terça-feira, 29 de janeiro de 2019

A VIDA E A MORTE NAS QUADRAS DE TÊNIS - JAMES PIZARRO (crônica no DIÁRIO de . Maria, página 4, 29.1.2019)


Nos anos 70 aprendi a jogar tênis nas quadras do ATC - Avenida Tênis Clube, de Santa Maria. E durante os anos 80/90, praticamente todos os dias, passava as minhas horas de folga nas dependências do clube, ora fazendo sauna, ora jogando tênis, ora fazendo churrasco, ora jogando bocha. E os familiares juntos.
Na quadra número 1 jogavam somente os tenistas veteranos. Na quadra 2, os "Seniors A". Na quadra 3, os "Seniors B". Nas quadras 4, 5 e 6, os juvenis, as mulheres e os demais tenistas que não disputavam o ranking.

Grande número disputava por puro lazer, entretenimento e pouco estavam se importando para o resultado da partida. Já outros, principalmente entre os veteranos, se concentravam, dormiam cedo, e entravam na quadra como se fossem disputar uma final em Wimblendon. Lembro de dois exemplos : Jarbas Cunha e o médico Heitor Silva, coronel do Exército, apelidado de "Fofo", pois assim o chamava sua esposa.

Lembro – exercitando apenas a memória - de dezenas daqueles queridos amigos, a maioria deles já não mais entre nós, o que enche meu coração de melancolia.

Anterinho Scherer, médico, ex-prefeito de Cacequi, famoso por suas folclóricas histórias. Máximo Knackfuss, professor do Curso de Engenharia da UFSM, que se emburrava facilmente mas cinco minutos depois esquecia do motivo da zanga. Ênio Ferraz, representante de laboratório médico, apelidado de "Nonô", que teve a capacidade aeróbica tirada pelo tabagismo. Alberto Leitão, de pavio curto, principalmente nos jogos de duplas, pois já no primeiro erro do seu companheiro começava a reclamar. Arno Böhrer, era o alvo predileto das brincadeiras do Jarbas Cunha e, ignorando sua avançada idade, jogava várias horas por dia. Abdo Achutti Mothecy, farmacêutico, ex-jogador de basquete, dono de uma loja de aviamentos militares - e também de cortinas - na praça Hector Menna Barreto (ex- praça da República), mais conhecida por "pracinha dos Bombeiros". De origem libanesa, Abdo foi casado com Tereza dos Santos Mothecy, mais conhecida por "Terezinha" ou "Tereca". Lembro que o térreo da loja do amigo Abdo era quase uma extensão do ATC, pois ali se reuniam para tomar cafezinho os veteranos do clube, às vezes atrapalhando as atividades comerciais do dono. O Abdo sempre foi generosamente um pacificador, um aglutinador. Adorava pescarias e histórias antigas da cidade.

Adaí Bonilha, dentista, esposo da também tenista, Dona Olga, que por muitos anos também foi professora de tênis das crianças iniciantes. Álvaro Pfeifer, corretor de imóveis, professor de Matemática, dotado de notável espírito de humor. Arno Werlang, juiz, diretor do forum de Santa Maria, hoje desembargador em Porto Alegre, pai do Gerson Werlang (integrante da banda "Poços e Nuvens" e professor universitário de música). Arlindo Mayer, engenheiro, professor do Centro de Tecnologia da UFSM.  Armando Vallandro, grande jogador de basquete do passado, apelidado de "Picolé", ex-reitor da UFSM. Alnei Prochnow, também professor da UFSM, sempre alegre e disposto a uma brincadeira). Claudio Morais, coronel do Exército. Dalmo Kerling, engenheiro, dono da Construtora Dikrel, que transferiu depois residência para SC. Dalton Kortz, ex-funcionário da Livraria do Globo, vendedor autônomo, hoje pastor metodista, talvez o mais brincalhão de todos.  Darkson Cunha, professor do Centro de Educação Física da UFSM. Evaldo Morais, coronel do Exército, morador da faixa velha de Camobi, gostava de tocar violão e cantar músicas de seresta).

Gerson Morais, funcionário da agência central do Banco do Brasil, à avenida Rio Branco. Heitor Silva, campeão de tênis do Exército Nacional, cheio de estilo até no caminhar, tinha consciência exacerbada de que era um grande atleta. Jorge Merten, médico traumatologista. Carlos Pithan, dentista e professor da UFSM).  Luiz Carlos Lang, dono de um reputado escritório de contabilidade, apreciador de vinhos chilenos. Luiz Carlos Pistóia Oliveira, engenheiro e professor da UFSM. Luiz Carlos Morales, advogado, hoje residindo em São Vicente do Sul. Luciano Rocha, cearense, professor da UFSM, dentista especializado em Odontopediatria. Manoel Argentino Sissy, oriundo de São Borja, de apelido "Fanha", notável contador de casos. Manoel Vianna, dentista, professor da UFSM, também de pavio curto. Paulo Roberto Oliveira, professor de Química da UFSM, ex-jogador de basquete. Simão Sampedro, coronel do Exército, irmão do também tenista, Renan Sampedro, professor de Educação Física da UFSM. Roberto Bisogno, dentista, radialista, professor da UFSM, anos depois presidente do ATC. Roberto Leitão, engenheiro, professor da UFSM). Eng. Lang, dono das piscinas "Golfinhos". Cel. Bins, comandante da Base Aérea de Santa Maria). James Souza Pizarro, meu filho, que foi um talentoso tenista da categoria infanto-juvenil e disputou alguns torneios no RS defendendo o nome do ATC, na companhia de Álvaro Pfeifer, Máximo Knakfuss, Roberto Bisogno e Arnaldo Valty (médico mineiro, oncologista, que trabalhava no Serviço de Cobaltoterapia da UFSM).

Foram anos e anos felizes, com jogos diários, seguidos quase sempre de churrascos. Infelizmente, com o passar dos anos e no "curso natural dos acontecimentos" (como diria meu amigo e colega de rádio, Joel Abílio Pinto dos Santos, já falecido), a morte vai levando os companheiros. Outros se mudam de cidade ou de clube. Outros simplesmente deixam de jogar. Outros, premidos pelas exigências profissionais, se distanciam.

Dia desses, vendo minha netinha Bethânia de 2 anos brincando na piscina do ATC, olhei para os lados e dei falta de todos os meus amigos mortos. Tive de disfarçar rapidamente para que ninguém percebesse que eu estava chorando.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

UM PROFESSOR DISTRAÍDO LANÇA MODA...- JAMES PIZARRO (DIÁRIO DE SM, pág.4 de 15.1.2019)



Depois de ter me aposentado na UFSM nos anos 90 ainda dei aulas numa escola particular durante 7 anos, onde ajudei a instalar o ensino médio até então inexistente naquele educandário.
Foi um período muito feliz por causa do contato com os alunos, as novas amizades (que duram até hoje) e pela experiência que sempre quis fazer : ser professor de Biologia de uma mesma turma durante os 3 anos do ensino médio. Isto é, desenvolver com eles um trabalho metodológico, com bases evolucionistas. E eu mesmo dando todo o conteúdo : Citologia, Genética, Ecologia, Botânica e Zoologia.
Fora da sala de aula eu frequentava o barzinho da escola onde fazia meu lanche com os alunos, deixando meses a fio de comparecer na sala dos professores, o que no final foi mal visto pela direção e por alguns poucos colegas de mente obtusa.
Os alunos me visitavam em casa também para tomar chimarrão e contar suas mágoas, seus problemas com drogas, aborto, namoro, dores de corno e outros assuntos comuns à adolescência. Eu tinha dedicação total para eles, pois amava o que estava fazendo. Eu me dava conta que não estava sendo apenas um vomitador de conteúdo, mas também um educador ! Alguém que procurava “educar a dor” alheia, como pensa certa corrente pedagógica.
Reconheço que exerci influência sobre a cabeça da maioria deles. Muitos foram cursar a universidade em faculdades pertinentes à Biologia e à área médica/paramédica por influência minha. Centenas deles tenho adicionados ao meu Messenger/facebook, através dos quais trocamos ideias e experiências até hoje. Daria um livro rememorar tudo.
Mas o que me veio à mente hoje foi um fato curioso ocorrido em 2002 com uma turma que tinha aula comigo às 7h30. Eu costumava levantar muito cedo e me arrumar no escuro para não acordar minha mulher. Normalmente, antes das 7h00 eu já estava na escola. Quando comecei a minha aula todo mundo começou a cochichar e sorrir. Foi daí que me dei conta que eu estava com um pé de sapato preto e o outro pé de tênis. Dei aula toda a manhã daquele jeito.
Qual não é minha surpresa que no dia seguinte quase todos os 40 alunos da sala compareceram à escola com pés de sapatos e tênis de cores diferentes, o que causou uma algazarra em todo o colégio. Admoestados por uma das coordenadoras, os alunos disseram que eu tinha lançado a moda e eles queriam me acompanhar porque tinham achado excelente a ideia. A gurizada do ensino fundamental já estava se combinando em fazer a mesma coisa.
Fui chamado à direção, que me pediu explicações. Eu disse que não tinha explicações a dar. E que não poderia ser culpado por algo que não fiz intencionalmente. Instado a dizer se eu tinha feito comentário para os alunos diante da balbúrdia eu disse :
"- Fiz comentário, sim. Disse que achava ótima a alegria deles e que se quisessem continuar vindo de sapatos e tênis trocados por mim não teria problema. Eu me interesso é pelo cérebro deles, pela disciplina em aula e não pela moda."
Por episódios como este e por causa de outras coisas "modernas demais" para a escola, alguns meses depois fui demitido. Mas valeu a pena. Foram 7 anos de alegre e salutar convívio com os alunos.
E o que mais me dá orgulho é que no ano em que fui demitido eu era "professor conselheiro" de duas turmas do ensino médio e homenageado dos formandos.
Eu queria ir à formatura com os pés de sapato de cores diferentes.
Mas como minha mulher não deixou, não fui à cerimônia.