sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

UM ANO NOVO, COMO POR MILAGRE - James Pizarro (30/12/2016)

Como por milagre eu vi procissões.
E vultos através da vidraça.
E maçãs maduras caindo do pé.
E um sol que se levanta.
Como por milagre eu senti cheiros antigos.
E revi faces amigas.
E lembrei de rostos mortos.
E aprendi a dizer não.
E aprendi a dizer sim.
Como por milagre eu salvei náufragos.
E eu mesmo - como por milagre - cheguei à praia.
E escutei discussões sem delas participar.
E ouvi queixas.
E fiz queixas.
E se queixaram de mim.
Como por milagre fiz um poema.
E ergui paredes.
E fixei quadros de crianças.
E sonhei com mulheres adormecidas.
Como por milagre - metamorfose inexplicável - fui segunda-feira.
E me transformei em sábado também.
E consegui ser domingo.
Como por milagre busquei - alcancei - o Norte.
E busquei o leste.
E fugi para o Oeste.
E como por milagre não pressenti o sul.
Como por milagre passei por tardes loiras.
E conheci o amor.
E acompanhei cardumes.
E me perdi com eles.
E achei um cavalo-marinho.
E recolhi conchas.
E me transformei em faca.
E anzol.
E rede.
Como por milagre uma sereia falou comigo.
E gaivotas drogadas voavam por sobre meus cabelos.
E estive em terras longínquas.
E ouvi morteiros ao entardecer.
E o napalm queimou minha pele de pecador.
E toquei tambores de guerra.
E como por milagre fumei o cachimbo da paz.
Como por milagre andei por estepes desoladas.
E descampados verdes.
E desci ao fundo das minas.
E naveguei por mansos canais azuis.
Como por milagre alguns dos meus netos aprenderam a ler.
Enquanto outros netos meus entraram na universidade.
E não morri este ano como por milagre.
Assim como - por milagre - um novo ano nascerá.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

2016: DEU PRÁ TI, BAIXO ASTRAL ! - James Pizarro (jornal A RAZÃO, 28/12/2016)



COLUNISTAS

2016: Deu prá ti, baixo astral!



James Pizarro

por James Pizarro em 28/12/2016
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Canal A: em SP dois jovens truculentos, munidos de soco inglês, espancaram até à morte um idoso comerciante no metrô paulista à vista de todos, que nada fizeram para defendê-lo. Seu corpo ficou estirado por mais de hora, agonizando publicamente na noite de Natal numa das maiores cidades do mundo. Motivo: o idoso foi defender um travesti que estava sendo atacado pela dupla de jovens assassinos.
Canal B: o noticiário dá conta do cardápio oferecido como ceia de Natal aos condenados pelos processos do rumoroso caso conhecido por Lava Jato e que estão presos em Curitiba. Boa comida, bem preparada, reforçada por pratos e bebidas trazidos pelos familiares. O que me chamou atenção é que os presos diabéticos receberam alimentação especial, balanceada. Enquanto os diabéticos não infratores, cidadãos comuns e pobres, enfrentam dificuldades para encontrar insulina.
Canal C: longas filas de funcionários públicos cariocas buscando cestas básicas doadas por caridade para poder comer na noite de Natal, uma vez que não receberam os salários atrasados e nem o décimo terceiro. Muitos deles, funcionários idosos aposentados que – nos anos anteriores – doavam cestas básicas aos menos favorecidos.
Canal D: funcionários das fundações gaúchas extintas perdem o emprego e ficam na rua da amargura. Funcionalismo gaúcho continua com salários parcelados e sem receber o décimo terceiro. Entrevistas amarguradas e prantos convulsivos no vídeo. Será que o governador Sartori e os secretários estaduais também recebem seus salários parcelados em 5 ou 6 vezes?
Eu pretendia escrever cheio de esperança esta minha derradeira crônica do ano. Pois, afinal nasceu minha sexta neta, familiares estão bem de saúde, estou resistindo aos 75 anos com a vida razoavelmente organizada. Mas sei que casos pessoais não trazem sabor às crônicas. E depois de zapear pelos diferentes canais de televisão e testemunhar a sinopse noticiosa que narrei acima, fiquei triste.
Claro, num rasgo de procura de otimismo, poderemos achar que pela primeira vez no Brasil poderosos, políticos e ricos estão indo para a cadeia. E que isso foi uma coisa boa que o Papai Moro Noel conseguiu.
Mas é muito pouco diante de tanta injustiça. Perda de poder aquisitivo. Inadimplência. Violência. Número de assassinatos que cresce sem parar. Salários aviltados. Aluguéis atrasados. Telefones tocando sem parar cobrando boletos sem quitação na data certa.
Falo com muita gente durante o dia. Falo com meus amigos no calçadão. Na cafeteria. Na lotérica. Na barbearia. Na portaria do condomínio. Na padaria. Na praça. Tenho uma amostragem muito boa do que diz, pensa, sofre e vive a população santa-mariense.
Não escrevo apenas por ouvir dizer. Ou por pesquisa acadêmica de gabinete. Ou de internet.
Uma coisa é certa: nunca a Fé nos foi tão necessária. Estamos nas mãos de Deus. Que Ele tenha piedade de todos nós em 2017. E ilumine a cabeça doentia das autoridades!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

POR QUE ??? - James Pizarro

Por que o Governador e o Presidente da República, ao invés de demitirem funcionários, fecharem 

fundações, aumentarem alíquotas de descontos do ordenado do funcionalismo (que já ganham mal) 

outras medidas draconianas não tomam, com urgência, no mínimo essas duas medidas : cobrar na 

Justiça os maiores devedores de impostos (sabidamente os ricos) e cortar drasticamente o número 

de CCs (Cargos Comissionados) que ganham verdadeiras fortunas e servem para empregar 

correligionários ??

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

A RESSURREIÇÃO COLORADA - JAMES PIZARRO (jornal A RAZÃO, edição de 15/12/2016)


COLUNISTAS

A ressurreição colorada


James Pizarro

por James Pizarro em 15/12/2016
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Sou colorado desde que me conheço por gente. Tive coleções de flâmulas e de bandeiras. De reportagens e de fotos dos grandes craques. Participei, na adolescência, de campeonatos de futebol de botão junto com colegas do MANECO (Paulo Gilberto Coelho, meu amigo “Paco”, do Banco do Brasil, era um deles). Lembro dos nomes dos jogadores do time : La Paz, Florindo e Oreco; Mossoró, Odorico e Lindoberto; Luizinho, Bodinho, Larry, Jerônimo e Chinezinho.
Conheci o velho estádio dos Eucaliptus. Acompanhei a doação da área de água do Guaíba que o Inter recebeu para que ali pudesse construir seu estádio. Lembro da flauta e da gozação das charges das “bóias cativas”, pois os adversários diziam que iríamos jogar embaixo d’água apenas tendo como espectadores os peixes. Lembro das campanhas de doações de tijolos para construção do estádio. Depois, a grandiosa realização do sonho. Fui a alguns jogos da programação inaugural do Beira-Rio.
Dezenas de vezes viajei a Porto Alegre para assistir jogos memoráveis. Fui testemunha da façanha única até hoje jamais conseguida por outro clube: ser campeão brasileiro invicto.
Assim minha família toda cresceu neste ambiente festivamente colorado. Minha mulher, formada em Educação Física, é torcedora fanática e faz álbum de coleções de figurinhas de futebol comigo e com os netos. Enfim, gostamos demais de futebol. Assinamos canais especiais de TV para que não percamos os jogos de nosso time favorito.
Neste ano de 2016, devido a uma série de fatores – já exaustivamente examinados pela crônica especializada – nosso INTER foi pela primeira vez rebaixado para a Série B, local onde já estiveram valorosos co-irmãos do futebol nacional.
Não sou daqueles que ficam desesperados, que esbravejam, que ficam à beira de um colapso nervoso ou ficam irritados com a corneta dos adversários. Aos 75 anos, encaro a vida como ela é. Fizemos uma péssima campanha e não merecíamos permanecer na Série A. Nosso excelente goleiro Danilo, homem de grande caráter e talentoso jogador, quando indagado sobre a nossa queda, foi lacônico: “Justíssima”.
O número de sócios começou a aumentar. Quem estava atrasado colocou as mensalidades em dia. A Oposição ganhou as eleições com 95 % dos votos. Vamos lamber nossas feridas. Fazer nosso mea-culpa. E ressurgir das cinzas. Caímos apenas a primeira vez. Estamos no Purgatório. Vamos lutar para não cair de novo. Seria ficar no Inferno. Onde outros já estiveram.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

TOLERÂNCIA ZERO - James Pizarro

Hoje,como faço todas as quartas, tive minha sessão de fisioterapia de 50 minutos para recuperar meu joelho direito com menisco medial rompido. Depois da sessão tomo o elevador no sexto andar, cheio de jovens - aparentemente profissionais - discutindo a nova lei da aposentadoria. Acabei de entrar e ouço um dele dizer :

- A culpa é dessa velharada aposentada pesando na Previdência. E nós que somos moços é que temos de pagar esse rombo todo.

Instintivamente, virei para ele e indaguei com a voz mais calma que pude impostar :

- Por acaso, tu nunca deste o cu ?

O elevador chegou ao térreo num silêncio mortal. E eu saí dele com a alma aliviada.

SUCATA HUMANA - jornal A RAZÃO (edição de 7/12/2016)


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Sucata humana


James Pizarro

por James Pizarro em 07/12/2016
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Que os planos de saúde colocam mil obstáculos para fazer contratos com idosos, eu estava cansado de saber. Que eles priorizam contratação de planos com jovens, isso também era sabido. Que cobram mensalidades escorchantes e com período de carência estapafúrdios dos idosos, também é realidade.
Mas uma coisa beira ao sadismo: quando um idoso tem condições e aceita as exigências da “empresa”, paga religiosamente em dia, cumpre o período de carência, mesmo assim quando surge a necessidade de uma cirurgia, por exemplo, certos planos postergam a realização da mesma até que uma reunião de médicos decida pela autorização do procedimento.
Os corretores que vendem os planos de saúde têm ordem expressa de evitar a venda de planos para idosos, o que causa aos mesmos uma situação constrangedora. Mesmo assim, muitos efetuavam estes contratos. Os vendedores normalmente ganham de remuneração a primeira mensalidade do contrato que fazem.
Li nos jornais que, para desestimular a venda do plano para idosos, algumas empresas tomaram a providência nojenta de não pagar nenhuma taxa para o corretor quando o contratante é idoso.
Que país é este que trata seus velhos como sucata? Um idoso agora é tratado como uma laranja que não tem mais suco, que virou bagaço? Virou uma caneta esferográfica que perdeu a carga? Uma lâmpada fluorescente que não brilha mais e começa a tremer? Depois de dar uma vida inteira em prol da construção do país, de educar e formar filhos, de lutar pelo patrimônio da família...ele é tratado assim?
Onde estão os clubes da terceira idade que não vão para as ruas e paralisam o trânsito, berrando com a voz tremida e arfante, pelos seus direitos? Onde estão os políticos asquerosos que só pensam aumentar seus salários e não têm a mínima piedade para com esses homens e mulheres de cabelos brancos que merecem um final de vida digno?
Onde estão os jovens estudantes universitários, as lindas meninas das praias, a meninada que se entope de álcool e tédio nas baladas? Pensam que não vão envelhecer? Onde está este nosso povo de vocação galinácea, que toma no rabo e sai cantando, pedindo desculpas ainda por ter ficado de costas? Onde estão todos? Escondidos atrás de seu comodismo? Protegidos em seus carros blindados? Escondidos em seus apartamentos de cobertura? Vivendo uma vida de faz-de-conta que é vida? Onde estão vocês, seus m*?
*Colaborações assinadas não necessariamente manifestam a opinião do jornal A Razão

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

O MILAGRE - James Pizarro (jornal A RAZÃO, edição de 1/12/2016)



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O milagre



James Pizarro

por James Pizarro em 01/12/2016
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Por milagre eu vi mais uma romaria da Medianeira. Vi vultos através da vidraça. E maçãs maduras caindo do pé. E um sol que se levanta.
Por milagre eu senti cheiros antigos. Revi faces amigas. Lembrei de rostos mortos. Aprendi a dizer não. E aprendi a dizer sim.
Por milagre eu salvei náufragos. Eu mesmo - como por milagre - cheguei à praia. Escutei discussões. Ouvi queixas. Fiz queixas. E se queixaram de mim.
Por milagre fiz um poema. Ergui paredes. Fixei quadros dos netos. Sonhei com mulheres adormecidas. Fui segunda-feira. E me transformei em sábado também. E consegui até ser domingo.
Por milagre busquei - alcancei - o Norte. Busquei o Leste. Fugi para o Oeste.
Por milagre não pressenti o sul. Passei por tardes loiras de sol na praia
Conheci o amor e a paz. Acompanhei cardumes. E me perdi com eles.
E achei um cavalo-marinho. Recolhi conchas. E me transformei em faca. Anzol. E rede.
Por milagre uma sereia falou comigo. Enquanto gaivotas drogadas voavam por sobre meus cabelos.
E estive em terras longínquas.
E ouvi morteiros ao entardecer.
E o napalm queimou minha pele de pecador.
E toquei tambores de guerra.
Por milagre fumei o cachimbo da paz. Andei por estepes desoladas.
E descampados verdes. E desci ao fundo das minas. E naveguei por mansos canais azuis.
Por milagre minha sexta neta nasceu. Outros netos meus entraram na universidade. Revejo velhas faces amigas no calçadão. Conheço novos amigos que colecionam figurinhas de futebol, o que me torna menos só neste ofício.
E não morri este ano como por milagre.
Assim como - por milagre – dentro de poucas semanas, meu querido amigo Jesus vai nascer novamente.
Ele, que é o Autor de todos os milagres !