extenso currículo profissional do casal de amigos. Mas preferi escrever algo mais intimista, menos acadêmico, mesmo porque a cidade já os conhece o suficiente profissionalmente. Preferi algo familiar, amoroso, que falasse de filhos e netos, de serviço social. Numa época de tanto egoísmo e desamor. Meu personagem de hoje é autor de uma belo texto, chamado “Prece de Gratidão”, verdadeira profissão de fé na pátria, família, profissão, honestidade e no amor pela sua esposa. É um texto emocionante. Espero que todos possam um dia vir a ler. Meu forte abraço, Luciano Vlademir de Araújo Rocha e Neuza Maria de Oliveira Rocha !