terça-feira, 20 de junho de 2017

HUMANÓIDES "ONE-WAY" - James Pizarro

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Em Ecologia, "one-way" é uma embalagem sem retorno. Geralmente garrafa ou pote de vidro...o consumidor usa o produto e bota fora a embalagem. As pessoas estão sendo tratadas assim também...você é "amado" (kkkkkkk) enquanto é útil aos interesses do "amigo", da empresa, se tem dinheiro, poder, influência, beleza, se exerce cargos...se perdeu essas coisas, é deletado. É bagaço. Laranja que não tem mais suco. Caneta esferográfica que não tem mais carga. Lâmpada que começou a "piscar". O destino é o lixo do esquecimento. Mas se você ganhar a Mega Sena sozinho, prepare-se que todos os antigos "amigos" tentarão voltar. Até aqueles que desfizeram as amizades no facebook. e os que nunca mais responderam seus e-mails. Ou retornaram seus telefonemas. Terá chegado a doce hora de mandar todos TNC !!!

HOMEM DE DEUS CUMPRE SUA TAREFA NO CALÇADÃO - James Pizarro (DIÁRIO DE SANTA MARIA, 20.06.2017)

O orador ou artista que se apresentar no novíssimo Centro de Eventos da UFSM terá a garantia de uma seleta platéia. Ótima acústica. Excelente aparelhagem. Talentosos técnicos de som. Poltronas confortáveis. Ambiente climatizado. Propício à atividade intelectual. Artística. Cultural.
Assim também será na sala de espetáculos do complexo do Hotel Morotin. E no requintado Teatro 13 de Maio. E na sala de sessões da nossa Câmara de Vereadores. E nas salas de solenidades cívicas dos quartéis. Escolas. E Universidades. Sempre platéias de nível intelectual muito acima da média. Atentas. Educadas. Disciplinadas.
De certa forma, estes ambientes apropriados facilitam o trabalho dos oradores. Professores. Artistas. Políticos. Militares. Palestrantes. Cantores. Declamadores. Conferencistas. Pregadores.
Por que este preâmbulo ?
Porque meu personagem de hoje nunca freqüentou estes ambientes sofisticados. Seu palco é a rua. Sua sala de espetáculos é o Calçadão Salvador isaia !
Estou falando daquele moço moreno claro que diariamente se encontra no calçadão. Em frente à Galeria Roth. Empunhando seu violão afinadíssimo. E que canta durante várias horas por dia. Músicas todas de sua autoria.
Mas a novidade impressionante é que são músicas religiosas. De cunho evangelizador. Composições de métrica perfeita. Melodias lindas. Entoadas com voz potente. Sem uma única nota desafinada. Todas – qual fábula – com uma moral educativa a ser meditada. Refletida por quem ouve.
Na sua frente, um banquinho verde de plástico com uma caixa para coleta de doações dos passantes. Na caixa, um cartaz : “DEUS É FIEL”. Ao lado, duas pilhas dos seus dois CDs já gravados. E que ele vende aos interessados.
Há várias semanas observo o Luiz Roberto. Este e o nome verdadeiro dele. Primeiro ficava em pé. Longe. Escutando atentamente as letras. Com o passar dos dias, me aproximava mais. Comecei a colocar contribuições na caixa. Comprei os dois CDs para ouvir melhor em casa.
Sentei no banco a seu lado na semana passada. E nos intervalos das músicas, eu puxava assunto. Ficamos amigos. Ele me contou que há muitos anos foi dependente químico (e não me pediu segredo, conta isso nas suas palestras nas pregações que faz na igreja de sua devoção e sua fé). E que conseguiu se livrar do vício prometendo consagrar o resto de seus dias em louvar a Deus através do seu talento : a música.
Eu me senti tão pequeno diante da simplicidade daquela confissão e daquela alma ressurgida das cinzas pela bondade de Deus, que chorei em pleno calçadão. Para surpresa de alguns estranhos que passavam. E não entendiam o que estava ocorrendo.
Afinal, eu estava sentado ao lado de um ressucitado ! Que voltou à vida pela graça da conversão !
Um professor universitário que tantas vezes, idiotamente reclamou da qualidade do som nas suas palestras, sentado ao lado de um cantor humilde que tem a suprema coragem de cantar na rua a palavra de Deus ! Quantos teriam este destemor ?
Luiz Roberto é um homem de Deus. Ele merece nosso respeito !

quinta-feira, 8 de junho de 2017

VAMOS TRATAR MELHOR OS MORTOS ENQUANTO AINDA ESTAMOS VIVOS !? - James Pizarro (Diário de Santa Maria, 06.06.217)

Quando rapazote eu tinha certas manias. Talvez preconceitos. Ou quem sabe, medos. De três deles pelo menos lembro bem. Não visitava doentes em hospital.   Não ia a velórios e enterros. Não ia a cemitérios. E para justificar, costumava dizer “quem não é visto não é lembrado”.

Os anos passaram velozmente. A maturidade chegou. Os medos se foram. A solidariedade se tornou um valor fundamental. O acolhimento na hora da dor e da doença passou a ser um imperativo de prática cristã. E o que a gente acaba mais fazendo aos 75 anos é visitar amigos doentes. Frequentar velórios de amigos, vizinhos, parentes e colegas.

Nos últimos anos  passei  pela dolorosa experiência de muitas mortes familiares. Perdi meus pais. Sogros. Avós. Tios. Sobrinhos.  Nos últimos meses tenho perdido dezenas de amigos, colegas, vizinhos, ex-alunos. 

E no silêncio de cada velório, sempre me lembro do poeta Manuel Bandeira. Nas aulas de Literatura do MANECO, a saudosa professora  Mariazinha Antunes Bernardes me ensinou um poema dele, intitulado “CONSOADA” :

“ Quando a indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.”

Foi nesse poema que aprendi o que significa a palavra “caroável” : amável, afetiva, carinhosa. Foi nesse poema que aprendi o significado da expressão “indesejada das gentes”...

Nestas minhas andanças cemiteriais observo coisas do arco da velha. Sujeira por todo canto. Lixo. Macegas. Arbustos altos. Túmulos mal conservados. Galhos de árvores com abelhas e vespas. Indivíduos com atitudes suspeitas andando pelo interior do cemitério. Até cobras já vi (por sorte, não venenosas, que conheço a diferença). Já ocorreram assaltos no interior do cemitério municipal.

A impressão que se tem é que há falta de funcionários. A capacidade física do cemitério municipal, por exemplo, está esgotada. Onde ficaram os planos de verticalização do cemitério ? E a terceirização do mesmo teve ou não interessados ?

Também muito já se falou da construção de capelas no âmbito do próprio cemitério. Seriam evitados os cortejos que atrapalham o trânsito. Guardas municipais fariam a vigilância dos velórios e todos teriam absoluta segurança.


Na legislatura de 1988/91 chegou a ser discutido projeto na Câmara de Vereadores para concessão de licença de construção de um crematório no município de Santa Maria. Mas houve pressões, contestações de toda ordem, incompreensões e o projeto foi derrotado. Mas já se passaram quase 30 anos !!! O mundo evoluiu. Hoje, todo mês assistimos famílias de santa-marienses levarem os corpos de seus entes queridos para cremação em Santa Rosa, Canoas ou outras cidades.  Isso causa transtornos de toda ordem e ainda leva dinheiro de nossa cidade para outras comunidades. Não está na hora de repensar isso ?

CALÇADÃO AGONIZANTE ESPERA SOCORRO QUE NUNCA CHEGA - James Pizarro (Diário de Santa Maria, 23.05.2017)

Testemunhei toda a construção do primeiro  calçadão em cidades brasileiras.  No período 1970/72 residi em Curitiba, quando fiz meu curso de especialização em Ecologia na  Universidade Federal do Paraná, já como docente da UFSM e bolsista da CAPES. 
Acompanhei a titânica luta do então jovem prefeito Jaime Lerner que – contra forte oposição, sobretudo do comércio – no dia 20 de maio de 1972 transformou a rua XV de Novembro no mundialmente  famoso Calçadão de Curitiba ou “Rua das Flores”. Desde aquela época tornei-me adepto dos calçadões.

Lembro com satisfação da instalação do calçadão de Santa Maria, na outrora “Primeira Quadra” durante a gestão do prefeito Osvaldo Nascimento. Das luminárias redondas. Das árvores. Enfim, do projeto original todo.

Passaram-se os anos. Vieram as reformas ao projeto original do calçadão.  Consulto um trabalho intitulado “Equívocos no Planejamento Urbano de Santa Maria”, de autoria dos arquitetos Cássio Lorensini, Larissa Carvalho Trindade, Luiz Guilherme Aita Pippi e Marcos Cartana.  Com a palavra os arquitetos a respeito das reformas :

A reforma, propagandeada amplamente pela Prefeitura, mostrou-se inadequada desde sua inauguração: as poucas árvores ainda existentes foram removidas, causando um aspecto árido e desconfortável; os canteiros elevados foram desenhados com ângulos pontiagudos, dificultando a circulação de pedestres; os materiais empregados no revestimento de piso além de possuírem baixa estética paisagística são inadequados para o grande fluxo e o mobiliário urbano foi disposto de maneira aparentemente aleatória, prejudicando os espaços de convivência e a própria iluminação noturna.”

Aspectos técnicos a parte, como morador e frequentador diário do calçadão, conheço suas mazelas. Suas deficiências. O abandono a que foi relegado nos últimos anos. Converso com seus frequentadores. Os aposentados que fazem fila na lotérica. Os militares reformados. Os cantores de música pop, americana ou evangélica.

Os bancos não estão chumbados, isto é, parafusados ao chão. As pessoas trocam os bancos de lugar. Nos assentos e encostos dos bancos  faltam ripas ou estas estão quebradas. As floreiras são depósitos de milhares de “bitucas” de cigarros e latas de refrigerantes.

Lajotas quebradas não são repostas e, em seu lugar, é colocado cimento tornando o piso irregular. O que deveria ser um local de passeio é uma tortura para idosos que usam bengala, andador ou cadeirantes. O calçadão precisa de guardas permanentes e de um jardineiro fixo. Faltam lixeiras novas.


O calçadão deveria ser nosso cartão postal. Assim como está, é um borrão na paisagem !!!