segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

A MADRUGADA NO CENTRO DA CIDADE - James Pizarro (DIÁRIO - 21.02.2022)

Nos anos dourados da década de 1960 imperava a tranquilidade nas ruas e praças da cidade. Mas não a solidão. Muito menos o abandono. Ou a escuridão. Os jovens universitários e os estudantes do ensino médio - depois dos bailes, aniversários, reuniões-dançantes, encontros em bares nos fins de semana – costumavam ficar sentados ao longo da Avenida Rio Branco e praça Saldanha Marinho para conversas sobre política, namoro, literatura, fofocas em geral. E para degustar no final da madrugada os famosos cachorros-quentes de linguiça de porco com mostarda que eram vendidos por carrocinhas, pois ainda não existiam os trailers para venda de lanches. Jamais algum vizinho precisou chamar a polícia por balbúrdia, algazarra, briga, bebedeira, consumo de droga por causa daqueles inocentes encontros de jovens estudantes que orgulhavam a cidade. E os estudantes jamais se sentiram ameaçados por estarem na rua durante a madrugada. Nunca se soube de algum assalto, roubo e muito menos um estupro ou assassinato. Passaram-se os anos. Chegamos ao esperado terceiro milênio. Em matéria de segurança o que ocorreu no Brasil em geral? E Santa Maria, em particular? Crescemos que nem rabo de cavalo: para baixo !!! As famílias vivem gradeadas dentro de casa, com câmeras de vigilância, cães de guarda, cercas elétricas, vigilantes, portões eletrônicos, uma série de dispositivos eletroeletrônicos para defesa. Estamos no início do ano e já ocorreram vários assassinatos em nossa cidade. Quantos morrerão até 31 de dezembro? Tira-se a vida das pessoas pelos motivos mais torpes e fúteis. Discussões banais. Bebedeiras. Tráfico de drogas. Feminicidios. Os policiais e militares responsáveis pela segurança continuam em desvantagem diante dos bandidos e fazem o que podem, pois são mal remunerados há anos, armamentos ultrapassados, carros e combustível insuficientes, efetivo muito aquém do que aquele necessário, sem perspectivas de melhora imediata. Morador da Galeria do Comércio com apartamento com janelas abertas para a rua Venâncio Aires, presencio cenas homéricas de intolerância e transgressão aos costumes diuturnamente. Durante o dia são pedestres atravessando a rua fora da faixa de segurança quase provocando acidentes e pondo em risco sua própria vida. Motoristas estacionando erroneamente seu carro no ponto de taxi e provocando discussões ácidas com taxistas, chamada de guincho, etc...Mas durante a noite, principalmente nas madrugadas, esta quadra central da cidade é palco de cenas que dariam para escrever um livro. Ou fazer um filme pornô de sucesso. Pois ocorrem encontros amorosos homoafetivos entre os contêiners do lixo, alguns deles nada silenciosos. Ocorrem conjunções carnais entre casais de namorados menores de idade, em pé, no portão da mansão da família do falecido e saudoso Dr. Mariano da Rocha. As vitrines da Casa Ey já foram quebradas e sapatos e bolsas roubados. Um jovem foi assassinado a facadas no corredor que corta a galeria. Sem falar nos carros que passam com o som ligado em decibéis que acordam todos os moradores que pretendiam muito justamente descansar durante a noite. Todos estes comportamentos contam com a impunidade e a tranquilidade que faz a alegria dos infratores. Pois não se vê uma viatura policial ou da guarda municipal. Até quando ?

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

QUE SAUDADE PUNGENTE DA "JOVEM GUARDA" - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - edição de 8.2.2022)

"O futuro pertence à jovem guarda porque a velha está ultrapassada". Os ligados à política e à História devem conhecer a frase. Que é de autoria de Lenin. Mas não é desta jovem guarda quequero falar hoje. Baseada na expressão "Jovem Guarda" é que a TV RECORD, no ano de 1965, lançou um programa de auditório que iria revolucionar e influenciar uma geração inteira. A geração da qual eu fiz parte. A minha geração. A geração dos que têm 70 ou 80 anos hoje. Nas célebres reuniões dançantes do Clube Comercial e Caixeiral, em Santa Maria, a gente dançava de rosto colado ao som das baladas românticas do "rei" Roberto Carlos. Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa comandaram o programa “Jovem Guardas” nas saudosas “Tardes de Domigo” da Record. E se encarregavam de, além de cantar, apresentar todos os artistas que comungavam com eles o mesmo ideal. O programa teve a duração de três anos (terminou em 1968) e lançou dezenas e dezenas de cantores. Devem ser lembrados (além de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa) os seguintes cantores : Celly Campelo, Vanusa, Eduardo Araújo, Silvinha, Martinha, Arthurzinho, Ronnie Cord, Ronnie Von, Paulo Sérgio, Wanderley Cardoso,Bobby di Carlo, Jerry Adriani, Rosemary, Leno e Lilian, Demétrius, Os Vips, Waldirene, Diana, Sérgio Reis, Sérgio Murilo, Trio Esperança, Ed Wilson e Evaldo Braga. Faziam parte do movimento as bandas : Os Incríveis, Renato e Seus Blue Caps, Golden Boys e The Fevers. Não existia violência. Drogas. Rachas. Gangs. E o máximo que ocorria era se tomar uma ou duas doses de vodka com Cirillynha, o refrigerante famoso feito na cidade mesmo há pouco ressucitado. Rostos colados. Corações disparando. Dançar abraçadinho. Tudo às escondidas. Porque mães vigilantes estavam sentadas às mesas cuidando todos os movimentos. Dezenas de namoros começaram ali. Ao som da "Jovem Guarda". Muitos dos cantores já morreram. Outros caíram no ostracismo. Outros sumiram sem dar notícia. Roberto Carlos - num extraordinário exemplo de vitalidade e talento - continua sendo o "rei". Não mais agora da minha geração. Mas de todos os românticos do país. Assim também, muitos casamentos acabaram. Sonhos. Carreiras. Vidas. Amores. Muitos amigos morreram. Muita coisa acabou. Teimosamente sigo lembrando duma época em que o amor nascia ao som de uma canção. O romantismo existia. E o amor perseverava. Através de poemas. Cartas. Telefonemas. Doce espera nas portas dos colégios. Hoje tudo mudou. As pessoas fazem amor pelo computador. Chats. E-mails. Messenger. Web cam. Vídeos. Nudes. Quando se ama através de uma máquina é sinal que algo está errado. Ou então eu - que já fui da "jovem guarda" - estou ultrapassado. E não me dei conta que há anos já faço parte da "velha guarda". É bem possível. E melancólico. Por derradeiro : naquela época a gente saia dos bailes do Esportivo, no sopé do morro, de mãos com a namorada e pela rua 7 de setembro e avenida Rio Branco atravessava toda a cidade a pé até a presidente Vargas sem medo de nada e sem ser molestado na madrugada. Não haviam assaltos, estupros, violência. Quem tentar fazer algo semelhante hoje – andar algumas poucas quadras a pé em pleno centro da cidade – pode ser considerado um abençoado se não for assaltado. Que saudade das pacíficas madrugadas santamarienses de outrora...