segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

UMA SENSAÇÃO INSÓLITA NO CENTRO DA CIDADE - James Pizarro (DIÁRIO, edição de 23.02.2021)

Depois de mais de um ano de total isolamento social por causa da pandemia, atrevo-me aos sábados a dar uma rápida saída. Sempre com três finalidades. Fazer a barba no Salão Venito. Ir à Lotérica Zebrão na Galeria Roth fazer a minha fezinha na megasena com a Tatiana. E tomar meu cafezinho moído na hora na lancheria Café & Doce com meu amigo Ildo Bastianelo. Mas movido pela curiosidade sobre o movimento da vacinação e aconselhado pelo meu fisioterapeuta a dar uma esticada nas canelas sempre que possível, fui até à praça Saldanha Marinho. E naquela volteada pela praça, entre tantas coisas, me veio à mente a figura do maestro Linhares quando fiquei parado em frente ao coreto abandonado. Conhecido pelo garbo com que regia a banda do então chamado Regimento Gomes Carneiro, o militar Adão José Linhares foi responsável durante anos a fio pelas famosas retretas no hoje coreto atirado às traças na nossa praça central. As retretas sempre fizeram parte da história das tardes santa-marienses, quando ali juntava-se uma imensa e ordeira assistência. Agora que a cidade têm maior número de bandas musicais em suas corporações militares, há muitos anos as retretas acabaram. Enquanto tomava sozinho meu cafezinho, fiquei lembrando dos tipos populares de Santa Maria, além do já citado maestro Linhares. E puxei pela memória como treino para afastar o Alzheimer... Tio Santo, Fanha, Tivico, Fanático, Caçapa, Caçapinha, Hugo da Flauta, Quinquinha, João dos Autos, Batista, Crocante, Farol, Maria-sem-Queixo, Mudinho da Catedral, Paulinho Bilheteiro, Claudinho, Índio Tabajara, Boaventura, Engole-sapo, Antoninho-faz-tudo, Bentinho, Velho da carapinha, Fogo Torcida, Seu João do Sorvete, Banha, Bibelô, Padre das Cabras, Moranga, Lanterninha Aurélio, Nestor dos Cavalinhos, Saldanha Jornaleiro, Seu Elias do Armazém, Negra Rosa, Galo Rouco, Sete Calças, Vando, Tomate, Seu Fritz da Chácara do Amor, Alemão das balas de Ovo, Antonello do Bar do Maneco, Homem do Sabão Cruzeiro, Seu Rios da Feira, Goiabão, Magro Falado, Laureci do Turfe, Américo, Vaca, Tim, Amiguinho (dos rolos de filme), Mudinha, Combate, Santinho, etc... Saí do cafezinho e passei pelo calçadão em obras. Depois de anos sem ter ido à praça. Vi as pessoas de máscara. Muitas sem máscara. Lembrei que há muitos anos a gente passeava nas ruas e de minuto a minuto se cumprimentava os amigos. Todos os rostos eram conhecidos. Todos davam sorrisos e abanavam. Apertavam-se as mãos. A gentileza era lugar comum. Agora, a pressa. A impessoalidade. Os passantes anônimos. Os rostos desviados. Mascarados. O medo (compreensível) do contágio. O silêncio. Parece que a cidade não é mais da gente. A que ponto chegamos nesse planetinha azul !

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

"TIO BINÍCIO", UM VEREADOR LIGADO ÀS CAUSAS DO CAMPO - James Pizarro (DIÁRIO - Página MEMÓRIA, Caderno MIX,13.02.2021)

Conheci Binício Fernandes da Silva em 1988, quando eu e ele – por partidos diferentes – fomos eleitos vereadores em Santa Maria para a legislatura 1989/1992. Como a posse era em janeiro de 1989, no mês de dezembro de 1988, foi realizada uma reunião entre os vereadores para as explicações de praxe, detalhes do cerimonial, sorteio para ocupação dos gabinetes, distribuição de Regimento Interno e Lei Orgânica e outras providências. Os vereadores reeleitos disseram que queriam ficar nos gabinetes que estavam ocupando, e que o sorteio deveria ser feito apenas entre os novos vereadores. Os novos, ainda tímidos, não protestaram (pelo menos publicamente). Resmunguei para o vereador que estava sentado ao meu lado: “Mas isso é uma baita marmelada”. O vereador, a quem passei a chamar com o tempo de “Tio Binício”, me disse baixinho: “Eu acho que o certo era todo mundo entrar no sorteio, mas não vale a pena criar caso, vamos engolir essa.” Ouvi o sábio conselho dele e evitei um primeiro atrito. E no sorteio nossos gabinetes ficaram vizinhos. Outra grande coincidência: ele morava na mesma rua que eu, a Gomes Carneiro, bairro Menino Jesus, a menos de cem metros da minha casa e não nos conhecíamos! Nascia ali uma grande amizade, apesar de adversários políticos. Binício sempre foi ligado às causas rurais, à vida campesina, originário do distrito de Pains. Casado com a Olga, teve quatro filhos: Renato, Luiz Carlos, Vera e Dirce. O assessor de gabinete do Binício tinha sido meu aluno do cursinho pré-vestibular e é um grande amigo, talentoso advogado, Jânio Antônio Farias Rossi. Durante os quatro anos da vereança, eu e o tio Binício tomávamos chimarrão, ora no gabinete dele, ora no meu, para discutirmos problemas dos projetos-de-lei e das comissões da casa, assim como para pedir informações sobre temas que a gente não conhecia bem. Enfim, era uma amizade séria e fecunda. CAUSA RURAL No final da década de 1950 e início dos anos 1960, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (Sitrusma) foi constituído juridicamente, a classe dos trabalhadores rurais passa a ser amparada com muitas conquistas graças ao trabalho do “Tio Binício” que presidiu o sindicato durante mais de vinte anos. As pessoas ligadas à categoria sabem que, àquela época, associados pressionaram “Tio Binício” a se candidatar à vereança diante do belo trabalho que vinha fazendo no sindicato. Ele se candidatou e se elegeu. Sou testemunha de que todas as reuniões, comissões ou viagens que envolvessem comunidades rurais, vinculadas ao homem do interior e às lides campesinas, sempre tiveram a presença incansável do saudoso amigo. Eu poderia elencar aqui neste relato uma série de projetos, viagens, audiências, depoimentos do meu amigo sobre diversos episódios da área rural naquele período. Mas não sou historiador. Sou memorialista. Gosto de discorrer sobre fatos que vivi e falar ao sabor das emoções que as lembranças dessas pessoas me trazem. FIM DA LEGISLATURA No meu discurso de despedida da Câmara – fui candidato à reeleição e não logrei êxito – já no mês de dezembro pouco antes do Natal (nem meu assessor na época ficou no plenário para se despedir de mim), fiz um agradecimento a todos os funcionários da Câmara de Vereadores pelo carinho com que sempre fui tratado e aos demais colegas vereadores. O vereador Binício Fernandes da Silva ao se despedir (ele não se candidatou à reeleição) fez uma emocionada declaração a meu respeito. Mesmo não sendo do meu partido. A todos os descendentes do “Tio Binício”, o meu registro de gratidão e minha homenagem a este homem de grande coração!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

QUANDO TUDO VIRA UMA OCEÂNICA DECEPÇÃO - James Pizarro (DIÁRIO, edição de 9.2.2021)

Noite dessas num programa de debates na televisão, foi dito que o século XX foi uma época de cobrança de desempenho. Que pais, professores e escolas se tornaram - na melhor das boas intenções - algozes dos filhos e alunos. Cobrando-lhes sucesso a qualquer preço. Os debatedores do programa diziam que a gente era obrigado a buscar (e alcançar) o sucesso. Ser reprovado no vestibular, por exemplo, era um satânico fracasso. Por isso, o grande número de ansiosos e angustiados na minha geração, segundo o programa. Lembraram das guerras dos vestibulares e cursinhos. Das disputas pelos melhores professores. E até pelo fornecimento de bolsas aos melhores alunos das escolas estaduais e particulares. Passou um filme pela minha cabeça. Pois vivi estas experiências todas. Na segunda parte do referido programa trataram do século XXI. E do surgimento depressão da precoce. Da tristeza. A apatia. O desânimo. A autopiedade. Mesmo naqueles jovens e adultos que têm todas as condições materiais resolvidas. Apareceu uma coisa dantesca e desconhecida no mundo civilizado: a depressão infantil. Por isso, o grande número de jovens no ensino médio e universitário que sofrem de depressão. Imagino que isso deva ter se agravado com a pandemia... Eu me encorajo a dizer : se você passa por sentimentos semelhantes a esses - que são emoções paralisantes – procure ajuda sem medo algum, sem preconceito algum. Procure um psicólogo ou psiquiatra de sua confiança e faça terapia. Se não tiver um plano de saúde ou não tiver condições financeiras de pagar o profissional, procure os ambulatórios dos cursos de Medicina e de Psicologia em que existem estágios onde os alunos recém-formados estão fazendo especialização ou mestrado nessa área, com supervisão de seus professores de renomada competência. Nestes locais você fará terapia gratuitamente. Tomar esta decisão é importante : investir em sua própria saúde para ser mais feliz ! Como estou em isolamento social desde fevereiro de 2020 me valho muito da TV, de música, meditação, escrevo, vejo filmes, séries, leio muito. Revi o “Clamor do Sexo”, feito há 60 anos. É um filme sobre a família e seus conflitos. Sobre o amor e sexo entre os jovens. Pais que são contra namorados dos filhos. Professores e pais que jamais aprenderam a ajudar seus filhos e alunos. Famílias que eram ricas e a depressão econômica tornou pobres. Mas o que mais me chamou a atenção no filme é uma cena melancólica. Os dois namorados, cujo amor não deu certo por causa de múltiplos fatores, se encontram muitos anos depois. E é uma decepção total. O grande objeto de desejo de outrora não significa absolutamente mais nada. Tudo terminou. Eles estão secos por dentro. São estranhos. É um encontro pungente. Que remete à solidão. À melancolia. Os mais jovens experimentarão esta mesma sensação futuramente. Pode ser com uma colega de infância. Uma namoradinha que ocupou nosso cérebro e nossa alma com sofreguidão. Uma colega de faculdade. Pessoas que foram importantes no nosso mundo afetivo. Passam-se os anos. E ao rever aquela pessoa que deixava nosso coração em chamas, ela se transforma num borrão na paisagem. Não nos diz mais nada. Tudo virou uma oceânica decepção. E a gente vira as costas. E sai caminhando. Passos lentos. Olhar perdido. Uma ardência no peito. E uma certa estupefação diante do mundo.