segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

CONFIANDO EM DEUS, UMO AOS 80 ANOS - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, 28.12.2021)

Meu pai sempre deixou bem claro que gostava mais do ano novo do que do Natal. Questão de temperamento ou motivos cristalizados na infância, não gostava do Natal. Também não era de frequentar igreja. Minha mãe acompanhava a opinião. Mas a gente tinha a entrega de presentes e os protocolares cumprimentos. Vez por outra, minha irmã puxava uma reza. Muitas vezes, devido ao orçamento apertado, ganhei sapatos, roupas e material escolar ao invés dos presentes que gostaria de receber. Era uma época dura. Meu pai levou anos a fio para construir a casa. E eu não reclamava. Pois entendia o sacrifício. Mas ficava chateado. Minha avó Olina sempre dava presentes do meu agrado. Anos depois, quando comecei a namorar quem viria ser minha mulher, passei a ter uma ideia diferente do Natal. Morava junto na casa dela, a vó Elvira Grau, com mais de 80 anos. Luterana, como Edith, minha sogra, que tocava órgão aos domingos no culto da igreja luterana de Santa Maria, RS, a primeira igreja alemã do Brasil a ter sinos em sua torre. Na noite de Natal, o coral da Igreja Luterana visitava a casa dos idosos da comunidade alemã. E entoava lindas canções em alemão. E faziam orações. Minha sogra partilhava cucas, doces feitos com esmero, habilidosa doceira que era. Eles comiam rapidamente, pois tinham de cantar em muitas casas e a noite era curta. Vera Maria, inspirada na educação dada pela mãe, sempre cuidou muito da festa de Natal em nossa casa. Muitos dias antes da data, ela fazia bolos, doces, cucas. Ficaram famosas as bolachas em forma de estrela com recheio de goiabada, que até hoje ela faz e que tanto sucesso tem no meio de todos. Nossos filhos sempre tiveram pinheirinho, presentes, guirlanda na porta da casa e, quando bem pequenos, até Papai Noel visitava nossa casa. Foram anos felizes. Não fui um pai perfeito. Fui o que eu sabia e podia ser. Mas sempre fui trabalhador. Dava aulas na UFSM. Nos cursinhos. Fazia palestras. Às vezes, falava mais do que 10 horas por dia. As crianças puderam ter sempre alimentação farta. Frequentaram os melhores clubes. Pude lhes dar cursinho pré-vestibular de excelente qualidade. Passaram no vestibular no primeiro exame feito. Entregamos ao mundo uma fonoaudióloga, uma fisioterapeuta e um assistente social. Claro, a virtude da formatura é devida ao talento deles. Certamente, não tivemos ingerência alguma. Se tivessem nascido em outra casa e com outros pais teriam alcançado o mesmo êxito. Tive meus equívocos comportamentais. Quando pai moço. E mesmo como pai já velho. Errei muito. Mas acertei também. Vera Maria terminou o curso de Educação Física depois do nascimento dos três filhos. Foi dureza. Foi diretora de uma das maiores escolas públicas da cidade. Mãe dedicada, usava todo seu salário para comprar roupas e presentes para os filhos. Com meus proventos, eu sustentava a casa. Minha mãe e minha sogra ajudaram na retaguarda da criação dos nossos filhos quando pequenos, porque trabalhávamos. Isso só foi possível porque sempre moramos na mesma cidade. Se não, teríamos mais dificuldades. Fruto de luta, acertos e erros, encontros e desencontros, fizemos a nossa parte. Lembro das palavras da reitora da UFN, ao me cumprimentar na formatura do nosso filho : "Sua família pertence ao fechado clube brasileiro onde o pai, mãe e todos os filhos têm curso superior". Os anos passaram. As dificuldades financeiras maiores passaram. Lutamos duro para isso. Por generosidade de Deus estamos com saúde. Estamos com seis netos. Uma neta formada em Engenharia de Produção, outro se forma em Medicina na próxima semana. Uma neta fazendo Pedagogia e outro fazendo Física. Outro neto entrando no Ensino Médio. E uma netinha de 5 anos na escolinha. Todos encaminhados. E na santa ceia que fizemos recordamos muito dos natais antigos. E nosso tempo de crianças. Quando, tementes a Deus, honrávamos pai e mãe. Sem jamais erguer a voz para eles. Quanto mais criticá-los. Lembramos dos cânticos alemães da vó Elvira. E dos cabelos loiros e olhos azuis da minha sempre amada vó Olina. Época em que a gente era muito feliz. E não sabia. Agradeço a Deus pelo ano que tive e rogo a Ele a caridade que me proporcione um feliz 2022, importante para mim. Quero ter a singela alegria de comemorar meus 80 anos, em outubro, com minha mulher e com todos meus descendentes e agregados.

domingo, 19 de dezembro de 2021

1958 - NO ANO DO CENTENÁRIO, CIDADE TEVE EXPOSIÇÃO DE BALEIA DE 60 TONELADAS - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - Seção MEMÓRIA - ediçãode 18.12.22021)

Toda vez que, longe de nossa cidade, conto o episódio do gaúcho que laçou o avião – fato amplamente noticiado por revistas nacionais e estrangeiras na época – com detalhes, endereços, fotos e nomes dos envolvidos, fui motivo de piada e tive o dissabor de ouvir frases do tipo “esses gaúchos têm cada história”. Até que reuni tudo o que se tinha publicado sobre o tema e publiquei extensa matéria sobre o ocorrido e publiquei em crônica, em blog e nas redes sociais. Uma segunda história que conto e me causa dissabor é quando digo que no ano de 1958, ano do Centenário de Santa Maria, um gigantesca baleia esteve por vários dias exposta à visitação pública na rua Niederauer na quadra existente entre o edifício Taperinha e o Clube Caixeiral. As pessoas duvidam da veracidade da história... Publiquei esta história na Linha do Tempo do meu facebook e recebi quase 300 comentários com as mais diferentes opiniões. Grande número de pessoas da mesma faixa etária minha me apoiando, avalizando o que eu tinha afirmado e confirmando que tinha visitado a tal baleia. Outros diziam que nunca tinham ouvido falar nessa baleia. E outros me gozando, me chamando de mentiroso. Cheguei a printar os comentários para publicar os mesmos junto com os nomes de seus autores nessa página memorialística de hoje. Depois, achei mais elegante não faze-lo. Essa baleia é d espécie JUBARTE e foi capturada nas costas da Espanha. Depois de percorrer vários países da Europa, África e América do Sul, chegou ao porto de Santos, SP. Dali partiu para várias regiões do Brasil para exposições de “entretenimento de caráter científico”, como dizia seu proprietário, um certo sr. J. Maturana. A baleia, chamada de MOBY DICK, tinha 20 metros de comprimento e 60.000 quilos. Era transportada por um caminhão de 18 rodas. Chegou em Santa Maria procedente do município de Alegrete e ficou estacionada no centro de Santa Maria, entre o Caixeiral e o Taperinha. Ao redor do caminhão foi estendida uma lona preta formando uma espécie de muralha e corredor . O espectador pagava entrada e adentrava por um lado, circundava todo o caminhão observando aquele imenso animal e saia pelo outro lado. Havia um forte cheiro de formol, pois o mesmo estava conservado em 7000 litros de formol que lhe haviam sido injetados para prevenção contra a putrefação. O proprietário explicava – lembro bem – que a baleia já estava sendo exposta no caminhão há três anos e que depois de Santa Maria, eles rumariam para expo-la nas cidades de Cachoera do Sul, Pelotas e Rio Grande. Quero fazer um agradecimento público à arquivista Danièle Xavier Calil, diligente e dedicada chefe do Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria que que de maneira rápida e educada me proporcionou acesso às páginas de A RAZÃO de1958, podendo dessa forma provar aos incrédulos que a baleia realmente esteve no centro de Santa Maria. Infelizmente, à época, não haviam as facilidades das máquinas fotográficas portáteis e nem os celulares, de sorte que não consegui registro fotográfico da MOBY DICK.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

A SOLIDÃO E A AMARGURA DUMA PERNA QUEBRADA... - James Pizarro (DIÁRIO - crônica, 14.12.2021)

Raramente escrevo sobre futebol. Mas lembrei hoje da época em que o Figueroa, ídolo colorado, deixou de jogar. O clube trouxe para o lugar do chileno um jogador de nome Salomon. Não me lembro se argentino ou uruguaio. Para tentar apagar a imagem de Figueroa. O chileno Figueroa sabia falar bonito. Juntava direitinho as palavras. Tinha a excelente impostação de voz. Jeito de declamador até. Cabelos ondeados. E cotovelos de ouro. Fazia uma bela figura na televisão. A torcida feminina adorava Figueroa. A alma colorada se encantou com o ele. Além de jogar excepcionalmente bem, era um emotivo. O torcedor colorado tinha um capitão bonito, inteligente, craque. Ele fez história. Fez nome. Foi legenda. E se foi... Para o seu lugar – argentino ou uruguaio ? – a diretoria do Inter trouxe Salomon. Um homem enorme. Braços pendentes, lembro bem. Algo desengonçado. Uma certa fisionomia de cavalo. E – pasme o amigo que me lê - tinha um resplandecente dente de ouro bem na frente. Um belo trabalho odontológico, me disse um amigo gremista com certo sarcasmo disfarçado. Eu diria que ele lembrava a figura do Stallone. Mas a torcida colorada, passional como sempre foi, não simpatiza com Salomon. Ao invés do bonitão Figueroa de cabelos ondeados e sorriso sedutor, a diretoria traz um sujeito de face equina com um dente de ouro ? A torcida não perdoa. A torcida não ama Salomon. A própria imprensa que ajudara no endeusamento de Figueroa tem má vontade com Salomon. E exibem fotos com sua chuteira e seu pé, Um pé de número 50 !!! O coitado do Salomon não consegue se sair bem. Não acerta. Não joga. Pelo menos não joga aquilo que a torcida esperava de alguém que tinha o peito de substituir Figueroa.. E assim Salomon foi ficando. Jogando mal. Até que o Penharol decidiu compra-lo. Chegou a ser inscrito pelo time do país vizinho para disputar o campeonato nacional deles. Afinal, era uma solução boa para todos. Salomon se livrava do Inter. O Inter se livrava de Salomon. Aí veio o jogo de despedida de Salomon, um GRENAL. Jogado numa quinta-feira, segundo minhas anotações. Uma partida que não deveria ter sido jogada por ele. Uma partida mal gerada. Uma partida com poucos torcedores, inclusive. Nem muitos jogadores titulares tinha. Mas Salomon jogou porque queria se despedir da torcida. O Inter venceu. Mas Salomon, diante de poucos torcedores que nem queriam se despedir dele, foi agredido barbaramente por um “colega” de profissão. E fraturou a tíbia e a fíbula. Que naquela época ainda chamavam de perônio. O Salomon-do-Dente-de-Ouro tinha virado agora Salomon-de-Perna-Quebrada. Todos os jornais abriram manchetes para Salomon. Disseram até que ele passaria seis meses engessado. Falaram que iriam amparar financeiramente Salomon, um atleta de 28 anos. Mas depois daquela noite, em duas ou três semanas, ninguém mais falou ou escreveu algo sobre Salomon. Nem se sabe se o Penharol o contratou com a perna quebrada. Ou mesmo se ele voltou a jogar futebol. Porque na desgraça as pessoas têm memória curta. O que certamente ficou de tudo foi a um atleta com sua perna mais fina. Aposentado do seu trabalho pela deslealdade de um colega. Com sua amargura. E com sua solidão.