segunda-feira, 9 de agosto de 2021

FAZER CARA DE DEMÊNCIA PARA NÃO SE INCOMODAR - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - edição de 10.8.2021)

Numa dessas últimas madrugadas, enquanto aguardava mais uma série de provas e jogos das Olimpíadas de Tóquio, meus pensamentos errantes – sei lá por quais motivos inconscientes - me levaram para o Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo. Corria o ano de 2015. E fiquei 17 dias internado. Fiz as contas : 17 dias x 24 horas = 608 horas. Medidas de sinais vitais a cada 4 horas. Taxas. Soros. Antibióticos potentes. Coleta de material para exames. Várias refeições e lanches. Óleo da canola na perna com erisipela. Curativo no cateter da subclávia. Insônia. Programas de rádio. TV. Piedosas visitas do padre. Consoladoras e simpáticas conversas com os paramédicos. Tempo que não passa para o (im)paciente. Pensamentos fervendo a mil. Visitas inesperadas de pessoas surpreendentes. Visitas prometidas de pessoas queridas e que não se concretizaram. Visitas de pessoas desconhecidas e que emocionaram um velho coração. Dramas humanos pungentes de doentes de quartos vizinhos. A solidariedade pela dor. Passeios de mãos dadas pelos corredores com jovens fisioterapeutas e seus exercícios aeróbicos nas janelas. Macas que cruzam com cadáveres cobertos com lençóis. Cadeiras de rodas com doentes baixando e outros dando alta. Pessoas abraçadas chorando um óbito. Outras sorrindo comemorando o nascimento de um neto. Eis a rotina de um grande hospital. Não é um local só de tristezas. E de morte. É um local de coisas alegres. Renascimentos. De brindes à Vida. Nunca fiquei tão convicto na minha vida de que a coisa mais importante é a SAÚDE ! Desde aquela internação venho movendo céus e terra para investir na melhor qualidade de minha saúde (que já era muito boa). Mas que - por idiotice - não vinha lhe dando o devido valor. Meti na cabeça que quero ver a formatura dos meus seis netos antes de morrer. Dois já se formaram. Mais dois ainda estão cursando a universidade. Um está começando o ensino médio. E o outro está na escolinha. Talvez seja difícil ver a formatura da sexta netinha que está com 4 anos. Mas vou pelear. Pelo menos serve de motivação para prolongar a longevidade. Para tanto conto com alimentação orgânica preparada pela Vera e vinda de fornecedor especializado, com orientação da nutricionista, o que já me eliminou mais de 30 quilos. Duas sessões semanais a domicílio com fisioterapeuta para evitar perda de musculatura causada por 14 meses de isolamento social e vida sedentária. Remédios prescritos pela Dra. Jane e tomados rigorosamente. Tomo outras providências secundárias também ! Jamais ir a reuniões de condomínio. Jamais abrir vídeos ou propagandas ou fakenews político-partidárias no facebook. Não responder a qualquer provocação. Faço cara de demência quando pretendem me “cutucar”. Para complementar este tratamento de obter qualidade de vida saudável : muita música, boa leitura, oração, reflexão. Não entro em controvérsias. Não polemizo. Não gasto energia em temas como política, religião, futebol. Mas longe de mim criticar quem o faça, por favor ! Estou apenas justificando a posição do quase octogenário professor universitário aposentado que quer curtir seu ostracismo na santa paz cercado por seus filhos, netos e sua mulher. Nessa etapa da vida, quando acordo ao amanhecer e sento na cama, sempre digo em voz alta : “Obrigado, Senhor, por mais 24 horas”. A alegria que me invade por estar vivo a cada manhã não tem preço.

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