terça-feira, 21 de maio de 2024
MEU SANGUE ESCORRE DENTRO DAQUELAS PAREDES - James Pizarro (edição de 21.5.20224 de DIÁRIO)
O Colégio Santa Terezinha funcionou no prédio onde atualmente, devidamente reformado, funciona o Colégio Estadual Manoel Ribas. O nome foi dado em homenagem a Manoel Ribas, vulgo "Maneco Facão", que foi governador (leia-se "interventor") do Estado do Paraná durante todo o período da ditadura de Getúlio Vargas. Antes, Manoel Ribas havia ocupado o cargo de intendente de Santa Maria, tendo assumido os destinos do município em 3 de outubro de 1928. Em Curitiba - onde morei quase três anos - ao lado do "Passeio Público", tradicional área de lazer daquela cidade, funciona uma respeitável escola, também chamada Escola Estadual Manoel Ribas.
Causou espanto para a população santa-mariense da época o gigantismo das instalações daquela escola. Depois de extinto o Colégio Santa Terezinha, naquele mesmo prédio foi criado o Grupo Escolar João Belém, que ali ficou até ser transferido para pavilhões de madeira construídos nas proximidades e, anos depois, definitivamente transferido para amplo prédio de alvenaria onde até hoje se encontra, entre as ruas Comissário Justo e José do Patrocínio. Depois da transferência do João Belém para as novas instalações, fundou-se o Colégio Estadual Manoel Ribas, em 10 de outubro de 1953, até hoje popularmente chamado de "Maneco". Era tal a qualidade de ensino do novo colégio, que o mesmo passou a ser conhecido, em todo o território gaúcho, pelo título de "Colégio Padrão do RS".
Minha vida está indelevelmente ligada aquele prédio, pois minha mãe, Maria Silveira Pizarro, sempre chamada de "Dona Iria", foi aluna do Colégio Santa Terezinha onde, inclusive, iniciou-se no aprendizado do violino.
Entre o prédio e o muro externo do Maneco, fronteira com a Rua José do Patrocínio, existe um pequeno obelisco de um metro de altura, sem placa e sem inscrição de espécie alguma, o que sempre me despertou curiosidade. Um dia, minha avó materna, Olina Correa da Luz, deu-me a explicação. Uma freira estava limpando a parte externa das vidraças do segundo andar e, desequilibrando-se, caiu de uma altura aproximada de 15 metros, vindo a falecer. O obelisco foi construído "in memoriam" exatamente sobre o local onde ficou, inerte, o corpo da infeliz religiosa.
Guri curioso, precoce mesmo em relação a esses assuntos dos mais velhos, surpreendi-me muitas vezes - na hora do recreio - com o nariz esborrachado nas vidraças das janelas das salas de aula a contemplar o obelisco. Lembro que, ao entardecer dos dias nublados, eu olhava rapidamente o obelisco e tratava de sair da janela. Eu sentia apreensão, medo mesmo. Pois, na minha fervilhante e fantasiosa cabeça de guri recém entrado na puberdade, parecia que - a qualquer momento - eu iria enxergar aquela freira voando em minha direção. Sorrindo para mim. Ou me acenando ternamente.
Aquele singelo monumento, até hoje anônimo para todos que ali passam, ainda está lá, já apresentando as marcas inexoráveis do tempo, este consumidor implacável de corpos, vaidades, pedras, juventude e lembranças.
Voltei ao Maneco em 2017 para uma demorada visita com meu colega Luiz Fernando Bezerra (Life), que mora no RJ. Nossa turma de científico estava fazendo 55 anos de formatura. Sentamos em nossas classes na nossa sala de aula. Tiramos fotografias. Choramos abraçados.
E saímos com a certeza de que um pouco do nosso sangue corre por dentro daquelas paredes.
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