terça-feira, 22 de setembro de 2020

TRIBUTO DE RESPEITO E GRATIDÃO (Parte III) - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - página 4, edição de 22.9.2020)

Durante todos os anos em que frequentei o Maneco, sempre foi Diretor o Pe. Rômulo Zanchi, Padre Palotino (SAC-Sacerdote do Apostolado Católico). A Secretária da escola era Iolanda Zanini, que depois formou-se em Direito, depois Juíza aposentada no Paraná. Inês Zanini, sua irmã, era Auxiliar de Disciplina, depois funcionária da UFSM. Também eram Auxiliares de Disciplina João Batista Copetti, que formou-se em Educação Física e Antônio Schmitt, que graduou-se em Comunicação Social. Eram funcionários administrativos : Germano Kurle e Osmar Pohl, ambos formados em Direito anos depois. Também devo citar a folclórica figura de João Antonello, Zelador do Maneco e residente na parte térrea do prédio. Juntamente com sua esposa Rosa e filhos, mantinha uma concorrida cantina situada no patamar da escada do térreo para o primeiro andar. Também devo lembrar da banda do Maneco, cuja história está indelevelmente ligada ao nome saudoso ex-aluno Roberto Binato, depois formado médico e professor universitário do Curso de Medicina, no Departamento de Biofísica, onde ministrava aulas juntamente com o Dr. Irion. Mesmo cursando Medicina, continuava sendo o responsável pela banda do Maneco, nas funções de "mestre", uma espécie de maestro que cuidava tanto da coreografia e da disciplina como também dos arranjos musicais e repertório. Era carinhosamente chamado de "Binatão", devido à sua alentada obesidade, pois era um glutão inveterado. Presenciei, mais de uma vez, aquele homem devorar em poucos minutos dois quilos do recém-lançado Sorvete Kibom, uma das suas preferências. Ele casou com uma farmacêutica e, durante anos, trabalharam na zona italiana da Quarta Colônia, transferindo-se para Santa Maria, quando seus filhos vieram fazer o Ensino Médio e frequentar cursinhos pré-vestibulares. Um de seus três filhos, de nome Sílvio (apelido "Dandão"), foi meu aluno e companheiro de jogo de tênis nas quadras do ATC-Avenida Tênis Clube. A banda do Maneco era constituída por uma quantidade incrível de integrantes. Certa época, a banda chegou a desfilar com quase 200 figurantes, fazendo as chamadas "evoluções" durante o desfile. A evolução que mais agradava e que arrancava delirante aplauso do público era copiada da Banda de Fuzileiros Navais, do Rio de Janeiro : a banda desfilava formando uma gigantesca âncora, que ocupava uma quadra inteira de rua. A banda viajava muito por todo o RS, a convite de escolas e prefeituras. Em Santa Maria, era convidada a abrilhantar todo tipo de solenidade. Certa feita, no campo de futebol do Riograndense Futebol Clube, completamente lotado, a banda formou - pela primeira vez - a palavra MANECO, numa evolução que comoveu a pais, alunos, professores, funcionários e público em geral. Em 1958, ano do centenário do município, o então vereador pelo PTB, Alfeu Cassal Pizarro - meu pai e a meu pedido - destinou a quantia de 5000 cruzeiros (moeda da época) para a aquisição de instrumentos para a banda do Maneco (a xerocópia do documento está nos arquivos do Maneco). A banda tinha toda sorte de instrumentos : bumbos, surdos, caixas, taróis, pratos, escaletas, pífaros, trombones, pistons, cornetas, flautas doces, etc Os ensaios eram realizados somente à tarde, depois do término das aulas, no pátio da escola ou pelas ruas da cidade. O Padre Rômulo Zanchi, férreo disciplinador na direção do colégio, exigia que os integrantes da banda apresentassem seus boletins todo mês em seu gabinete. Quem estivesse mal de notas era suspenso da banda. O padre Rômulo dizia : "É uma honra tocar na banda e aluno vadio não veste aquele uniforme para representar o Maneco pelas ruas da cidade ! " Assim é que, nos desfiles da Semana da Pátria ou nos deslumbrantes Jogos da Primavera, quando a banda chegava ao centro da cidade, capitaneando os quase dois mil alunos do Maneco, toda o público sabia que ali naquela corporação musical marchava a elite cultural do colégio, representada por seus melhores alunos. Durante duas ou três noites que antecediam à data do desfile, alunos e alunas voluntariamente faziam bolhas nos dedos cortando papel laminado para fazer "picadinhos" que eram acondicionados em dezenas e dezenas de sacos de estopa. No dia do desfile, estes alunos e seus familiares postavam-se estrategicamente nas sacadas dos edifícios mais altos da avenida Rio Branco e da rua do Acampamento (o Taperinha era um dos preferidos) e, quando o Maneco começava sua esperada apresentação, os céus do centro da cidade eram tomados por aqueles milhares de "picadinhos" laminados que produziam um efeito espetacular refletindo a luz do sol. Torcidas organizadas berravam sem parar :"Maneco ! Maneco !" Aquelas músicas, marchas e dobrados em furiosa harmonia marcial. O Tadeu com seu garbo de mor da banda. As duas graciosas balisas (a Carmem Helon Mariosi era uma delas). Aquela multidão. Aqueles papéis picados. Os foguetes. Os gritos. Os aplausos. A cadência. Aquilo tudo era emocionante ! E eu ali no meio da banda, tocando pifaro, ao lado do Paulo Ari (agrônomo, professor da UFSM, já falecido). E o Alceste Almeida (médico, hoje deputado federal por Roraima). Eu ali...durante vários anos tocando naquela banda. Passando por aquelas emoções que enchiam meu coração adolescente de felicidade e orgulho. Era impossível não chorar.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

A COOPERATIVA DOS FERROVIÁRIOS NOS MEUS TEMPOS DE GURI- JAMES PIZARRO (DIÁRIO -CadernoMIX,19.9.2020)

Nas cercanias do Colégio Estadual Manoel Ribas funcionava a monumental Cooperativa dos Ferroviários da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, com dezenas de prédios dedicados a múltiplos fins. Um grande prédio servia de sede burocrática e também de armazém de "secos e molhados", expressão em voga à época. Ali existia qualquer tipo de alimento imaginável para comprar. Anexo a este grande armazém havia loja de roupas e tecidos, alfaiataria, relojoaria, carvoaria, fábrica de sabão, padaria, lenheira, farmácia, etc Em frente ao prédio do Maneco funcionava um gigantesco açougue, prédio ainda hoje existente e restaurado. Em frente a este prédio, no passado, formava-se longa fila desde a madrugada, principalmente de meninos que, munidos com seus "ganchos" (estruturas de ferro em forma de letra jota) esperavam para levar a carne para casa. Não se usava dinheiro, pois a Cooperativa fornecia, no início de cada mês, uma série de "vales", fichas de papelão azul que correspondiam a uma certa quantia em dinheiro, de acordo com o ordenado do ferroviário. Os meninos entregavam aqueles "vales" para o açougueiro (eram mais de 10 açougueiros atendendo simultaneamente), em troca dos "pesos" solicitados. Chamava-se de "peso" ao tipo de carne solicitada, isto é, filé, costela minga, coxão de fora, coxão de dentro, etc Tinha de haver cuidados no transporte daquele gancho com carne até à casa. Os cachorros corriam atrás, pulando, para roubar a carne. Muito guri tomou surras homéricas por ter deixado o gancho com carne no chão enquanto jogava "bolita" (bola de gude). E a cachorrada levava a carne do penitente. Ou a carne era roubada por outros guris ! Às vezes, mentiam que não tinha chegado a carne. E trocavam os "vales" por outro tipo de compra nos bares e lojas da cidade. Os "vales" tinham inteira credibilidade na comunidade santa-mariense e circulavam livremente no comércio, como se dinheiro fosse. Aliás, os próprios adultos - quando ficavam com pouco dinheiro no fim do mês e tinham "vales" sobrando - trocavam-nos por dinheiro, numa transação chamada popularmente de "touro". Era comum o ferroviário dizer : "Me apertei de dinheiro, vou ter de fazer um touro." Não consegui descobrir até hoje o porquê do uso da expressão "touro". MANECO E FERROVIA É indispensável falar na Ferrovia e na Cooperativa nos dados iniciais sobre a história do Maneco, pois os destinos dessas instituições se entrelaçam. A maioria absoluta dos filhos e netos de ferroviários estudavam no Maneco, assim como filhos de funcionários públicos, classe média e proletariado em geral. Os filhos de famílias mais abastadas e da classe média alta estudavam no Colégio Sant'Anna e Colégio Centenário (as moças) e Colégio Santa Maria (rapazes). Os sapatos todos que usei, até à idade de 14 anos ou 15 anos, foram presentes dos meus avós maternos, vó Olina e vô Fredolino. Sapatos comprados na sapataria da Cooperativa dos Ferroviários. O primeiro relógio que ganhei na vida, de enorme mostrador e pulseira de couro brilhante, foi comprado na relojoaria da Cooperativa : era um típico "cebolão" ! Na época, chamava-se "cebolão" ao relógio que possuia mostrador muito grande. A GARE DA VIAÇÃO FÉRREA A minha ligação com a ferrovia vem do fato do meu avô Fredolino ter sido ferroviário. Era exímio carpinteiro, verdadeiro artista, cujo trabalho, dedicação, assiduidade e pontualidade lhe faziam gozar de enorme prestígio junto aos superiores. Trabalhou mais de 45 anos na ativa, sem nunca ter tirado licença, atestado médico, faltado ao serviço. Vô Fredolino trabalhava no chamado "recinto", que nada mais era do que o imenso espaço existente em frente à gare da Estação da Viação Férrea de Santa Maria. Ali existiam vários departamentos da ferrovia e meu avô exercia suas atividades no chamado "Posto de Visitas", onde se situava a carpintaria geral da "Rede". A Viação Férrea era conhecida em todo o território gaúcho simplesmente por "Rede". Quando os ferroviários entravam em greve, reuniam-se no campo gramado que existia atrás do Maneco, ao lado de um enorme depósito de combustível (chamado de "tonel"), construído para armazenamento de óleo para as primeiras locomotivas a óleo diesel adquiridas e que causavam grande admiração aos habitantes da cidade. Este campo, outrora gramado, passou a ser estacionamento de ônibus de empresas de transporte coletivo. De cima daqueles barrancos os ferroviários faziam comícios, proferiam palavras de ordem e jogavam pedra nos ferroviários que não aderiam ao movimento paredista, então chamados de "furadores" de greve ou "carneiros". Anos depois, nas aulas de Zoologia do próprio Maneco, aprendi que os carneiros e as ovelhas eram animais tão passivos, tão dóceis. que não dão nenhum gemido quando são levados para o abate, ou mesmo quando estão sendo abatidos. Daí a razão óbvia do apelido de "carneiros" que tinham os "fura-greves".Tanto isso é verdade que, nas fazendas e abatedouros do Rio Grande do Sul, quando um carneiro "berra" (o verbo certo seria "balir", mas o povo fala "berrar") na hora do abate, é imediatamente poupado, solto, e jamais molestado ou morto por alguém. Diz a crendice popular que aquele que ousar matar um carneiro que berrou na hora do abate sofrerá toda sorte de desgraças para o resto da vida. AS GREVES Eu sempre fugia de casa e me misturava àquela multidão de ferroviários grevistas. Aquilo me fascinava. Lembro que, certa vez, aquela manifestação foi dispersada por uma tropa de cavalarianos da Brigada Militar. Cerca de 40 homens montados e empunhando espadas reluzentes que serviam para dar estrondosos "planchaços" nas costas dos grevistas, o que os fazia urrar de dor. "Planchaço" é um golpe dado com a parte lateral da espada e que produz enorme mancha arroxeada na pele do golpeado, provocando dor insuportável, edema e faz a coragem desaparecer na mesma hora ! Minha avó usava o termo "planchar" para nomear a ação de passar calças de homem com o ferro de passar roupas municiado de ardentes brasas. Aliás, o ferro de passar roupas usado pela vó Olina está cuidadosamente enfeitando a sala de visitas de minha casa, preciosa relíquia para mim. A Rede desapareceu. Os trens ficaram na memória. Ninguém mais usa ferro com brasa para passar. Os prédios da Cooperativa estão povoados de fantasmas. A gare abandonada. Ouço, às vezes, de madrugada apitos de trem carregando soja. E sinto uma saudade lancinante da vó Olina...

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

OS PÁSSAROS, A CATEDRAL E A PANDEMIA - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, pág.4 edição de 8.9.2020)

Para surpresa dos amigos antigos, tenho revelado uma obediência cega às recomendações médicas quanto à pandemia. E me submetido ao isolamento social preconizado para quem pode faze-lo. Sobretudo, se for do chamado “grupo de risco”. Onde me enquadro, pela idade e pelo sobrepeso. Assim é que, há mais de cinco meses não saio do apartamento. Salvo para fazer a barba de quinze em quinze dias, ainda antes do sol nascer, no Salão Venito. Pagamentos todos com débito em conta. Rancho e compras eventuais minha mulher faz com meu filho. De onde tirei a resiliência necessária para esse exílio ? Longe dos netos, filhos, amigos queridos, conversas no calçadão, cafezinho na lancheria do meu amigo Ildo, mega sena na lotérica da Galeria Roth ? Minha mulher me dá todo suporte possível em casa. Mas me socorro de boa música contínua durante todo dia. Geralmente sintonizo pela ALEXA a rádio NOVA BRASIL FM ou a rádio ANTENA 1, excelentes em música ambiental. Ou quando escrevo, escuto música celta para meditação. Leio muito. Organizo arquivos de fotos, recortes, documentos. Escuto no mínimo dois filmes por dia pela NETFLIX. No final da noite, é sagrada meia hora de meditação e orações antes de dormir. Uso muito a internet. Tenho dois blogs pessoais para alimentar. Participo como moderador, a convite do meu amigo Dr. Norton Soares Gomes, de dois grupos de fotos e vídeos de Santa Maria e Porto Alegre. Converso com muita gente. Faço muitas postagens. Mas para conservar minha saúde mental dentro de limites aceitáveis não entro em controvérsias de modo algum. Assim é que, mesmo provocado, não comento, respondo ou posto nada sobre política, religião e futebol. E quando o vivente invade deseducamente a privacidade da minha “linha do tempo”, no caso do facebook por exemplo, para destilar grosserias ou insistir em pregações que possam agredir a mim ou a terceiros, eu não respondo. Apenas deleto e bloqueio o mesmo. E me sinto sem remorso algum. Porque jamais cometi essa grosseria com os outros. Duas vezes por semana o Wiliam Bernardi, meu competente fisioterapeuta, vem aqui em casa para duas puxadas sessões de uma hora cada para evitar perda de massa muscular, já que não tenho saído para caminhar. Mais exercícios preventivos respiratórios, agachamentos, reflexos etc A fisioterapia, desde que feita por um excelente profissional - como é o caso - opera milagres. Tenho me sentido outra pessoa. Recomendo a amigos da minha faixa etária. Também fico parte do tempo nas janelas do apartamento, pois sou um privilegiado. Moro em frente à casa da família Mariano da Rocha, à rua Venâncio Aires. Vejo o lindo paredão dos morros e sua vegetação. Às vezes com sol brilhando. Outras vezes, coberta de densa cerração. Vejo a cada amanhecer centenas e centenas de garças, aos bandos, que voam na direção oeste-leste (desconfio que vão em direção à barragem do DNOS ou a açudes na zona para lá de Camobi). Acordo com uma sinfonia de passarinhos a cantar. Com o frio eles andavam meio calados. Começaram de novo esta semana, aos poucos, a ensaiar seus lindos e envolventes trinados. Que são hinos de amor à vida em meus ouvidos. E que me enchem de esperança de uma futura primavera cheia de novas notícias. Talvez – quem sabe – até com a chegada da esperada vacina definitiva e comprovada que acabe a pandemia. E que me permita um retorno seguro ao abraço dos netos. Ah...daqui também vejo as torres lindas da nossa Catedral. Onde fui batizado, crismado e me casei. E muito provavelmente onde mandarão rezar a missa pelo meu sétimo dia...

sábado, 5 de setembro de 2020

MINICONTO -James Pizarro (5.9.2020)

Ontem o obsceno orgasmo na orgia originou o óbito do ovário. Orou e, obnubilada, ocultou-se no ostracismo onírico.