sexta-feira, 16 de julho de 2021

A primeira aula marca a alma da gente para a eternidade - James Pizarro (DIÁRIO, SEÇÃO "MEMÓRIA" - 16.7.2021)

Sou do tempo em que o então chamado Grupo Escolar João Belém funcionava no prédio onde hoje está o Maneco, em Santa Maria. Ali fui matriculado – com 6 anos de idade – no que era chamado de Jardim da Infância. Assim é que, nos primeiros dias do mês de março de 1948, comecei a estudar. Agarrado à mão de minha mãe, fui levado e entregue na penúltima porta do corredor do primeiro andar à mestra Luiza Leitão. De cabelos brancos, ela foi a minha primeira professora, da qual guardo enternecedora lembrança. Ela me recebeu carinhosamente, o que fez se dissipar qualquer resquício de medo do meu assustado espírito. Muito embora eu tenha sentido um inesquecível aperto no peito quando vi minha mãe me abanar e desaparecer pelo corredor. Lembro detalhadamente desse primeiro dia de aula. Sentei-me numa mesinha, junto com duas meninas e de um menino, chamado de Cleómenes, que usava óculos. Inexplicavelmente, não guardei o nome das duas meninas, que eram simpáticas e puxavam conversa. A professora Luiza Leitão bateu palmas, pediu silêncio, e colocou no aparelho de som (que era chamado de “vitrola”) um enorme disco de vinil. Daquele disco, como num passe de mágica, brotou a emocionante novela intitulada “As Aventuras do Coelhinho Joca”, a primeira história infantil gravada que ouvi em minha vida. Eu gostei tanto que, meses depois, quando ganhei meu primeiro cachorro de presente, um fox preto e branco, o mesmo recebeu o nome de “Joca”. Corria o ano de 1948, ano em que o Botafogo foi campeão carioca. O time alvinegro entrava em campo com sua mascote “Biriba”, uma cadela também fox preta e branca. Num relance, passaram-se décadas desde a minha primeira aula, pois estou hoje com 78 anos. Lembro de tudo, desde a disposição dos móveis na sala, dos quadros, dos rostos, dos sons, do sino batendo para o meu primeiro recreio, da primeira merenda. À noite, custei muito a dormir, pois recapitulava, mentalmente, tudo o que me havia acontecido naquele dia memorável. A professora Luiza Leitão, e depois a professora Léa Balthar, foram as duas responsáveis pela minha alfabetização. Não posso deixar de registrar a querida professora Fátima Mesquita, responsável por ter me preparado para o exame de admissão ao ginásio no Maneco. A outra diretora do João Belém, que substituiu a professora Edy Maia Bertóia, foi a Professora Heleda Diquel Siqueira, que também foi minha professora de Trabalhos Manuais. Dona Heleda era exímia jogadora de bolão, viajava muito pelo Estado disputando campeonatos femininos deste esporte. Faleceu recentemente. Nas datas importantes – principalmente em datas cívicas – aconteciam no João Belém as chamadas “audições”. O que era isso? Todo o corpo docente e discente era reunido no salão de festas da escola. E havia apresentações artísticas como danças, corais, declamação de poesias, números musicais, mágicas, bandas. Tudo isso era precedido pela fala do locutor. Que lia uma sinopse do número que ia ser apresentado. Devido ao desembaraço, desenvoltura ou “cara-de-pau” – seja lá que nome tenha isso – sempre fui escolhido para ser o locutor das “audições”. O que me conferia um certo “status” com os professores, simpatia com as meninas e uma certa ciumeira dos meninos. Dou-me conta, agora, da influência que tais experiências da meninice podem ter na formação da nossa personalidade e até nas nossas escolhas profissionais de adulto. É um mistério. Que estranho fermento a vida semeia na sensibilidade da gente. E ao longo do tempo aquilo vai se metamorfoseando em pão. Esse mistério foi inoculado em meu espírito pela dedicação de meus professores do João Belém e do Maneco. E por isso serei eternamente grato a todos eles. Até o último dia da minha vida.

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