quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

GRATIDÃO - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, pág.4 da edição de 29.12.2020)

Vi o Pantanal sendo consumido pelo fogo. Pássaros desatinados voando sem rumo. E a onça-pintada com as patas queimadas gotejando sangue. Vi barragem rebentando e sufocando pulmões e rios com lama. Vi as balsas nos rios amazônicos carregadas com milhares de gigantescas toras de árvores ilegalmente derrubadas. Ouvi metralhadoras cantando seu ódio e esparramando cérebros e tripas em diversos morros e comunidades. Mas também vi maçãs maduras caindo do pé. E um sol que se levanta. E senti cheiros antigos. E revi faces amigas. E lembrei de rostos mortos. E aprendi a dizer não. E aprendi a dizer sim. E salvei náufragos. E eu mesmo, por mais um ano - por milagre - cheguei à praia. E escutei discussões sem delas participar. E ouvi queixas. E fiz queixas. E se queixaram de mim. Fiz um poema. Foi um ano violento. Muita doença. Muita morte. Mas consegui erguer paredes. Fazer barricadas. E fixei quadros de crianças. E sonhei com mulheres adormecidas. Fui segunda-feira. E me transformei em sábado também. E consegui ser domingo. Apesar da lama da barragem. E do terror de Paris. Da violenta explosão química no Líbano. Busquei – e alcancei - o Norte. E busquei o leste. E fugi para o oeste. E não pressenti o sul. Como por milagre passei por tardes loiras. E conheci o amor. E acompanhei cardumes. E me perdi com eles. E achei um cavalo-marinho. E recolhi conchas. E me transformei em faca. E anzol. E rede. Lembrei de uma sereia que falou comigo na praia de Canasvieiras há anos. Gaivotas drogadas voavam por sobre meus cabelos. E estive em terras longínquas vendo a insanidade no deserto da Síria. E ouvi metralhadoras e sangue jorrando ao som do rock em Paris. E a dor da revolta perplexa queimou minha pele de pecador. E toquei tambores de guerra. Mas orei forte em nome de Jesus e minha alma fumou o cachimbo da paz. E então andei por estepes. E descampados verdes. E desci ao fundo das minas. E naveguei por mansos canais azuis. E regressei à minha realidade. E aqui estou – aos 78 anos – saudável. Sentado ao entardecer olhando os morros de Santa Maria. Pensando nos meus filhos, netos e minha mulher. Entro em comunhão com a Energia do Universo. Com o caudal da Vida. E me entrego totalmente nas mãos de Deus. Recebi muita generosidade Dele. E quero agradecer por isso PUBLICAMENTE! Enquanto tenho tempo. Obrigado, Senhor !

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

UM TEMPO FELIZ - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, pág.4, 15.12.2020)

Bar Geaiten do Morisso. Claudio Machado Rizzato, Battistino Anele e Edifício Taperinha. Trem Minuano. Zebrinha da Loteria Esportiva no "Fantástico". Hugo da Flauta. Calça Topeka. Tio Santo. Negativo de foto. Tivico. Língua do "P". Sargento "Farol" da Banda do Sétimo. Emulsão de Scott. Abelin assoviador. Coppertone. Claudio e restaurante Moby Dick. Naftalina. Cabaré Balalaika. Dalmo Dikrel. Vera Soares e site Clavedesul. Viagens do Chicotim. Blusa de banlon. Gruta Azul. Pílulas de vida do Dr. Ross. Restaurante Gruta da Imprensa. Vemaguet. "Senadinho" do Clube Comercial. Rural Willys. Garçon "Chico" do Clube Caixeiral. Bobs para o cabelo. Trem Húngaro. Piadas de caserna das "Seleções". Revista "Realidade". Papel carbono. Trem "noturno" para Porto Alegre. Xampu de ovo. Revistaria da gare da estação ferroviária. Elefantinho da Shell. Stand do Wilson na Segunda Quadra da Bozano. Pó compacto Cashmere Bouquet. Matinê dominical das l3h15 do Cine Imperial. Leque feminino. Álbum de figurinhas "Marcelino, pão e vinho". Piteira para cigarros. Cabaré da Valda. Atirei o Pau no Gato. Retreta na praça Saldanha Marinho. Óleo Singer. Central de Máquinas. Disco de 78 rotações. Relojoaria Péreyron. Cobertor Sonoleve. Casa Feira das Sedas. General Osvino Ferreira Alves.Sabonetes Madeira do Oriente. Sibrama. Modess Pétala Macia. Calçados Morisso. Vidal Castilhos Dânia. Elevador Ótis. Brim Coringa Sanforizado. Bel Som. Pyrex. Livraria Dânia. Roy Rogers. Casa Escosteguy. Buck Jones. Casa "A Facilitadora". Gabriel Abbott. Tarzã. Guarany Atlântico. Corante Guarany. Bibelô. Bidê. Revista Intervalo. Revista Sétimo Céu. Revista Grande Hotel. Revista "O Cruzeiro". Heitor Silveira Campos. Revista do Globo. Relógio Cuco. Deocleciano Dornelles. Bomba de Flit. Mimeógrafo. Toca discos. Caminhão FNM. Dom Antônio Reis. Flâmula. Monark. Pneu Balão. Jardim Tropical ao lado da catedral. Clubes de basquetes Atlético e Irajá. Camisa Volta ao Mundo. Café Visita. Amigo da Onça. Café Cometa. Repórter Esso. Goma Arábica. Montanha Russa. Casa Cristal. Fanha. Tivico. Quinquinha. Sapato Vulcabrás. Neocid. Vasco "Capitão Caraguatá" Leiria. Enciclopédia Barsa. Tesouro da Juventude. Clube Juvenil Toddy. Escola de datilografia da Olga. Corte meia cabeleira. Corte Principe Danilo. Cabaré da Valda e da Geni. Casa das Malas. Joalheria Troian. Binaca. Envelope verde-amarelo para correspondência aérea. Alpargatas Roda. Monóculo com foto. Bombril na antena. Enceradeira. Fotonovela. Decalque. Araldite. Simca Chambord. Galocha. Chaveiro com pé de coelho. Meia-sola. Grupo de Vanguarda Cultural. Farol. Crocante. Tio Santo. Bloco de Carnaval "Bota que eu bebo". Máquina de moer carne. Sabonete Eucalol. Maiôs Catalina. Varig na Noite. Casa Aronis. Sabão Rinso. Dedal. Uniforme de Gala. Glostora. Leite de Rosas. Leiteiro. Fábrica de Mosaicos Ângelo Bolsson. Jogo de futebol de botão puxador. Mingau de aveia Quaker. Jeca-tatu. Saci-pererê. Reizinho. Drops Dulcora. Penico.Cartão de Natal. Mercurocromo. Espiral contra mosquito.Antoninho-faz-tudo. Bentinho do Carmo Machado. Engole-sapo. Talha. Filtro de Barro. Calça Far-west. Toca-fitas. Aqua Velva. Soldadinho de chumbo. Topo Gigio. Os Sobrinhos do Capitão. Kichute. Conga. Tênis Bamba. Manilhas Kozoroski. Casa Herrmann. Ovo de madeira para cerzir meia. Crush. Cyrillinha. Bambolê. Sabonete Lever. Instituto Universal Brasileiro. Tigre da Esso. Calçadeira. Slide. Quinta Seibel. Três em Um. Roupa engomada. Revista do Rádio. Cadernos do MEC. Cadernos Avante. Clube do Bolinha. Casinha na árvore. Cadeiras na calçada. Velar o defunto em casa. Seringa de vidro para dar injeção. Suadouro contra gripe. Escaldapé. Biliquê contra gonorréia. Rodelas de batata inglesa na testa contra dor-de-cabeça. Gemada com canela. Manta de lã contra cachumba. Entregador de vianda. *Se você tiver conhecido mais de 90% disso tudo, certamente terá mais de 70 anos...

GARE : OUTRORA ORGULHO TREPIDANTE VIROU TAPERA SOTURNA - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, seção MEMÓRIA, caderno MIX, edição de 19.12.2020)

Para não desestabilizar minhas emoções nunca mais desci a avenida Rio Branco para visitar a gare, um dos locais mais importantes da minha infância. Na minha última visita ao local chorei muito. Voltei depressivo para casa. E resolvi jamais voltar àquele local. A gare da estação da Viação Férrea do RS foi local frequentado pela elite da sociedade santa-mariense, por mais incrível que isso possa parecer hoje aos mais moços, testemunhas da decadência da rede ferroviária. Ali estavam os escritórios das chefias. A sala do diretor da estação (chamado de "Agente"). O amplo e completo "stand" de revistas (a chamada "Revistaria da Estação"). O higiênico e confortável restaurante, onde serviam-se desde refeições "à francesa" até rápidos lanches. A fantástica sorveteria com inimagináveis guloseimas servidas em finas taças de prata. O competente serviço de carregadores de bagagens ("mensageria"), com os servidores vestidos de azul, com colarinho e gravata, portando carrinhos de ferro para o transporte das malas. O serviço de autofalantes com as publicidades (chamadas "reclames") ditas por um locutor cego, que tinha a fantástica capacidade de memorizar tudo. Entre um "reclame" e outro, valsas de Strauss e sambas de Ary Barroso... Para ter acesso à gare da Viação Férrea, era necessário comprar ingresso. Vendido sob a forma de um papelote duro, numerado, metade branco, metade verde. Que era picotado pelo porteiro engravatado na roleta numerada que dava acesso ao interior das instalações. Rapazes e moças, acompanhados de seus pais, costumavam formar fervilhante torvelinho de gente nas horas de chegada e partida dos trens de passageiro. Trens que atendiam por nomes especiais : "Noturno", "Fronteira", "Serra", "Porto Alegre". A gente ficava abanando para as pessoas que partiam naquela "composição" formada por dezenas e dezenas de carros. Puxada por barulhenta e folclórica máquina a vapor, carinhosamente chamada de "Maria Fumaça". Pouco depois substituídas pelas máquinas movidas a diesel e pelos trens húngaros, que tinham até ar condicionado e lanche gratuito. Todo fim-de-ano íamos eu com minha família - pelo trem da "Serra" - curtir férias escolares na cidade de Getúlio Vargas, situada depois de Carazinho e antes de Marcelino Ramos. Íamos no vagão-leito, composto de duas camas beliche, o máximo em conforto para a época. Existiam carros de "Primeira Classe", com poltronas estofadas. E carros de "Segunda Classe", com bancos de madeira, ocupados pelas pessoas mais pobres, gaúchos de bota e bombacha que levavam desde galinhas enfarofadas até gaiolas com seus passarinhos de estimação. Havia o "Carro-Restaurante", onde os mais abastados faziam suas refeições, servidas por garçons de gravata borboleta. Os dois últimos carros dessas composições eram para uso dos funcionários que estavam trabalhando no trem e para uso dos Correios e Telégrafos, já que os malotes de cartas e encomendas eram predominantemente transportados pela Viação Férrea. Meu tio, João Cassal Pizarro, era ferroviário e agente da estação de Getúlio Vargas. Um homem admirável, simpático, gordo, que tinha uma incrível propriedade : falava e se fazia entender com um canário de estimação ! As lágrimas escorrem pelo meu rosto quando me lembro daquele período de ouro dos ferroviários. Dos trens que cortavam as madrugadas da minha infância. E do meu adorável tio que falava com seu cardeal. Tudo – infelizmente – morreu.

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

JUBILEU DE OURO DOS AGRÔNOMOS DA UFSM/1970 - JAMES PIZARRO (Diário, pág. 4, edição 1.12.2020)

Nos primeiros dias de março de 1967 iniciei minha vida docente na UFSM dando aulas para o Curso de Agronomia (então, chamado Faculdade). A disciplina tinha um nome longo : “Zoologia Agrícola : Anatomia e Fisiologia dos Animais Domésticos”. Era ministrada por três docentes. O eng. agr. Armando Adão Ribas dava as aulas de Zoologia Agrícola. O médico-veterinário Flávio Martini dava as aulas de Anatomia dos Animais Domésticos. E eu dava as aulas de Fisiologia dos Animais Domésticos. Eu tinha apenas 25 anos quando comecei na carreira universitária, mas tive a sorte de estar acompanhado pelos experientes professores Martini e Ribas, que sempre me trataram carinhosamente e com muito incentivo. Eu mesmo já tinha muita experiência didática porque já dava aulas nos cursinhos pré-vestibulares desde os 18 anos. Lembro que nessa primeira turma de alunos muitos eram mais velhos que eu. E por ser a minha primeira turma de universitários eu dei o máximo dos meus esforços e dedicação. Fiquei muito amigo de todos, uma turma de mais de 60 alunos que por se formarem quatro anos depois constituíram uma associação chamada AFA-70 (Associação dos Formandos em Agronomia de 1970). No final do curso, para imensa surpresa minha, fui um dos homenageados da turma de formandos, o que muito me emocionou. Contei tudo isso, porque recebi ontem esta carta que peço licença ao leitor para transcrever : “Prezado professor James : Neste ano de 2020 comemoramos o nosso Jubileu de Ouro. Precisamente no dia 9 de dezembro de 1970, dia de grande euforia, 64 jovens sedentos de Agronomia foram coroados com a beca da sabedoria agronômica para impor-se sobre a terra e, com a benemérita ciência, fazê-la produzir e conduzir o único meio de sobrevivência da Natureza : a alimentação humana, animal e vegetal. Nesse dia, as famílias se regozijavam e o senhor, caríssimo professor James Pizarro, estava conosco regozijando-se também pelo mérito de ter contribuído com o seu sábio conhecimento para a formação desses jovens e, em cumprimento da missão de ensinar, entregar ao Brasil e ao mundo, tantos talentos que contribuíram para o engrandecimento da Agronomia. Por essa razão, caro professor Pizarro, queremos congratularmo-nos com sua honrosa presença no dia 11 de dezembro do ano em curso, as 18h00, no Hotel Recanto Business Center, Recanto do Maestro, proximidades de Vale Vênetto, ocasião em que se encontrarão os seus outrora discípulos comemorando o seu Jubileu de Ouro os seus 50 anos de formados. Ansiosamente, aguardamos a sua honrosa presença com certeza de que enriquecerá o nosso tão esperado encontro e, acima de tudo, comoverá a todos os que copiaram o altruísmo e o exemplo de um autêntico profissional como foi o nobre professor. Eng. Agr. CAMILO CERVI (pela Comissão Organizadora do Encontro AFA-70) “ Agradeço aos meus queridos ex-alunos, hoje colegas, por tornarem a lembrar de mim meio século depois. Lembrei de todos e lembrei das aulas enquanto lia a carta. Lembrei do receio que tive antes das primeiras aulas em não estar a altura da missão. Medo que logo se dissipou. Agradeço a Deus por ter tido alunos tão generosos para comigo. Não me envergonho de dizer ao leitor que terminei de ler a carta chorando. Precisava repartir esta emoção contigo. Num país sem memória e num mundo sem gratidão, ser lembrado cinquenta anos depois é uma medalha que prego no meu peito. E que dedico a meus filhos e netos. Glória alta e compreensão entre os homens a todos os meus alunos da AFA – 70 !!!

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

PAULO LAUDA : médico, professor, político, prefeito - James Pizarro (Seção MEMÓRIA, Caderno MIX do DIÁRIO, edição de 28.11.2020)

Foi meu fabuloso professor de Química Orgânica ! Médico, formado na Universidade Federal do Paraná (a primeira Universidade brasileira, fundada em 1912), clinicava em Santa Maria e tinha grande militância política. Foi eleito Prefeito Municipal pela sigla do antigo PTB. Foi posteriormente cassado pela Revolução de Março de 1964, tendo seus direitos políticos suspensos. Foi professor de Dermatologia do Curso de Medicina da UFSM, onde foi - por várias vezes - escolhido paraninfo e homenageado das turmas de formandos, tal a admiração que os alunos nutriam por ele. Fumante inveterado, espantava aos alunos o fato de durante a aula acender um cigarro no outro para, assim, continuar fumando ininterruptamente durante horas. Morreu por isso, vitimado por um brutal enfisema pulmonar. Ela dava sempre aula no último período, que terminava às 12:30h. Muitas vezes ele me ofereceu carona até minha casa, em seu carro DKW vermelho e branco. Tempos depois, durante muitos anos foi presidente do ATC-Avenida Tênis Clube. Na época de verão, depois de assinar a papelada na secretaria do ATC, sentava-se numa mesa ao lado da piscina para tomar seu whisky. Já casado, formado, muitas vezes lhe fiz companhia nessa mesa para papos intermináveis e grandes recordações. Pesquisando os registros da Escola Estadual de 1º Grau Dr. Paulo Devanier Lauda – CIEP encontrei, com data de 14 de setembro de 2011, um belo registro sobre a vida do meu querido amigo e saudoso professor. Dele extrai esse precioso trecho por entender que resume bem a vida do grande mestre, médico e político : “ Foi em 11 de março de 1928, que nasceu o filho de Pedro e Carolina Lauda. O pequeno Paulo Devanier Lauda, que eles nem imaginavam o quem seria no futuro. Bem jovem, aos 18 anos, foi sócio-fundador de um dos órgãos de maior evidência nas políticas estudantis atuais, a União Santamariense dos Estudantes – USE. Três anos mais tarde, mudou-se para o Paraná para cursar Medicina. Sempre foi um líder em todas as atividades em que se propunha, e assim, foi desenhando a sua vida de universitário. Em 1950, tornou-se diretor do Jornal Acadêmico e no ano seguinte consagrou-se presidente do Diretório Acadêmico Nilo Cairo, órgão oficial dos estudantes de Medicina, Farmácia e Odontologia, de quem se tornou porta-voz. Além disso, foi membro do Conselho Universitário da “Granja Universitária”, ainda na Universidade do Paraná. Muito querido pelos colegas, e acadêmico de destaque, em 1954, foi orador da turma com quem se formou médico. O jovem e sonhador Paulo Lauda, voltou para o Rio Grande do Sul e estabeleceu residência em Restinga Seca, onde começou a exercer a medicina. E foi lá também que conheceu sua esposa, a bela Enyldes Dalla Riva. Restinga Seca ainda lembra com saudade, do médico que sempre apoiou seus moradores. Foi diretor do hospital São Francisco, criou o primeiro ginásio, e ainda militou pela emancipação daquele vilarejo, que já era município quando o doutor voltou para Santa Maria com a família. Em 1960, depois de fazer residência em dermatologia com o Dr. Clóvis Bopp, passou a dar aulas para essa cadeira na Universidade Federal de Santa Maria. Pela qualidade do seu trabalho, foi homenageado de honra naquele ano. Em 61, o querido e dedicado médico e professor, foi escolhido paraninfo da 3ª turma de medicina. “ Mas, ainda havia na alma de Paulo Lauda, a paixão pela política, que havia despertado aos 18 anos, quando brigava pelos direitos dos estudantes na USE. E em 1962, ele filiou-se ao PTB, dando início a uma nova fase de sua trajetória. Carisma, competência, dedicação... não poderia dar outro resultado: em 1963, concorrendo contra 7 adversários, Paulo Devanier Lauda é eleito prefeito de Santa Maria, e passa a governar ao lado de seu vice Adelmo Simas Genro. Mas, naquela época, pessoas que eram proativas, costumavam ser consideradas rebeldes, e sofriam duramente as consequências de um regime militar que se sentia ofendido. E seu mandato foi cassado, em 1964, pelo AI-01 – Ato instituicional nº1, e o médico e professor foi impedido de continuar a frente da prefeitura. “ Durante o afastamento político, dedicou-se a seus pacientes e alunos. Foi professor de química do primeiro cursinho pré-vestibular de Santa Maria, o Instituto Master. Lecionou também, no Instituto Riachuelo e no Curso Científico do Colégio Centenário. Neste período, Lauda se envolveu com a fundação da UNIMED, onde foi um dos diretores; participou da FECOMED, e foi conselheiro da AMRIGS onde idealizou o seguro-saúde para médicos. Além disso foi um dos fundadores do Lions Club Itararé. O clube social Avenida Tênis Clube, também lembra com saudades desse grande santamariense. De 1973 a 1981 foi seu presidente, e na sua gestão foi construído o salão de festas, que hoje leva o seu nome. Mas, apesar de tantas atividades, a veia política de Paulo lauda, nunca deixou de pulsar. Mesmo com o mandato cassado, continuou participando das lutas partidárias. Fez parte de associação trabalhista para a fundação do novo PTB, que mais tarde seria o PDT santamariense, e foi eleito o primeiro presidente, estando a frente do partido por 4 anos consecutivos. Fato que o consagrou Presidente de Honra do Diretório Municipal até 1º de março de 1986, quando veio a falecer.” Este é o registro da querida figura do meu saudoso professor. Lembro que fui levar meu convite de formatura para ele em sua casa no bairro Itararé. Ele agradeceu e prometeu comparecer. Na noite de 10 de dezembro de 1966, quando me formei, lá estava ele com a esposa no hall do Cine Glória para me dar um forte abraço.

MANUAL - JAMES PIZARRO (crônica no DIÁRIO, 17.12.2020, pág. 4)

Fazendo uma limpeza nos meus arquivos e gavetas, encontrei este precioso texto com o título de “MANUAL”, de autoria desconhecida, contendo uma série de recomendações. Li, reli e achei tão importante que resolvi socializar seu conteúdo com meus queridos leitores. Na esperança que lhes possa ser útil. Como foi para mim. Vamos lá Saúde: 1. Beba muita água 2. Coma mais o que nasce em árvores e plantas, e menos alimento produzido pelas fábricas; 3. Viva com os 3 E's: Energia, Entusiasmo e Empatia; 4. Arranje tempo para orar; 5. Jogue mais jogos; 6. Leia mais livros do que tem lido; 7. Sente-se em silêncio pelo menos 10 minutos por dia; 8. Durma 8 horas por dia; 9. Faça caminhadas de 20-60 minutos por dia, e enquanto caminha sorria. Personalidade: 11. Não compare a sua vida a dos outros. Ninguém faz ideia de como é a caminhada dos outros; 12. Não tenha pensamentos negativos ou coisas de que não tenha controle; 13. Não se exceda. Mantenha-se nos seus limites; 14. Não se torne demasiadamente sério; 15. Não desperdice a sua energia preciosa em fofocas; 16. Sonhe mais; 17. Inveja é uma perda de tempo. Você tem tudo que necessita.... 18. Esqueça questões do passado. Não lembre seu parceiro dos seus erros do passado. Isso destruirá a sua felicidade presente; 19. A vida é curta demais para odiar alguém. Não odeie. Odiar alguém é como tomar veneno e esperar que o outro morra ! 20. Faça as pazes com o seu passado para não estragar o seu presente; 21. Ninguém comanda a sua felicidade a não ser você; 22. Tenha consciência que a vida é uma escola e que está nela para aprender. Problemas apenas fazem parte; eles aparecem e se desvanecem como uma aula de álgebra, mas as lições que aprende, perduram uma vida inteira; 23. Sorria e gargalhe mais; 24. Não necessite ganhar todas as discussões. Aceite também a discordância; Sociedade: 25. Entre mais em contato com sua família; 26. Dê algo de bom aos outros diariamente; 27. Perdoe a todos por tudo; 28. Passe mais tempo com pessoas acima de 70 anos e abaixo de 6; 29. Tente fazer sorrir pelo menos três pessoas por dia; 30. Não te diz respeito o que os outros pensam de você, é problema deles. 31. O seu trabalho não tomará conta de você quando estiver doente. Os seus amigos o farão. Mantém contato com eles. A Vida: 32. Faça o que é correto; 33. Desfaça-se do que não é útil, bonito ou alegre; 34. DEUS cura tudo; 35. Por muito boa ou má que a situação seja.... Ela mudará... Tudo passa !! 36. Não interessa como se sente, levanta, se arruma e aparece; 37. O melhor ainda está para vir; 38. Quando acordar vivo de manhã, agradeça a DEUS pela graça. 39. Mantenha seu coração sempre feliz. Por último: 40. Envia para aqueles que você ama ou quer bem e que deseja um fim-de-ano maravilhoso!!!

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

JORGE ADAIME

O personagem que relembro com imenso carinho hoje foi amigo dos meus pais e do meu sogros durante mais de meio século, seguramente. Eu mesmo tive o grande prazer de ser amigo pessoal, vizinho e inquilino, quando meus filhos eram pequenos, pois morei cerca de dez anos num apartamento de sua propriedade à rua dos Andradas. Estou me referindo a Jorge Adaime, filho de Elias Adaime e Amaly Bered Adaime, imigrantes libaneses. Uma curiosidade : apesar de terem morado na mesma rua em Beirute, Elias e Amaly – pais de Jorge Adaime - se conheceram apenas em Santa Maria, onde vieram a casar. Além de Jorge Adaime, o casal teve mais três filhos : José, Emil e Linda Adaime, todos já falecidos. Jorge Adaime nasceu eu 12 de março de 1926 e morou muitos anos na rua Silva Jardim, com seus pais e irmãos, onde o pai Elias tinha depósito de bananas. Estudou no colégio São Luis e Marista Santa Maria, onde formou se contador (técnico em contabilidade) pois sempre teve muita facilidade na lida com números. Ainda jovem lecionava matemática financeira em aulas particulares na sua casa, para interessados em prestar concursos. UMA VIDA DEDICADA AO BANCO Foi funcionário graduado no Banco do estado do Rio Grande do Sul, onde era representante de Letras de Câmbio (títulos ao portador) . Isso o fazia transitar por toda a cidade entregando os títulos vendidos e, com isso, conhecendo muitas pessoas e as ruas de Santa Maria como ninguém, à época. Foi um dos fundadores da sociedade Recreativa Banrisul, em Itaara, lugar aprazível que possui uma cascata e hoje serve de espaço de lazer a todos os associados bancários do Banrisul. FAMÍLIA Jorge Adaime casou-se com Lecy Maria Bohrer Adaime em 1954 e teve quatro filhos: Roberto Bohrer Adaime (falecido em 2012) , veterinário do Serviço de Inspeção Federal; Vera Regina Bohrer Adaime, professora de matemática do município de Santa Maria, aposentada; Jorge Adaime Filho, advogado, vinculado à Advogacia Geral da União, prestando serviços na UFSM e Martha Bohrer Adaime, professora do departamento de Química da UFSM, no momento atuando como Pró- Reitora de Graduação. Teve 8 netos, dois quais 5 residem em Santa Maria e os demais fora da cidade, todos profissionais atuando em suas áreas. VIDA COMUNITÁRIA Amante de uma boa leitura, discutia economia e política em todos os espaços que frequentava, além de conhecer muito bem a história de Santa Maria. Apaixonado pelas rodas de conversa com amigos no calçadão Salvador Isaia ou em frente ao Clube Caixeral, onde os assuntos principais eram economia, política e o mercado imobiliário na cidade. Tinha paixão por aquisição de imóveis de baixo valor, os quais reformava e locava ou usava os terrenos para construção de pequenos residenciais. Foi tesoureiro do Internacional de Santa Maria na década de 1950, na gestão do Dr. Sfredo. Exerceu o cargo de Secretário de Finanças do Município de Santa Maria na gestão do prefeito Heitor Campos, de 1952 a 1955. Gostava de viajar à Buenos Aires e Montevideo, mas tinha a prioridade de proporcionar o veraneio da família em Capão da Canoa, todos os anos e eventualmente passeios na serra gaúcha , Porto Alegre e Uruguaiana, para compras em Passo de los Libres. UM HOMEM DE BEM Tive a oportunidade de conviver com todos os membros da família Adaime. Muitas vezes, inclusive, frequentei a casa do Jorge para almoços e aniversários, onde tive o prazer de saborear pratos árabes. A saudosa D. Lecy sempre cumulou de gentilezas minha mulher e meus filhos quando pequeninos. As filhas Martha e Vera Adaime foram alunas de piano da minha sogra Edith Grau Souza, filha do maestro e compositor Oscar Grau. Quando decidi escrever sobre meu amigo Jorge Adaime, patriarca da família toda, falei muito com a Marthinha e ela, entre outra coisas, muito emocionada assim se referiu a seu pai : “ Meu sentimento como filha caçula é de que meu pai era zeloso da família, preocupado com o futuro e escolhas profissionais dos filhos e filhas, extremamente trabalhador e honesto. Se dizia ateu, mas praticava a melhor religião de todas, fazer o bem e estender a mão a quem precisava.” Meu amigo Jorge Adaime, um homem de bem, faleceu em 31 de agosto de 2000, devido a complicações cardíacas que lhe geravam edemas pulmonares sequenciais.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

AS LABAREDAS DA INSÔNIA E NOSSA SENHORA MEDIANEIRA - JAMES PIZARRO (pág. 4 do DIÁRIO, edição de 3.11.2020)

Compreendo quem tem insônia. Relevo quem tem sono agitado. Quem é atormentado por pesadelos, Porque dos meus nove aos treze anos comi o pão que o diabo amassou. Porque sofria de insônia. Noites mal dormidas. Temores noturnos. Quando o sol ia se pondo e a noite se avizinhava, eu já sentia verdadeiro pavor. Meu pai me levou a médicos. Que me perguntavam coisas. Ouvi pediatras dizerem para meu pai que eram distúrbios da pré-adolescência. Que eu era sensível. Um deles disse que eu era "precoce". Lembro como se fosse hoje que eu fiquei estarrecido quando o médico disse isso. Porque eu não conhecia a palavra. Na minha mente agitada imaginei que fosse um tumor, uma moléstia grave. Fiquei tranquilo quando, ao chegar em casa, consultei o único dicionário que existia na época, de autoria do Fernando Fernandes. E fiquei sabendo o que queria dizer "precoce". A medicina não resolveu meus problemas noturnos. Eu continuava a ouvir ruídos. Ouvia gente cochichando. E via coisas. Principalmente fogueiras. Nunca vi pessoas e nem animais. Tudo que eu via era relacionado com fogo. Minha mãe me levou então a centros espíritas. A sessões de umbanda. Tomei passes de descarga. Sessões de descarrego. E toda uma terminologia que eu não entendia direito. Numa sessão dessas o médium receitou "Kola Fosfatada Soel", um medicamento feito de ervas muito popular naqueles tempos. E disse que eu teria de comer muita alface na janta. Também não adiantou nada. Até que minha vó Olina me levou na romaria de Nossa Senhora Medianeira. A primeira romaria das dezenas que eu iria comparecer depois durante toda minha vida. Lembro que fui todo de branco, com enormes asas de anjo. Carregando uma vela de quase um metro de altura. Minha avó me dizia que eu rezasse com fé. Que aquelas vozes, aquelas visões de fogo iriam desaparecer. E que eu jamais iria sentir medo da noite. As vozes realmente sumiram. Nunca mais tive medo. E quando me perguntavam se eu ainda enxergava fogueiras, labaredas, eu mentia. Porque eu continuei a ver aquele fogo durante alguns anos. Eu não queria decepcionar minha avó e nem a santinha. E nem queria que me chamassem de louco. Até que um dia – como num passe de mágica - nunca mais enxerguei nada. E até hoje durmo que nem uma pedra.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

AO SERGINHO SEGALA, COM AFETO - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, página 4, edição de 20.10.2020)

Dia 26 deste mês de outubro, contrariando os prognósticos sombrios e pessimistas de uma conhecida vidente que vaticinou que eu não chegaria aos cinquenta anos, completarei 78 anos. Gostaria de mandar uma fatia de bolo para a tal vidente que fez chegar até mim sua mensagem através de uma aluna, mas a referida me antecedeu na viagem espacial e partiu precocemente. Mas eu queria dizer é que, como idoso, sou leitor assíduo do “Diário Bem-Viver”, caderno especial que nosso jornal publica nas edições de fim-de-semana contendo reportagens e informações sobre saúde. E que são muito úteis e informativos. No último dia 18 comemorou-se o Dia do Médico porque é o Dia de São Lucas, o santo padroeiro da Medicina. E eu não queria deixar de fazer algumas considerações a respeito. Por uma série de razões. Tive muitas centenas de alunos nos cursinhos pré-vestibulares ao longo de mais de quarenta anos de docência que se transformaram médicos, muitos deles atuantes em Santa Maria e alguns meus médicos há anos. Cito, entre muitos deles : Dra. Jane Costa, Dra. Alba Tereza do Prado Veppo Prolla, Dr. Chariff Ddine, Dr. Glauco Alvarez, Dr. José Pedro Lauda, Dr. Reinaldo Ritzel, Dr. Mauro Merten, Dr. Laranjeira, etc Fiz o Ginásio e Científico no MANECO. Minha turma do Científico é de 1962 com vestibular feito em janeiro de 1963. Puxando pela memória, lembro que de nossa turma saíram 11 médicos : Telma Cordeiro D’Ornellas, Oldemar Weber, Luiz Osvaldo Coelho, Dari Pretto, Nelson Segala, Izidoro Lima Garcia, José Amilton Acosta, Luiz Régis Agne Stein, Carlos Horácio Hertz Genro, Flori Machado Sobrinho e Sérgio Segala. Infelizmente, já nos deixaram os amigos Oldemar Weber, Nelson Segala, Izidoro Lima Garcia, José Amilton Acosta e Sérgio Segala. Ao longo dos último meio século mantive contato mais próximo com uns. Mais esporádico com outros. O Luiz Osvaldo é casado com a irmã da minha mulher, foi diretor do Curso de Medicina da UFSM, mas há anos mora em Porto Alegre. O Nelson Segala e o José Amilton davam aula no mesmo prédio do campus que eu (prédio de número 19), o que proporcionava encontros e bate-papos quase diários. O Floria Machado Sobrinho é médico em Brasília, já tentei localiza-lo, deixei recados, mas nunca retornou com notícias. O Carlos Horácio encontro de quando em vez. Com quem eu mais falava era o Serginho Segala. Mas o Serginho morreu a semana passada... Uma das minhas netas há mais de seis anos foi diagnosticada pelo meu querido amigo Dr. Valdir Pereira e sua equipe com Mal de Hodgking, um tipo de câncer linfático. Ela teve de fazer implantação de catéter para a sequência da quimioterapia, perdeu peso, ficou carequinha, etc E continuou seu curso universitário aquele semestre com as dificuldades compreensíveis. Está formada. Não precisou fazer todas as sessões de quimioterapia previstas. O Serginho sempre disse para ela : “Em todas as tuas sessões eu vou ficar contigo porque tu és neta do Pizarro e eu sei o quanto ele te adora....ele foi meu colega e é meu grande amigo...tu vais sair daqui curada”. Anos depois ele a chamou e disse : “Hoje vamos retirar o cateter. Tu estás curada.” Serginho, meu querido : obrigado por ter sido carinhoso e competente com minha neta. Ela chorou muito quando eu disse a ela que morreste. Nossa família vai rezar muito por ti ! Até qualquer dia !

terça-feira, 6 de outubro de 2020

PAULINHO, ATOR E BILHETEIRO - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, pág.4, edição de 6.10.2020)

Convivi no centro da cidade de Santa Maria, por mais de cinquenta anos, com o Paulinho, o meu querido amigo anão bilheteiro, batizado Paulo Neron Rodrigues. Especializado em vender unicamente bilhetes de loteria da Caixa Econômica Federal. Ele me reservava bilhetes sob encomenda, com a centena final do número da casa do meu pai na rua Silva Jardim : 2431. Anos a fio, comprei bilhetes de final 431. Como eu dava aulas no recém-criado Instituto Master que funcionava no Edifício Segala, onde anos depois funcionou a Rádio Guarathan, encontrava o Paulinho diariamente no Café Cristal, para um bate-papo e para o cafezinho e fofocas do dia. Seu Bráulio Araujo Souza, funcionário da Livraria do Globo e que seria meu futuro sogro, participava da conversa. Ele era tesoureiro da Escola de Teatro Leopoldo Froes e muito amigo também do Paulinho, que – afinal – era amigo de toda a cidade. Paulinho era ator amador da Escola de Teatro Leopoldo Froes, criada e dirigida durante toda sua existência pelo teatrólogo e memorialista Edmundo Cardoso, pai do Claudinho Cardoso, figura conhecida e querida de todos nós. Paulinho atuou em várias peças infantis da escola de teatro, ao lado de dezenas de outros conhecidos, como os amigos Horst Oscar Lippold (“Tio Óca”, do SOCEPE) e o Raphael Theodorico da Silva (“Pinha”, falecido em 2015). Assisti a todas as montagens da Leopoldo Froes, especialmente aquelas onde o Paulinho trabalhava (“Pluft, o Fantasminha”, “Maria Minhoca”, etc....), mas lembro em especial e com muito carinho do sucesso da “Dona Patinha Vai Ser Miss”. Tenho bem vivo o carinho que o Paulinho teve para com o Claudinho logo depois do falecimento da saudosa Edna May Cardoso, sua mãe e a demonstração de viva amizade para com seu velho amigo e diretor Edmundo Cardoso. Paulinho morava bem perto do calçadão, à Rua Dr. Pantaleão. E nos finais de tarde, depois de esgotada a venda dos bilhetes e vencida honestamente mais uma jornada de trabalho, Paulinho costumava escutar o noticiário, comer um lanche e tomar uma cerveja num pequeno restaurante que então existia ao lado na Mercado Itaimbé, na Venâncio Aires, a caminho de sua casa. Quando o querido amigo Paulinho faleceu lembrei de uma crônica do festejado teatrólogo e escritor Nelson Rodrigues onde ele afirmava nunca ter visto ou ouvido falar no enterro de um anão. Nelson Rodrigues, vivo fosse, teria ficado surpreso com a quantidade de pessoas, amigos e autoridades no velório do nosso querido Paulinho, tal seu prestigio e sua popularidade. Nesse meu isolamento social que já dura mais de seis meses recomendado pela minha médica por causa da pandemia, uma vez que pertenço ao grupo de risco por causa da idade e sobrepeso, tenho escrito muito sobre a memorialística da cidade. E minha cabeça, durante as madrugadas em que perco o sono, tem sido povoada pelas lembranças de centenas de pessoas queridas com as quais tive a felicidade de conviver. Na última madrugada pensei muito no Paulinho e no bilhete que sempre guardava para mim. Hoje vou pedir para alguém comprar o bilhete da Federal de final 431...

sábado, 3 de outubro de 2020

ARMANDO VALLANDRO E A COOPERATIVA DOS SERVIDORES DA UFSM - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - Caderno MIX - Seção MEMÓRIA - edição 3.10.2020)

Quando casei em 1966 aluguei uma casa à rua Duque de Caxias, a poucos metros da praça da CORSAN e da casa onde residia o meu ex-professor Adelmo Simas Genro. Era um corredor com várias casas. E todas as casas eram de propriedade da dona Guilhermina Arens e seu esposo. Na primeira casa, de alvenaria, morava o filho único da dona Guilhermina, de nome Ernesto Arens, casado com Ruth Lippold, filha do casal Fritz e Elza Lippold, tios da minha esposa. Fiquei muito amigo do Ernesto, que era formado em Administração e professor na UFSM. E que tem relação com a história que passo a contar hoje. Eu trabalhava em três empregos quando casei. E seis meses depois de casado fui contratado como professor da UFSM, já em 1967. Numa conversas casual, o Ernesto Arens me disse : “Funcionários da UFSM ligados aos setor administrativo e da contabilidade outros fundaram uma Cooperativa e tu podes te associar como professor e comprar gêneros, fazer rancho, descontar no salário no final do mês”. Foi assim que fiquei sabendo da existência essa entidade que desempenhou um papel tão importante na vida de tantas pessoas. E quero resgatar parte dessa história para os mais moços da cidade. A CRIAÇÃO A Cooperativa dos Servidores da Universidade Federal foi criada na década de 60 e instalada atrás do “Garajão” em 1967/68. Naquela época aquela zona era quase deserta, com raras construções ligadas à UFSM, pois existiam terrenos baldios na rua 24 horas e nos fundos da Antiga Reitoria, assim como na esquina com a Floriano Peixoto. Para fazer justiça à verdade, devo dizer que a ideia da Cooperativa nasceu na DCO - Divisão de Contabilidade e Orçamento da UFSM, hoje modernamente denominada DCF - Departamento de Contabilidade e Finanças. O grande idealizador foi Hélio Rodrigues da Silva, então Diretor da DCO, e que também revolucionou as iniciativas locais com a ADMINISTRAÇÃO/70, movimento que consolidou o Curso de Administração na UFSM. Outros dirigentes da UFSM que foram importantes devem ser registrados por uma questão de justiça nessa nossa terra tão sem memória : Walter Calil, Vinicius McGinity, Carlos Augusto Cunha, Ney Ramos Penna, Antônio Carlos Arbo, Antônio Carlos Machado, Ayrton Vallandro Marçal, Ernesto Guilherme Arens, Waldyr Pires da Rosa, dentre outros. Conheci todos, muitos dos quais infelizmente já falecidos. Mas desejo fazer uma especial e afetiva referência à enfermeira Ione Rocha Lobato que, enquanto pacientemente aguardava o término das obras do Hospital Universitário, dedicou sua capacidade e parte de seu tempo na consolidação da cooperativa. OS ASSOCIADOS Nos anos 60 a UFSM tinha no seu corpo técnico-administrativo 217 funcionários e 250 docentes. Mas tinha 900 operários de obras que trabalhavam como celetistas da UFSM na execução direta das obras, pois não haviam empresas empreiteiras contratadas. E tinham também os empregados da ASPES - serralheria, pedreira, marcenaria - contingentes de operários que faziam seus suprimentos ou pagando com “bônus”. Esses eram vales os famosos vales” com descontos em folha controlados severamente pelo Moacyr Rocha. A área do armazém da Cooperativa que fornecia secos e molhados, bazar, confecções, açougue e mercearia, estava sempre repleto de consumidores. AUGE DA COOPERATIVA Além do reitor Dr. Mariano, mais quatro outros membros da Administração Superior da UFSM foram essenciais: Hélios Homero Bernardi, Derblay Galvão e Armando Vallandro. Aliás, o Prof. Armando Vallandro foi um operário desta causa e o grande sucesso da cooperativa se deve a ele. Na área financeira deve ser feito um registro especial ao talento de Adelino Ribeiro de Moraes e seus auxiliares mais diretos, dirigentes institucionais tinham autonomia de gestão. Em relação à contabilidade da cooperativa deve ser feito um registro : o meu amigo Rubem Höher desempenhou durante muitos anos, voluntariamente, as funções de Contador da instituição. Até o momento em que os serviços e o movimento da cooperativa se avolumaram tanto que foi necessário profissionalizar a contabilidade, ocasião em que foi contratado o escritório de Luiz Carlos Lang. Também registre-se a participação inestimável de José Pereira Ritzel. Gerenciava a cooperativa o seu Homero, chefiava os caixas a Amábili, supervisionava o açougue e mercearia o Didi e no Escritório trabalhavam o Renato Höher, o Antônio Carlos Flores, o Capitão e o Décio Flores. As cobranças e a conciliação dos bônus e dos descontos em folha era supervisionado pelo controlador da folha de obras, o Bica. O FINAL A cooperativa não teve condições de sobrevivência quando suas relações comerciais foram equiparadas às redes de supermercados, quando o Trevisan abriu mercado na Uglione - Chevrolet ao lado da Reitoria - e as grandes redes nacionais começaram agredir o mercado. Coube, ao professor Vallandro as iniciativas de encerramento. Sem traumas, sem passivo, sem alarde emocional. Apenas uma história encerrada após cumprida com honradez seu propósito. Já era final da década de 1970.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

TRIBUTO DE RESPEITO E GRATIDÃO (Parte III) - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - página 4, edição de 22.9.2020)

Durante todos os anos em que frequentei o Maneco, sempre foi Diretor o Pe. Rômulo Zanchi, Padre Palotino (SAC-Sacerdote do Apostolado Católico). A Secretária da escola era Iolanda Zanini, que depois formou-se em Direito, depois Juíza aposentada no Paraná. Inês Zanini, sua irmã, era Auxiliar de Disciplina, depois funcionária da UFSM. Também eram Auxiliares de Disciplina João Batista Copetti, que formou-se em Educação Física e Antônio Schmitt, que graduou-se em Comunicação Social. Eram funcionários administrativos : Germano Kurle e Osmar Pohl, ambos formados em Direito anos depois. Também devo citar a folclórica figura de João Antonello, Zelador do Maneco e residente na parte térrea do prédio. Juntamente com sua esposa Rosa e filhos, mantinha uma concorrida cantina situada no patamar da escada do térreo para o primeiro andar. Também devo lembrar da banda do Maneco, cuja história está indelevelmente ligada ao nome saudoso ex-aluno Roberto Binato, depois formado médico e professor universitário do Curso de Medicina, no Departamento de Biofísica, onde ministrava aulas juntamente com o Dr. Irion. Mesmo cursando Medicina, continuava sendo o responsável pela banda do Maneco, nas funções de "mestre", uma espécie de maestro que cuidava tanto da coreografia e da disciplina como também dos arranjos musicais e repertório. Era carinhosamente chamado de "Binatão", devido à sua alentada obesidade, pois era um glutão inveterado. Presenciei, mais de uma vez, aquele homem devorar em poucos minutos dois quilos do recém-lançado Sorvete Kibom, uma das suas preferências. Ele casou com uma farmacêutica e, durante anos, trabalharam na zona italiana da Quarta Colônia, transferindo-se para Santa Maria, quando seus filhos vieram fazer o Ensino Médio e frequentar cursinhos pré-vestibulares. Um de seus três filhos, de nome Sílvio (apelido "Dandão"), foi meu aluno e companheiro de jogo de tênis nas quadras do ATC-Avenida Tênis Clube. A banda do Maneco era constituída por uma quantidade incrível de integrantes. Certa época, a banda chegou a desfilar com quase 200 figurantes, fazendo as chamadas "evoluções" durante o desfile. A evolução que mais agradava e que arrancava delirante aplauso do público era copiada da Banda de Fuzileiros Navais, do Rio de Janeiro : a banda desfilava formando uma gigantesca âncora, que ocupava uma quadra inteira de rua. A banda viajava muito por todo o RS, a convite de escolas e prefeituras. Em Santa Maria, era convidada a abrilhantar todo tipo de solenidade. Certa feita, no campo de futebol do Riograndense Futebol Clube, completamente lotado, a banda formou - pela primeira vez - a palavra MANECO, numa evolução que comoveu a pais, alunos, professores, funcionários e público em geral. Em 1958, ano do centenário do município, o então vereador pelo PTB, Alfeu Cassal Pizarro - meu pai e a meu pedido - destinou a quantia de 5000 cruzeiros (moeda da época) para a aquisição de instrumentos para a banda do Maneco (a xerocópia do documento está nos arquivos do Maneco). A banda tinha toda sorte de instrumentos : bumbos, surdos, caixas, taróis, pratos, escaletas, pífaros, trombones, pistons, cornetas, flautas doces, etc Os ensaios eram realizados somente à tarde, depois do término das aulas, no pátio da escola ou pelas ruas da cidade. O Padre Rômulo Zanchi, férreo disciplinador na direção do colégio, exigia que os integrantes da banda apresentassem seus boletins todo mês em seu gabinete. Quem estivesse mal de notas era suspenso da banda. O padre Rômulo dizia : "É uma honra tocar na banda e aluno vadio não veste aquele uniforme para representar o Maneco pelas ruas da cidade ! " Assim é que, nos desfiles da Semana da Pátria ou nos deslumbrantes Jogos da Primavera, quando a banda chegava ao centro da cidade, capitaneando os quase dois mil alunos do Maneco, toda o público sabia que ali naquela corporação musical marchava a elite cultural do colégio, representada por seus melhores alunos. Durante duas ou três noites que antecediam à data do desfile, alunos e alunas voluntariamente faziam bolhas nos dedos cortando papel laminado para fazer "picadinhos" que eram acondicionados em dezenas e dezenas de sacos de estopa. No dia do desfile, estes alunos e seus familiares postavam-se estrategicamente nas sacadas dos edifícios mais altos da avenida Rio Branco e da rua do Acampamento (o Taperinha era um dos preferidos) e, quando o Maneco começava sua esperada apresentação, os céus do centro da cidade eram tomados por aqueles milhares de "picadinhos" laminados que produziam um efeito espetacular refletindo a luz do sol. Torcidas organizadas berravam sem parar :"Maneco ! Maneco !" Aquelas músicas, marchas e dobrados em furiosa harmonia marcial. O Tadeu com seu garbo de mor da banda. As duas graciosas balisas (a Carmem Helon Mariosi era uma delas). Aquela multidão. Aqueles papéis picados. Os foguetes. Os gritos. Os aplausos. A cadência. Aquilo tudo era emocionante ! E eu ali no meio da banda, tocando pifaro, ao lado do Paulo Ari (agrônomo, professor da UFSM, já falecido). E o Alceste Almeida (médico, hoje deputado federal por Roraima). Eu ali...durante vários anos tocando naquela banda. Passando por aquelas emoções que enchiam meu coração adolescente de felicidade e orgulho. Era impossível não chorar.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

A COOPERATIVA DOS FERROVIÁRIOS NOS MEUS TEMPOS DE GURI- JAMES PIZARRO (DIÁRIO -CadernoMIX,19.9.2020)

Nas cercanias do Colégio Estadual Manoel Ribas funcionava a monumental Cooperativa dos Ferroviários da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, com dezenas de prédios dedicados a múltiplos fins. Um grande prédio servia de sede burocrática e também de armazém de "secos e molhados", expressão em voga à época. Ali existia qualquer tipo de alimento imaginável para comprar. Anexo a este grande armazém havia loja de roupas e tecidos, alfaiataria, relojoaria, carvoaria, fábrica de sabão, padaria, lenheira, farmácia, etc Em frente ao prédio do Maneco funcionava um gigantesco açougue, prédio ainda hoje existente e restaurado. Em frente a este prédio, no passado, formava-se longa fila desde a madrugada, principalmente de meninos que, munidos com seus "ganchos" (estruturas de ferro em forma de letra jota) esperavam para levar a carne para casa. Não se usava dinheiro, pois a Cooperativa fornecia, no início de cada mês, uma série de "vales", fichas de papelão azul que correspondiam a uma certa quantia em dinheiro, de acordo com o ordenado do ferroviário. Os meninos entregavam aqueles "vales" para o açougueiro (eram mais de 10 açougueiros atendendo simultaneamente), em troca dos "pesos" solicitados. Chamava-se de "peso" ao tipo de carne solicitada, isto é, filé, costela minga, coxão de fora, coxão de dentro, etc Tinha de haver cuidados no transporte daquele gancho com carne até à casa. Os cachorros corriam atrás, pulando, para roubar a carne. Muito guri tomou surras homéricas por ter deixado o gancho com carne no chão enquanto jogava "bolita" (bola de gude). E a cachorrada levava a carne do penitente. Ou a carne era roubada por outros guris ! Às vezes, mentiam que não tinha chegado a carne. E trocavam os "vales" por outro tipo de compra nos bares e lojas da cidade. Os "vales" tinham inteira credibilidade na comunidade santa-mariense e circulavam livremente no comércio, como se dinheiro fosse. Aliás, os próprios adultos - quando ficavam com pouco dinheiro no fim do mês e tinham "vales" sobrando - trocavam-nos por dinheiro, numa transação chamada popularmente de "touro". Era comum o ferroviário dizer : "Me apertei de dinheiro, vou ter de fazer um touro." Não consegui descobrir até hoje o porquê do uso da expressão "touro". MANECO E FERROVIA É indispensável falar na Ferrovia e na Cooperativa nos dados iniciais sobre a história do Maneco, pois os destinos dessas instituições se entrelaçam. A maioria absoluta dos filhos e netos de ferroviários estudavam no Maneco, assim como filhos de funcionários públicos, classe média e proletariado em geral. Os filhos de famílias mais abastadas e da classe média alta estudavam no Colégio Sant'Anna e Colégio Centenário (as moças) e Colégio Santa Maria (rapazes). Os sapatos todos que usei, até à idade de 14 anos ou 15 anos, foram presentes dos meus avós maternos, vó Olina e vô Fredolino. Sapatos comprados na sapataria da Cooperativa dos Ferroviários. O primeiro relógio que ganhei na vida, de enorme mostrador e pulseira de couro brilhante, foi comprado na relojoaria da Cooperativa : era um típico "cebolão" ! Na época, chamava-se "cebolão" ao relógio que possuia mostrador muito grande. A GARE DA VIAÇÃO FÉRREA A minha ligação com a ferrovia vem do fato do meu avô Fredolino ter sido ferroviário. Era exímio carpinteiro, verdadeiro artista, cujo trabalho, dedicação, assiduidade e pontualidade lhe faziam gozar de enorme prestígio junto aos superiores. Trabalhou mais de 45 anos na ativa, sem nunca ter tirado licença, atestado médico, faltado ao serviço. Vô Fredolino trabalhava no chamado "recinto", que nada mais era do que o imenso espaço existente em frente à gare da Estação da Viação Férrea de Santa Maria. Ali existiam vários departamentos da ferrovia e meu avô exercia suas atividades no chamado "Posto de Visitas", onde se situava a carpintaria geral da "Rede". A Viação Férrea era conhecida em todo o território gaúcho simplesmente por "Rede". Quando os ferroviários entravam em greve, reuniam-se no campo gramado que existia atrás do Maneco, ao lado de um enorme depósito de combustível (chamado de "tonel"), construído para armazenamento de óleo para as primeiras locomotivas a óleo diesel adquiridas e que causavam grande admiração aos habitantes da cidade. Este campo, outrora gramado, passou a ser estacionamento de ônibus de empresas de transporte coletivo. De cima daqueles barrancos os ferroviários faziam comícios, proferiam palavras de ordem e jogavam pedra nos ferroviários que não aderiam ao movimento paredista, então chamados de "furadores" de greve ou "carneiros". Anos depois, nas aulas de Zoologia do próprio Maneco, aprendi que os carneiros e as ovelhas eram animais tão passivos, tão dóceis. que não dão nenhum gemido quando são levados para o abate, ou mesmo quando estão sendo abatidos. Daí a razão óbvia do apelido de "carneiros" que tinham os "fura-greves".Tanto isso é verdade que, nas fazendas e abatedouros do Rio Grande do Sul, quando um carneiro "berra" (o verbo certo seria "balir", mas o povo fala "berrar") na hora do abate, é imediatamente poupado, solto, e jamais molestado ou morto por alguém. Diz a crendice popular que aquele que ousar matar um carneiro que berrou na hora do abate sofrerá toda sorte de desgraças para o resto da vida. AS GREVES Eu sempre fugia de casa e me misturava àquela multidão de ferroviários grevistas. Aquilo me fascinava. Lembro que, certa vez, aquela manifestação foi dispersada por uma tropa de cavalarianos da Brigada Militar. Cerca de 40 homens montados e empunhando espadas reluzentes que serviam para dar estrondosos "planchaços" nas costas dos grevistas, o que os fazia urrar de dor. "Planchaço" é um golpe dado com a parte lateral da espada e que produz enorme mancha arroxeada na pele do golpeado, provocando dor insuportável, edema e faz a coragem desaparecer na mesma hora ! Minha avó usava o termo "planchar" para nomear a ação de passar calças de homem com o ferro de passar roupas municiado de ardentes brasas. Aliás, o ferro de passar roupas usado pela vó Olina está cuidadosamente enfeitando a sala de visitas de minha casa, preciosa relíquia para mim. A Rede desapareceu. Os trens ficaram na memória. Ninguém mais usa ferro com brasa para passar. Os prédios da Cooperativa estão povoados de fantasmas. A gare abandonada. Ouço, às vezes, de madrugada apitos de trem carregando soja. E sinto uma saudade lancinante da vó Olina...

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

OS PÁSSAROS, A CATEDRAL E A PANDEMIA - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, pág.4 edição de 8.9.2020)

Para surpresa dos amigos antigos, tenho revelado uma obediência cega às recomendações médicas quanto à pandemia. E me submetido ao isolamento social preconizado para quem pode faze-lo. Sobretudo, se for do chamado “grupo de risco”. Onde me enquadro, pela idade e pelo sobrepeso. Assim é que, há mais de cinco meses não saio do apartamento. Salvo para fazer a barba de quinze em quinze dias, ainda antes do sol nascer, no Salão Venito. Pagamentos todos com débito em conta. Rancho e compras eventuais minha mulher faz com meu filho. De onde tirei a resiliência necessária para esse exílio ? Longe dos netos, filhos, amigos queridos, conversas no calçadão, cafezinho na lancheria do meu amigo Ildo, mega sena na lotérica da Galeria Roth ? Minha mulher me dá todo suporte possível em casa. Mas me socorro de boa música contínua durante todo dia. Geralmente sintonizo pela ALEXA a rádio NOVA BRASIL FM ou a rádio ANTENA 1, excelentes em música ambiental. Ou quando escrevo, escuto música celta para meditação. Leio muito. Organizo arquivos de fotos, recortes, documentos. Escuto no mínimo dois filmes por dia pela NETFLIX. No final da noite, é sagrada meia hora de meditação e orações antes de dormir. Uso muito a internet. Tenho dois blogs pessoais para alimentar. Participo como moderador, a convite do meu amigo Dr. Norton Soares Gomes, de dois grupos de fotos e vídeos de Santa Maria e Porto Alegre. Converso com muita gente. Faço muitas postagens. Mas para conservar minha saúde mental dentro de limites aceitáveis não entro em controvérsias de modo algum. Assim é que, mesmo provocado, não comento, respondo ou posto nada sobre política, religião e futebol. E quando o vivente invade deseducamente a privacidade da minha “linha do tempo”, no caso do facebook por exemplo, para destilar grosserias ou insistir em pregações que possam agredir a mim ou a terceiros, eu não respondo. Apenas deleto e bloqueio o mesmo. E me sinto sem remorso algum. Porque jamais cometi essa grosseria com os outros. Duas vezes por semana o Wiliam Bernardi, meu competente fisioterapeuta, vem aqui em casa para duas puxadas sessões de uma hora cada para evitar perda de massa muscular, já que não tenho saído para caminhar. Mais exercícios preventivos respiratórios, agachamentos, reflexos etc A fisioterapia, desde que feita por um excelente profissional - como é o caso - opera milagres. Tenho me sentido outra pessoa. Recomendo a amigos da minha faixa etária. Também fico parte do tempo nas janelas do apartamento, pois sou um privilegiado. Moro em frente à casa da família Mariano da Rocha, à rua Venâncio Aires. Vejo o lindo paredão dos morros e sua vegetação. Às vezes com sol brilhando. Outras vezes, coberta de densa cerração. Vejo a cada amanhecer centenas e centenas de garças, aos bandos, que voam na direção oeste-leste (desconfio que vão em direção à barragem do DNOS ou a açudes na zona para lá de Camobi). Acordo com uma sinfonia de passarinhos a cantar. Com o frio eles andavam meio calados. Começaram de novo esta semana, aos poucos, a ensaiar seus lindos e envolventes trinados. Que são hinos de amor à vida em meus ouvidos. E que me enchem de esperança de uma futura primavera cheia de novas notícias. Talvez – quem sabe – até com a chegada da esperada vacina definitiva e comprovada que acabe a pandemia. E que me permita um retorno seguro ao abraço dos netos. Ah...daqui também vejo as torres lindas da nossa Catedral. Onde fui batizado, crismado e me casei. E muito provavelmente onde mandarão rezar a missa pelo meu sétimo dia...

sábado, 5 de setembro de 2020

MINICONTO -James Pizarro (5.9.2020)

Ontem o obsceno orgasmo na orgia originou o óbito do ovário. Orou e, obnubilada, ocultou-se no ostracismo onírico.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

TRIBUTO DE RESPEITO E GRATIDÃO (PARTE II) - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, pág.4, edição de 25.8.2020)

Sempre que escrevo reminiscências sobre o MANECO como tenho feito nos últimos anos – e como fiz na última crônica - não me socorro de nenhum depoimento. E não consulto nenhum documento. Poderia mentir aqui, dizendo que fiz isso para não causar transtorno ou incomodar pessoas. Mas prefiro dizer a verdade. Resolvi, com uma certa onipotência, confiar apenas na minha memória e nas minhas emoções. Porque, se começasse a recolher documentos, juntar xerocópias e ouvir relatos orais, meu texto sofreria influência de terceiros e um certo processo de racionalização. Que é tudo o que não quero. Usando apenas a memória, listei tanto quanto possível, os nomes de todos os meus ex-professores do Maneco e suas respectivas disciplinas. Eles faziam parte do corpo docente do Maneco no período compreendido entre 1954 e 1962, período em que lá cursei o Ensino Fundamental (ex-Ginásio e ex-Primeiro Grau) e o Ensino Médio (ex-Científico e ex-Segundo Grau). Vamos lá, então, primeiramente aos professores com os quais tive aula e que desejo registrar para os futuros pesquisadores da cidade : Albino Seibel (Latim), Edgar Libino Kloeckner (Francês), Zenaide Martinelli de Souza (Francês), Dinarte Iovari Marschall (Português), Nilza Crivellaro Santos (Inglês), Guiomar Loureiro (Espanhol), Maria Antunes Bernardes (Literatura Brasileira), Adelmo Simas Genro (Português e Francês), Cleonice Sada Aita (História Geral), Artheniza Weimann Rocha (História do Brasil), Dina Pfeifer (História das Américas), Gisela Soccal Lang (Geografia), Ivo Lauro Muller Filho (Geografia), Wilson Aita (Desenho), Ênio Trevisan (Desenho), Clóvis D'Ávila Monteiro (Educação Física: Ginástica e Esgrima), Victor Hugo Castro (Educação Física: Ginástica e Judô), Iolanda Beltrame (Desenho), Willy Vondrack (Português), Roberto Pellin (Biologia: Citologia e Genética), Tereza Grassiolli (Biologia : Botânica), Eutherpe Almeida (Biologia : Zoologia), Constantino Reis (Física), Irma Peroni (Física), Raphael "Faeco" Seligman (Física), Paulo Lauda (Química), Miguel "Vica" Sevi Vieiro (Química), Rômulo Aita (Química), Flávio Pâncaro da Silva (Matemática), Eunice Ribas (Matemática), Heleda Diquel Siqueira (Trabalhos Manuais), Olga Fischmann (Química), Iara Dias Ferreira (Latim e Português), Beatriz Weigerht (Latim e Português), Antônio Guimarães (Francês), Romar Pagliarin (Ensino Religioso), Carlos Pretto (Ensino Religioso), Ligia Indruziak (Música), Zuleika Roth Domingues (Biologia : Zoologia), Solange Loureiro (Português), Edy Maia Bertóia (Trabalhos Manuais), Maria Luíza Tchoepke Medeiros (Filosofia), Terezinha Brum Haupt (Física), Norma Sauer (Ciências), Maria Domingas Reis (História do Brasil), Noeli Braga (Latim e Português), Anastacia Musa Naime (Inglês), Lorys Sanábria (Português), Eloísa (Trabalhos Manuais), Lídia (Inglês), Dilma (Desenho) e Fardo (Inglês). Os professores que cito a seguir não foram meus mestres, mas convivi com os mesmos, pois todos lecionavam no Maneco no período em que lá estive (1954/1962). Nos corredores da escola, no barzinho do colégio, nas festividades, de uma maneira ou outra, sempre mantive contato com os mesmos. São os seguintes : Jacob Groismann (Física), Orestes Dalcin (Português), Norma Scherer Cassel (Português), Mário Rodrigues (Matemática), Ruth Farias Larré (Francês), Vilma Assumpção Baron (Francês), Pe. Osvaldo Viegas (Química), Sady Fagundes Ramos (Português), Manoel Vianna (Inglês), Aida Weissheimer (Inglês), Alvino Michellotti (Latim), Lígia Romano (Música), Alberta Sukermann Shmulerg (Inglês), Celanira Torres (Canto Orfeônico), Victor Hugo e Souza (História Geral), Elenir Munari Vogel (Latim), Milton Monteiro (Português), Edelmira Dutra "Dona Dida" (Geografia), Victor "Fontaninha" Fontana (Matemática), Alberto Bortollotto (Português), Antônio Abelin (Geografia), Fernando Ramos (Desenho), José Marques da Rocha (História do Brasil), Ladyr Anchieta (Matemática), Pe. Paulo Fuadi Quédi (Ensino Religioso) e Loreno Côvolo (Ciências). Não era à toa que o MANECO era conhecido, à época, como o “colégio padrão do RS” ! Sou agradecido – do fundo do meu coração – a todos eles !

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

TRIBUTO DE RESPEITO E GRATIDÃO - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, edição de 11.8.2020, pág.4)

Albino Seibel foi meu professor de Latim durante os quatro anos do então chamado Curso Ginasial, depois chamado Primeiro Grau, hoje designado Ensino Fundamental. Os quatro livros de Latim adotados eram o "Ludus Primus", "Ludus Secundus", "Ludus Tertius" e "Ludus Quartus". Contavam a história de uma família romana, onde despontavam as histórias de Cornélia e Lésbia, recheadas de conhecimentos históricos, ensinamentos sobre Gramática, sobre as cinco declinações, milhares de radicais latinos, etc...Era o Prof. Albino uma criatura extremamente bondosa, muito ligado à Igreja Católica, incapaz de uma grosseria. Nos últimos cinco minutos de cada aula costumava abrir um caderno de capa dura, no qual estavam anotadas as suas anedotas preferidas. Ele as contava com uma ingenuidade de santo para uma turma de adolescentes que mais parecia uma horda de bárbaros. Zenaide Lúcia Martinelli de Souza foi minha professora de Francês durante dois meses e minha professora de Literatura Portuguesa durante um semestre. Era esposa do Dr. Denizard Souza, médico psiquiatra, um dos fundadores do Centro Médico Hospitalar e adepto do Espiritismo em Santa Maria. Foi através da Profa. Zenaide que fui apresentado à Eça de Queiróz, Camões, Fernando Pessoa e tantos outros monstros sagrados portugueses. Por incrível que pareça, nós fazíamos análise sintática dissecando os versos de "Os Lusíadas". Atualmente, nossos filhos e netos nem sabem o que é análise sintática. Moramos na América LATINA, falamos português (que é derivado diretamente do Latim)...e deixamos de estudar Latim no colégio ! O aluno não conhece a origem da língua que fala, o esqueleto da própria língua ! Daí a dificuldade de elaborarem uma singela redação de vinte linhas nos exames vestibulares... Guiomar Loureiro com feição indiática - mais lembrava o rosto de uma índia peruana - e um eterno sorriso, era a minha tranquila professora de Lingua Espanhola. Lembro bem do livro-texto que ela indicava : "Manual de Espanhol", de autoria de Hidel Becker. Eu fico cogitando da inteligência das pessoas que exerciam cargos diretivos no sistema educacional gaúcho naquela época ! Principalmente, penso na visão premonitória que tiveram essas pessoas, pois corria a década de 50, 60 e nunca alguém tinha falado em unidade do Cone Sul, em MERCOSUL e coisas do gênero. E o nosso Maneco já oferecia - há 50 anos - estudos de Espanhol para seus alunos. A Arize, filha de Guiomar, foi minha colega de aula durante anos. Formada em Odontologia, casou-se com Flávio Weighert, também dentista e professor universitário. O marido de Guiomar, de apelido "Mico", era sócio - proprietário do Posto Esso, de combustíveis, situado no térreo do edifício de quatro andares que ainda existe bem em frente à Igreja Catedral, na avenida Rio Branco. Atrás desse edifício era a quadra de basquete do famoso Clube Irajá, onde jogavam o ex-Reitor Armando Vallandro (de apelido "Picolé"), o ex-Deputado Federal e Estadual Carlos Renan Kurtz, o médico-psiquiatra Milton Sanchis (de apelido "Mico"),etc...Minha querida professora Guiomar Loureiro faleceu a semana passada. Poderia citar Maria Antunes Bernardes, Edgard Libino Kloeckner, Adelmo Simas Genro, Dinarte Marshall, Nilza Crivellaro Santos, Cleonice Sada Aita, Artheniza Weimann Rocha, Dinah Pfeifer, Gisela Soccal Lang, Ivo Lauro Muller, Wilson Aita, Ênio Trevisan, Iolanda Beltrame, Terezinha Grassiolli, Euterpe Almeida, Constantino Reis, Irma Peroni, Paulo Lauda, Flávio Pâncaro da Silva, Eunice Ribas, Olga Fischmann e mais cerca de 80 nomes de professores que guardo na minha memória. Mas o espaço da crônica não permite citar todos. Nem meu coração suporta tanta saudade. Mas minha gratidão continuará – enquanto for vivo e lúcido – eterna para com todos eles !

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

A INDUMENTÁRIA E SEUS ADEREÇOS : UMA REVISÃO NOSTÁLGICA - James Pizarro (Seção MEMÓRIA, Caderno MIX do DIÁRIO, S. MARIA)

Em se tratando de moda – roupas, modelos, estilos – a gente nunca pode afirmar nada em definitivo. Porque algumas coisas que a gente pensava extintas de repente ressuscitam. Mas venho fazendo um exercício de memória há meses (nos últimos tempos auxiliado por amigos da internet) pesquisando sobre indumentária masculina e feminina que caiu em desuso, adereços, calçados, assuntos afins. É um assunto gostoso, saudosista, que nos traz lembranças afetivas queridas. E nos afasta um pouco dos dias sombrios. E das notícias amargas. Tentei ser didático. Vamos lá. PRIMEIRO, AS DAMAS ! Espartilho. Cinta-liga. Meias de nylon com costura atrás. Ombreiras. Babydol. Chapéu com véu. Blusa de bouclê. Estolas de pele. Saia envelope. Saia plissada. Saia evasé. Saia balonê. Saia Godê Ponche. Saia corte Princesa. Saia de armação. Vestido tubinho. Calça Saint-tropez. Manga estilo morcego. Mini-blusa. Bolerinho. Eslaque. Redingote. Calça boca-de-sino. Calça pata-de-elefante. Pantalonas. Casaco de peles. Fusô. Meias arrastão. Soutien ou corpinho. Cinto de lona. Capa de chuva de nylon. Pochete. Travessa de cabelo. Diadema. Fitas no cabelo. Rolos térmicos. Laquê. Banlon. Helanca. Pintura Henê para cabelo. Touca de cabelo. Véu branco (para moças) e véu negro (para senhoras) para comungarem na missa. Perfumes Charisma, Tabu, Toque de Amor, Madeira do Oriente. Água de Rosas para limpeza da pele. OS CAVALHEIROS ! Suspensórios. Galochas. Polainas. Cuecas samba-canção. Camisa de educação-física sob a camisa social. Lenço no bolso do paletó. Camisa Volta ao Mundo. Colete. Blusa com gola cacharrel. Capa de chuva em gabardine (modelo Sherlock Holmes). Pulôver. Gravata Bat Masterson. Chapéu de feltro. Chapéu Ramenzoni. Pijama com bolso. Abotoaduras. Barbatanas. Alfinetes na gravata. Pregador de gravata. Relógio de bolso com corrente. Calçadeira. Capanga. Piteira. Cigarreira. Fivela com iniciais do nome do dono. Suporte atlético e sunga para proteção íntima paraprática do esporte. Pasta de documentos modelos James Bond. Óculos Rayban de aro fino metálico. Perfume Lancaster. Mães faziam calções de banho dos sacos de açúcar (que eram de algodão) e posteriormente eram tingidos com corantes Guarany. OS CALÇADOS ! Merecem uma menção especial os calçados de antigamente, a começar pelos tamancos, feitos de madeira e tiras de couro cru (quando desgastados demais e perigosos, porque resvalavam, recebiam um reforço de solado de borracha de pneu). Alpargatas com solado de corda. Sandálias franciscanas. Kichute. Conga. Galocha. Vulcabrás (que não terminava nunca). Tênis 7 Vidas. Calçados do tipo plataforma. Calçados Ortopé. Samello. Fox. Clarck. Polar.

terça-feira, 28 de julho de 2020

OBJETO RASTEJANTE NÃO IDENTIFICADO - James Pizarro (DIÁRIO de S. Maria, pág. 4, 28.7.2020)

Ele gostava muito de automóveis Opala. Pois teve quatro ou cinco deles. Eram resistentes. Podiam aguentar seu pouco caso na conservação de máquinas em geral. Era desligado para aparências. Posses. Bens. Modismos. Os amigos sabiam que ele só lavava o carro quando chovia. Botava um calção e corria com balde e sabão para a calçada. Normalmente, era ajudado pela gurizada da rua que adorava aquela brincadeira com aquele vizinho. Era um carro, digamos, ecológico. Talvez seu Opala mais famoso tenha sido um branco de duas portas. Deve ter ficado com ele mais de dez anos. À medida que os anos passavam, o carro ficava mais leve. Pois certas partes do carro que ficavam velhas e caíam – desde que não fossem fundamentais e não afetassem a segurança – jamais foram substituídas ou repostas. Ele só cuidava rigorosamente de duas coisas : dos freios e dos pneus. Jamais trocou o óleo : apenas completava o nível com óleo de maior densidade. Sempre dava carona para seus alunos : uma frente e quatro no banco de trás. Tinha regras e avisava no primeiro dia de aula em Camobi : “os primeiro cinco alunos encostados no carro eu levo e jamais levo uma aluna mulher sozinha de carona porque a cidade tem muito linguarudo”. Os alunos apelidaram o carro de ORNI : Objeto Rastejante Não Identificado. Ele mesmo dizia : “Bah, esqueci do caderno de chamada lá no ORNI”. Como não dava importância ao carro, deixava o mesmo na rua em frente à sua casa. Achava um gasto desnecessário alugar garagem. Certa noite, ao chegar na janela de madrugada, viu que tinha alguém fumando dentro do carro. Desceu até à rua e deu de cara com um mendigo conhecido na rua sentado no banco do motorista, fumando e escutando rádio. O mendigo, assustado e temendo represália, espantado ouviu esta proposta : “Eu te dou licença prá ti dormir todas as noites aqui dentro do carro desde que tu fume fora dele porque eu tenho pavor de cigarro”. Não raro, antes de dormir, o professor deixava um sanduiche, bolachinhas ou alguns trocados para o zelador do ORNI. A borracha de vedação do porta-malas do Opala havia apodrecido e sido arrancada fora. O porta-molas vivia úmido porque chovia dentro. O professor fazia o rancho, as compras, comprava muitos sacos de carvão, pois adorava fazer churrasco. Certa vez, estava uma aglomeração de alunos ao redor do carro, muitos alunos batendo fotos. Tinha ocorrido algo inusitado que virou uma lenda na UFSM e também no cursinho pré-vestibular. No porta-malas tinha germinado uma semente de feijão (certamente de um saco de feijão rasgado do mercado) e o pé de feijão encontrou substrato naquele pó de carvão e umidade. E gloriosamente estava saindo pela abertura do porta-malas onde deveria existir a borracha de vedação. Saiu até no jornalzinho dos estudantes. A esposa do professor de quando em vez pegava carona com ele até o serviço para ficar com o carro. Ele descia do carro e respeitosamente abria a porta do lado do acompanhante para a esposa descer. As alunas adolescentes ficavam maravilhadas com a gentileza daquele professor com sua esposa. Uma delas chegou a lhe dizer um dia : “Quero arrumar um marido assim, profi, gentil que nem o senhor”. O professor, comovido, agradeceu. Mas ficou com vergonha de contar que a porta do carona do seu velho ORNI só abria pelo lado de fora.

terça-feira, 14 de julho de 2020

AQUELA OLHADA POR CIMA DO OMBRO - JAMES PIZARRO (pág.4 do DIÁRIO,edição de 14.7.2020)

Naquele entardecer de 14 de julho de 1966 fazia muito frio em Santa Maria. E chovia muito. Tempo feio para uma data tão importante. Que certamente não era a data nacional da França. Com a tomada da Bastilha. Mas era uma data de outra tomada de posição. Diante dos familiares. Dos amigos. Da vida. E do mundo. Já no altar da Catedral de Santa Maria, ao lado dos padrinhos e testemunhas, o noivo espera. Pela noiva. E pelo monsenhor Érico Ferrari, oficiante do casamento, que pouco tempo depois seria bispo. E naqueles cinco ou dez minutos de espera, pela sua mente inquieta, desfilaram em imagens aceleradas dois anos de namoro e um ano de noivado. Tudo começou com aquela olhada por cima do ombro que ela lhe deu na “Primeira Quadra” – hoje calçadão Salvador Isaia – depois da saída da sessão de cinema no Cine Glória em 23 de janeiro de 1963. O que ensejou que ele lhe telefonasse naquela noite mesmo na cara e na coragem indagando “sutilmente” se a olhada tinha sido para ele mesmo. Depois de um silêncio soturno, a confirmação que iniciou o romance. O namoro iniciou no último dia do vestibular dele. Ele já trabalhava – com 21 anos – como auxiliar administrativo concursado do SAMDU e dava aulas de Biologia no Santa*Anna e cursinho. Todo dinheiro que ganhava era parte empregado no sustento pessoal e parte investido na compra de móveis e demais objetos para montagem de uma casa, o que enchia de espanto os familiares dela. Pois tinha recém começado o namoro e com pouco mais do que 16 anos, ainda fazendo o Curso Normal no Olavo Bilac. Três anos se passaram e o destemido e teimoso moço alugou uma casa e montou toda a estrutura para morar um casal. E passou ele mesmo a morar sozinho nela. Pediu a moça em casamento quatro meses antes mesmo da formatura dele. Os mais velhos da família, de ambos os lados, viam com temor aquela pressa e achavam uma ousadia. Mas nada podiam objetar porque o moço era estudioso, trabalhador e a moça o queria. Ele trabalhou quase meio século como professor universitário. E também em rádio, TV e jornal. Ela é e formada em Educação Física. No dia de hoje ambos estão comemorando 54 anos de casados. Bodas de Níquel. Para quem estuda Química, o níquel é um material de grande ductilidade, que é a capacidade de suportar deformações, fraturas e rompimentos mesmo quando submetidos a cargas. E também tem grande maleabilidade, além de ser resistente à corrosão e à ferrugem. Nada mais simbólico do que o níquel para marcar estas bodas de 54 anos de casamento. Levando-se em conta que a média de duração dos casamentos no Brasil atualmente é de 4,5 anos apenas, segundo dados do IBGE. Há necessidade nas relações a dois de muita resiliência, companheirismo, paciência, capacidade de perdão, maleabilidade e ductibilidade. Daquela olhada por cima do ombro naquela distante noite de 1963 em plena “Primeira Quadra” brotaram hoje três filhos, seis netos, genros, nora. E a certeza cada vez maior de que não existe nada mais importante no mundo do que a família. Eu te amo, Vera Maria ! Parabéns pelo nosso dia !

segunda-feira, 29 de junho de 2020

UM SONHO DE CIDADE - JAMES PIZARRO (30.6.2020 - DIÁRIO de S. Maria, pág. 4)

O coreto da praça Saldanha Marinho com a banda militar tocando dobrados maravilhosos e o povo encantado com as manobras feitas nos pratos pelo sargento Leobaldino, vulgo “Farol”. Enquanto crianças encantadas tentavam falar com as tartarugas do chafariz da praça. Senhoras de cabelos brancos e homens tomando chimarrão calmamente sentados nos bancos bem cuidados. E centenas de pássaros voejando entre as dezenas e dezenas de árvores. Pipoqueiros. Vendedores de carapinha e algodão doce. A subida do perau com estrada imaculadamente limpa. Nenhuma pedra de basalto do calçamento solta. Nada de lixo nas valetas. Colibris sugando com delírio. Vista deslumbrante dos contrafortes da serra. Anunciando a breve chegada nos lindos balneários com seus límpidos açudes. Todos com águas transparentes e potáveis. Ambientes sem mosquito pólvora e sem sanguessugas. Ruas e avenidas da cidade rigorosamente limpas. Trânsito fluindo organizado. Sinaleiras em perfeita sincronia, com “onda verde” tecnicamente planejada. Nenhum ponto de estrangulamento ou perda de tempo para irritabilidade de motoristas e pedestres. Asfalto com marcações perfeitas, faixas de segurança rigorosamente pintadas. Pistas de rolamento feito um veludo. Nada de solavancos. Zero de buracos. Morro do Cechella com um gigantesco monumento de Nossa Senhora Medianeira, mais alto do que o Cristo Redentor. Com luzes que são avistadas até à Quarta Colônia. Com restaurante panorâmico no morro. Capela para realização de missas. Dezenas de lojas para venda de objetos e recordações turísticos. Centenas de turistas visitam o local, pois o morro foi totalmente dotado de toda espécie de equipamentos Posto policial e posto médico no local dão suporte ao turista. Do Morro do Cechella até à estrada que dá acesso a zona da serra, passando por cima da barragem do DNOS, um teleférico deslumbrante que atrai a atenção de todos. Uma grande obra de engenharia, orgulho da cidade e seus habitantes. Que atrai milhares de turistas por ano. Gare da antiga estação da Viação Férrea do RS no final da avenida rio Branco totalmente recuperada. Porque dela parte o “Expresso UFSM”, um comboio de dezenas de vagões de passageiros, carros pintados de azul e branco com o quero-quero da UFSM nas paredes externas, puxado por uma locomotiva Maria Fumaça. Transporta os estudantes da gare até o campus da UFSM, pois da estação de Camobi foi puxado um ramal de dois quilômetros até dentro do campus. Custo zero ou quase zero para os estudantes. Plano de arborização gigantesco para todo o município de Santa Maria prometido, em conjunto, por todos os candidatos a prefeito para as próximas eleições, já que há décadas não se tem notícia de plano e execução REAL e CONTINUADO de árvores no município. Neste momento, quando estou radiante de alegria, sou sacudido por minha mulher que me acorda da soneca depois do almoço para me avisar que o fisioterapeuta chegou. E tenho de fazer meus exercícios de recuperação muscular por causa da pandemia, por estar muito tempo em casa sem caminhar. Eu estava sonhando...

terça-feira, 16 de junho de 2020

ARTHURZINHO, UM AMIGO GIGANTE - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, pág.4, edição de 16.6.2020)

Passamos por tempos estranhos. As pessoas estão nervosas. Fragilizadas. Sensibilidade exacerbada. E há razões de sobra para instabilidade emocional. Desequilíbrio no orçamento doméstico. Falta de reajuste salarial há anos. Milhares de desempregados. Ou medo de perder o emprego que tem. Queda das vendas. Crise financeira. Tudo é motivo para imediato debate eivado de agressividade. E há ainda a pandemia estremecendo os nervos de todos. Dia desses, desci ao subsolo do prédio onde moro pelo elevador de serviço para levar o lixo. Quando entrei, dei “bom dia” a uma senhora que estava já no elevador. Pois sou do tempo antigo, habituado a cumprimentar os outros. Imediatamente, sem me responder o cumprimento, ela lascou raivosa : “- Bom dia só que seja para o senhor, aposentado federal, vida mansa e acomodado”. Na véspera eu tinha feito um procedimento cirúrgico com o talentoso cirurgião e meu querido amigo Dr. Chariff DDine para remoção de um cisto na região inguinal, onde levei nove pontos. Estava ainda com dores. Olhei aquela senhora raivosa e ressentida. E me deu vontade de manda-la para um certo lugar. Mas lembrei dos conselhos da saudosa vó Olina, meu eterno anjo da guarda. E fiquei calado. Fiquei feliz com a minha resiliência. E ainda esperei ela terminar de colocar o seu lixo e fiquei segurando a porta do elevador para ela entrar. Tem de matar o ódio com a delicadeza, a educação e o silêncio. Mas em contraposição a figuras amargas como esta senhora, existem outras. Que fazem a vida valer a pena. E que faço meu personagem dessa crônica de hoje : meu amigo Arthur Neves da Silva. Funcionário do setor administrativo da FIAT há mais de trinta anos eu acho. Carinhosamente, conhecido em toda a cidade por Arthurzinho. Um modelo de simpatia e gentileza. Uma pessoa de relações. Com livre acesso em todos os segmentos da nossa cidade. O Arthurzinho tem uma bem constituída família, esposa enfermeira e duas filhas estudantes. Seu velho pai, meu amigo Severino, com 80 anos, mora com ele. E recebe todos os cuidados que poucos filhos neste país dedicam a um pai idoso, desde as refeições, banho, passeios e todo tipo de vontade. A esposa enfermeira trabalha no Hospital Universitário e também na Prefeitura Municipal, razão pela qual Arthurzinho assume tarefas múltiplas do lar para que a esposa – a quem muito ele admira pela capacidade de trabalho – possa desempenhar bem suas tarefas e ter suas necessárias horas de descanso. O Arthurzinho é meu companheiro de cafezinho na lancheria “Café & Doce”, do meu amigo Ildo, no Calçadão desde que regressei de Florianópolis. Mas não nos encontramos há mais de três meses porque estou em isolamento. Nos falamos pelo facebook diariamente ou pelo telefone. E uma vez por semana sou chamado na portaria do meu prédio porque há sempre uma lembrança ou agrado do Arthurzinho deixado lá. Ele sabe dos meus gostos. Uma semana traz conserva de pimentão. Ou cebolinhas em conserva vindas da Quarta Colônia. Ou rapaduras de amendoim. Ou bolos para “a tia Vera tomar café”. Em contraposição, a gente deixa na portaria pães feito em casa pela Vera Maria para ele levar. Devo uma série de gentilezas outras ao Arthur. De me acompanhar até em casa carregando coisas mais pesadas. Ou me trazendo remédios da farmácia quando está pelo centro. Ou me fazendo indicações de pratos especiais em restaurantes para telentrega. Ou telefonando para bater papo porque sabe que sinto falta de conversa com os amigos. E ele sabe – é da sua essência e da sua alma – ser companheiro e afetuoso com os outros. Numa época em que o mundo parece ser movido apenas por interesses econômicos. Por isso, esse registro público ao meu amigo Arthurzinho !

segunda-feira, 1 de junho de 2020

ENGOLINDO SAPOS NA QUARENTENA - James Pizarro (DIÁRIO de SM, pág.4, edição de 2.6.2020)


Uma das figuras mais pitorescas que o centro de Santa Maria conheceu foi o "Engole-Sapo". Vivia rigorosamente vestido de terno e gravata e com uma imensa corneta de lata nas mãos, precursora certamente dos modernos megafones. Usava também elegante chapéu marrom eu bem me lembro.

Ele era propagandista de lojas, farmácias, circos, bailes – enfim – anunciava qualquer tipo de coisa. Usando a corneta de latão, ele berrava nas esquinas com voz potente, o que lhe valeu um papo no pescoço. Em ocasiões especiais, principalmente nas dependências do Café Cristal, na Primeira Quadra (hoje, Calçadão Salvador Isaia), ele tirava um sapo de um vidro e diante do estupor da platéia, ele engolia o batráquio. Minutos depois ele regurgitava o mesmo, sendo aplaudido com delírio. Com o dinheiro conseguido pelo trabalho que fazia, conseguiu sustentar uma filha, que se formou professora nessa valorosa Santa Maria da Boca do Monte.

Vivo fosse hoje, o “Engole-Sapo” certamente faria furor como conferencista no atual momento pelo qual passa a humanidade. Em particular, os brasileiros. Certamente ele teria preciosas lições a ensinar de como engolir sapos depois de escutar noticiário de televisão, por exemplo.

Mas troquemos para assuntos mais leves...Mega-Sena, por exemplo !

Todo dia que tem sorteio da Mega-Sena eu jogo alguns cartões e um ou dois bolões, por bondade da Tatiane, da Lotérica da Galeria Roth, que me traz os jogos a domicílio já que estou há quase três meses  sem sair de casa.  Estou tentando ganhar para provar uma verdade a respeito da nossa “sincera” sociedade de consumo.

Se eu fosse vencedor e ganhasse toda bolada sozinho, o pessoal que me critica e me chama de "gordo louco" imediatamente passaria a me chamar de fofinho simpático. Ou obeso excêntrico. Ou diriam que nunca tinham reparado na minha simpatia contagiante. Por aí...

Logo ressurgiriam das cinzas, parentes distantes que nunca falaram comigo. Conhecidos que nunca responderam minhas mensagens de facebook. Gente que nunca vi escrevendo cartas melosas pedindo ajuda financeira.

E como tudo é possível, alguma cinquentona com um filho maior de idade, a tiracolo, exigindo um DNA.

Seria a consagração da hipocrisia !



terça-feira, 19 de maio de 2020

SEPULTADORES, NÃO MAIS COVEIROS - James Pizarro (DIÁRIO - pág.4 - 19.05.2020)


Meus amigos mais antigos sabem que – desde os bancos escolares – meu poeta predileto foi o Augusto dos Anjos. Nasceu em 20 de abril de 1884 no município de Cruz do Espírito Santo, Paraíba.
E faleceu em 12 de novembro de 1914 em Leopoldina, Minas Gerais. Já perdi o número de vezes que comprei o seu livro “EU” para dar de presente a amigos. O meu exemplar de  “Eu e outros poemas” está cuidadosamente  guardado, encadernado que foi por um querido amigo padre palotino, exímio nesta arte livreira.

Ouso dizer que treino minha memória, uma das raras capacidades que a Natureza me deu, guardando e decorando os poemas do Augusto dos Anjos. Porque exigem muita concentração. E são repletos de milhares de termos técnicos, geralmente ligados às ciências naturais e biológicas.  Um dos sonetos que adoro atende pelo singelo titulo de “VERSOS A UM COVEIRO” :

Numerar sepulturas e carneiros
Reduzir carnes podres a algarismos
- Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros.

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
dos tábidos carneiros sepulcrais

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números,
A tua conta não acaba mais!

Existe uma publicação brasileira onde estão definidas as “ocupações” referentes a trabalho. E no que tange aos modernamente chamados “SEPULTADORES” (antigamente, chamados coveiros), lá está : “constroem, preparam, limpam, abrem e fecham sepulturas. Realizam sepultamento, exumam e cremam cadáveres, trasladam corpos e despojos, fazem a conservação dos cemitérios, máquinas e ferramentas de trabalho. Zelam pela segurança do cemitério” Na maioria dos cemitérios públicos não existe a carreira ou função pública de sepultador. São auxiliares de serviços gerais ou agentes de construção que  executam essas funções.

E para fazer todas essas atribuições, qual a remuneração média mensal de um sepultador nos cemitérios brasileiros ? Segundo o noticiário  da TV, nos cemitérios de SP ganham ao redor de 1000 reais mensais. Tive a curiosidade de saber a situação em Santa Maria. Liguei para o Cemitério Municipal e me informaram que só quem poderia  dar informações  era a Secretaria de Obras. A moça foi taxativa :”Eu lhe  dou uma informação e depois sobra pra mim”. Confesso que não entendi o receio.

Liguei para a  Secretaria de Obras onde fui gentilmente tratado. Sem mistério algum me passaram o telefone do Sr. Vagner, titular da Secretaria Municipal de Obras e este, em poucos minutos, me retornou a ligação e todos os dados. Em Santa Maria, um sepultador ganha em média 1200 reais que, acrescidos  das demais vantagens, totalizam 1500 reais mensais. Agradeço ao secretário Vagner pela rapidez e educação !

O papa Francisco fez menção na sua homilia da semana passada ao trabalho importante e nem sempre valorizado desta categoria de trabalhadores. Que são praticamente invisíveis na nossa sociedade. E que pretendi lembrar e homenagear no dia de hoje com este registro.

Vivo fosse, o meu querido poeta Augusto dos Anjos, teria de alterar o título do seu soneto para : “Versos a um Sepultador”.

terça-feira, 5 de maio de 2020

DIA DAS MÃES + PANDEMIA = MELANCOLIA - James Pizarro (DIÁRIO de S. Maria, pág. 4, edição de 5.5.2020)

No próximo domingo será comemorado mais um “Dia das Mães”. Talvez uma das datas mais importantes para o comércio, segundos especialista na área. Mas é importante pela oportunidade em si que todos têm de manifestar-se às suas genitoras. Por gestos, palavras, cartas, telefonemas, e-mails e presentes materiais. Querendo demonstrar todo carinho, agradecimento, respeito e veneração por aquela que lhes deu a vida.
Desde a criação deste dia especial os restaurantes ficaram lotados, pois reservas eram feitas com antecedência de muitos dias. Filhos e netos superlotavam rodoviárias e aeroportos viajando para a cidade da sua mãe. Ou aumentando o trânsito nas estradas com o aumento dos carros particulares transportando filhos para homenagear mamães residentes em outras cidades. Muitos filhos e filhas escolhendo este dia para apresentar à mamãe o seu(sua) namorado(a) para receber a aprovação da futura sogra.
Enfim, era assim o mundo e o dia das mães...Até o aparecimento da pandemia do coronavírus-19 !!!
Filhos ficarão afastados das mães com medo do contágio. Seguindo a recomendação dos infectologistas e epidemiologistas. Mensagens serão trocadas por vídeo. Messenger. Whatzap. Telefone. Alguns buzinarão o carro e se verão da rua e abanarão da janela ou da sacada do apartamento. Alguns mandarão entregar flores, se é que elas ainda existem com esta falta de chuvas. Talvez outros mandem entregar um café da manhã.
Aqui em casa, dolorosamente, pela primeira vez não faremos o tradicional almoço em família. Quando os filhos, genros, nora e netos todos se reuniam – vindos de todos os cantos - para homenagear a Vera Maria, a mãe mais dedicada que eu conheço. Almoçaremos só eu e ela. Porque é preciso obedecer à Ciência, à Medicina, à nossa médica. Por que temos amor às nossas vidas. Porque temos respeito pelas vidas dos nossos vizinhos, amigos, colegas, pessoas em geral. E principalmente porque queremos ter a oportunidade de viver mais anos para ver as vitórias de nossos netos. Já suportamos tantas coisas. Vamos suportar mais esta.
Quem tem a sorte fantástica de ainda ter a mãe viva não se queixe que vai almoçar longe dela !
Porque se ela está viva você ainda pode telefonar. Ouvir sua voz querida. Pode vê-la no vídeo do celular ou computador. Abanar para ela. Ver sua face emocionada. E suas lágrimas. Ir com seu carro e abanar para ela lá no terceiro andar do prédio onde aquela figura de cabelos brancos mora. Você pode fazer tudo isso. Você tem sorte.
Porque eu não posso mais fazer isso. Desde 28 de julho de 2016.
O dia triste em que minha mãe morreu.

sábado, 2 de maio de 2020

SOCORRO - James Pizarro (2.5.2020)

Recebo comumente várias ligações diárias de telemarketing, Muitas nem atendo porque reconheço o número olhando a BINA. Outras entidades são mais espertas, como o famigerado BMG, que usa mais de 30 telefones diferentes para te torrar a paciência.
Mas de umas semanas para cá estou intrigado com uma nova chatonilda nessa área. Ela liga de cinco a dez vezes por dia. Voz sensual, melíflua, educada, dá bom dia e pergunta : "Queremos falar com o Rafael".
Já tentei de tudo. Disse que aqui não morava nenhum Rafael. Disse que o Rafael tinha morrido de coronavírus. Mas ela é insistente. E continua ligando. Hoje, às 8h00 da manhã, eu sentado no vaso lendo o jornal e toca o telefone. Saí correndo pelado casa a fora porque sempre imagino que possa ser um filho ou um neto que esteja doente. Era a desgraçada perguntado pelo Rafael. Perdi totalmente a compostura e mandei a cidadã TNC !
Alguém de vocês sabe quem é esse FDP do Rafael ?
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