Toda manhã, antes das 6h00,
acordo com os belos cantos dos pássaros que habitam as árvores do pátio da casa
do saudoso do Dr. Mariano da Rocha. Levanto e fico à janela do terceiro andar
da Galeria do Comércio ouvindo aquela doce sinfonia. Ao mesmo tempo em que
começo a observar o vôo de centenas e centenas de garças – em grupos de 15 a 20
indivíduos – voando do oeste para leste da cidade. Fico com pena de não poder
ajudar na alimentação desses bichinhos.
A sacada do apartamento na
praia de Canasvieiras, onde morei dez anos, era transformada num refeitório de
pássaros três vezes por dia. A sacada tinha vista para árvores, prédio vizinho,
rua, passantes e um grande pedaço de mar. Mas o que mais importava na
minha sacada é que ela era a mais popular entre os pássaros das redondezas.
Eles sabiam que ali morava um amigo. Pois eu sempre deixava à disposição deles
ração feita de milho picado, arroz picado e farelo de trigo. Que eu comprava em
sacos de cinco e, depois, de dez quilos.
A princípio, apareciam apenas
pardais. Nos primeiros dias, quatro ou cinco. Depois, cheguei a fotografar
dezoito. Uns voavam e levavam no bico grãos para ninhos nos beirais da pousada
que ficava ao lado do nosso prédio. Muitos filhotes também apareciam. Além dos
pardais, me visitavam rolinhas, periquitos coloridos, bicos-de-lacre. Por duas
vezes apareceram sabiás. E só uma vez apareceu uma pomba solitária.
Evitava alimentar pássaros com
grãos de alpiste, girassol ou painço porque muitos deles - sobretudo as
rolinhas e os pombos - não conseguem descascar as sementes, o que causa inchaço
em seus papos lhes causando a morte. Duas vezes por semana higienizava o muro
da sacada, removendo os restos de grãos e os excrementos conservando o beiral
sempre limpo.
Colocava a ração três vezes
por dia : às seis da manhã, quando levantava, depois do almoço e à tardinha. Os
pássaros são pontuais e os encontrava em alegre cantoria nestes três horários.
Viviam em liberdade e tinham garantida uma fonte diária de nutrição, enquanto
eu ganhava o convívio e o canto. Aprendi a observá-los em silêncio enquanto
tomava meu chimarrão, sem me movimentar muito. Observava o comportamento deles
e batia dezenas de fotos. Já conseguia algumas vezes levantar e ficar escorado
na grade da sacada sem que eles voassem embora. Já estavam se acostumando com
minha presença e permitindo uma aproximação cada vez maior.
Muitos amigos ficavam
surpresos quando lhes narrava estas minhas experiências. Outros escutavam e
faziam cara de desdém. Houve até alguém que me disse : "Estás ficando
velho, Pizarro". Confesso que não entendi a relação. Nem de longe
suspeitavam - com suas almas sem sensibilidade - que minha qualidade de vida
aumentava com o convívio e a contemplação dos pássaros. Eles nem suspeitam que
estes pássaros - além do canto e do colorido - contribuem para o equilíbrio
ecológico, quando se alimentam de insetos e pragas que atacam as plantas.
Muitos deles funcionam como agentes polinizadores das flores, aumentando a
produção dos frutos. E grande número de pássaros - ao levarem sementes de um
lugar para outro - contribuem com a disseminação das plantas fazendo o papel de
semeadores naturais. Estava pensando em outros tipos de rações e uns dois
bebedouros na minha sacada, o que faria que aparecessem outras espécies, como
bem-te-vis, coleirinhas e beija-flores. Mas decidimos voltar para Santa Maria.
Quando o caminhão de mudança
saiu da praia eu pude reparar mais de cinquenta passarinhos pousados no beiral
da sacada. Esperando pela comida. Que jamais viria. Levo este pecado e este
medo comigo. Deles pensarem que os traí. Que os abandonei. Isso me aperta o
coração até hoje, inexplicavelmente.
Será que algum deles se lembra
de mim ?
Nenhum comentário:
Postar um comentário