Às 7h30min, estávamos eu e minha mulher no Cemitério Municipal de Santa Maria. Tínhamos a missão de tirar os ossos de uma parente querido de um local e colocar os mesmos no túmulo da família. Era um desejo manifestado em vida e uma promessa assumida pela minha mulher. Não havíamos feito antes porque não haviam passado os cinco anos previstos em lei para estes casos.
Quando o funcionário colocou os ossos no saco de plástico negro,
eu estranhei o pequeno volume. E para puxar conversa, comentei isso com ele.
Ele foi sintético e, com a alma distraída, disse:
- São poucos ossos...
Depois de cumprida a tarefa por três funcionários do cemitério e
das taxas pagas, rezamos pela alma de ambos e resolvemos dar uma volta pelo
cemitério. Registro aqui a gentileza e carinho dos funcionários municipais da
secretaria do cemitério, fato surpreendente nos dias que correm nas repartições
públicas brasileiras.
Foi surpreendente o número de túmulos encontrados de pessoas que
não sabíamos que haviam morrido, uma vez que moramos em Florianópolis durante
muitos anos. E não ficamos sabemos da partida de muitos amigos.
Fotografei grande número de túmulos com obras de arte em mármore e
bronze. Fazem parte da chamada "arte cemiterial", pouca divulgada.
Mas o que mais me espantou foi um estranho cheiro que pairava no
ar em certa zona do cemitério. Indaguei um dos funcionários que varria o local
sobre a procedência daquele odor. Ele, candidamente, me respondeu :
- É o cheiro da morte.
Olhei para minha mulher e sem compreender direito,
pedi informações a ele. Deu detalhes que, para não ferir
suscetibilidades, deixo de registrar. Resumo tudo afirmando numa só frase a
explicação :
- Transladaram um corpo que ainda estava em putrefação para outra
cidade.
O dia estava sombrio. Prenúncio de chuva. Saí de lá pensando muita
coisa sobre a natureza humana. Vaidade dos homens. Traições para subir na vida.
Brigas por heranças. Busca desesperada por cargos e poder. Avarentos que
amealham. Ricos que concentram capital e vivem uma vida de pobre. Tudo para se
ficar reduzido a "poucos ossos". E depois a pó.
Abracei minha mulher, que estava visivelmente emocionada. Saímos
do cemitério. E caminhamos de mãos dadas em direção à calçada do Avenida Tênis
Clube.
Mais uma vez firmei minha convicção : quero ser
cremado. Não gostaria de ter túmulo. Se morrer em Santa Maria, gostaria
de ter as cinzas esparramadas pelos morros, onde tantas vezes subi quando
escoteiro. Ou quem sabe, às escondidas, pedir para um neto meu espalhar minhas
cinzas no Jardim Botânico da UFSM que eu ajudei a fundar.
Se morrer em férias gostaria de ter as cinzas largadas diretamente
no tranquilo mar de Canasvieiras, em Florianópolis. Ou na praia do Matadeiro
talvez.
Para deleite das tainhas. Que teriam uma pizarrônica refeição...
Um comentário:
Un texto como este deveríamos reler de tempos em tempos, quando tantas "mundanidades" nos preocupam! Parabéns!
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