quinta-feira, 12 de abril de 2018

MINHA DISTRAÇÃO E MEUS ALUNOS - James Pizarro

Depois de ter me aposentado na UFSM ainda dei aulas numa escola particular durante 7 anos, onde ajudei a instalar o ensino médio até então inexistente naquele educandário.
Foi um período muito feliz por causa do contato com os alunos, as novas amizades (que duram até hoje) e pela experiência que sempre quis fazer : ser professor de Biologia de uma mesma turma durante os 3 anos do ensino médio. Isto é, desenvolver com eles um trabalho metodológico, com bases evolucionistas. E eu mesmo dando todo o conteúdo : Citologia, Genética, Ecologia, Botânica e Zoologia.
Fora da sala de aula eu frequentava o barzinho da escola onde fazia meu lanche com os alunos, deixando meses a fio de comparecer na sala dos professores, o que no final foi mal visto pela direção e por alguns colegas de mente obtusa.
Os alunos me visitavam em casa também para tomar chimarrão e contar suas mágoas, seus problemas com drogas, aborto, namoro, dores de corno e outros assuntos comuns à adolescência. Eu tinha dedicação total para eles, pois amava o que estava fazendo. Eu me dava conta que não estava sendo apenas um vomitador de conteúdo, mas também um educador !
Reconheço que exerci influência sobre a cabeça da maioria deles. Muitos foram cursar a universidade em faculdades pertinentes à Biologia por influência minha. Centenas deles tenho adicionados ao meu messenger, através dos quais trocamos idéias e experiências. Daria um livro rememorar tudo.
Mas o que me veio à mente hoje foi um fato curioso ocorrido em 2002 com uma turma que tinha aula comigo às 7,30h. Eu costumava levantar muito cedo e me arrumar no escuro para não acordar minha mulher. Quando comecei a minha aula todo mundo começou a cochichar e sorrir. Foi daí que me dei conta que eu estava com um pé de sapato preto e o outro pé de tênis. Dei aula toda a manhã daquele jeito.
Qual não é minha surpresa que no dia seguinte todos os 40 alunos da sala compareceram à escola com pés de sapatos e tênis de cores diferentes, o que causou uma algazarra em todo o colégio. Admoestados por uma das coordenadoras, os alunos disseram que eu tinha lançado a moda e eles queriam me acompanhar porque tinham achado excelente a idéia. A gurizada do ensino fundamental já estava se combinando em fazer a mesma coisa.
Fui chamado à vice-direção, que me pediu explicações. Eu disse que não tinha explicações a dar. E que não poderia ser culpado por algo que não fiz intencionalmente. Instado a dizer se eu tinha feito comentário para os alunos diante da balbúrdia eu disse :
"- Fiz comentário, sim. Disse que achava ótima a alegria deles e que se quisessem continuar vindo de sapatos e tênis trocados teriam todo meu apoio. Eu me interesso é pelo cérebro deles e não pela moda."
Por episódios como este e por causa de outras coisas "modernas demais" para a escola, alguns meses depois fui demitido. Mas valeu a pena. Foram 7 anos de alegre e salutar convívio com os alunos.
E o que mais me dá orgulho é que no ano em que fui demitido eu era "professor conselheiro" de duas turmas do ensino médio e homenageado dos formandos.
Eu queria ir à formatura com os pés de sapato de cores diferentes. Mas como minha mulher não deixou, não fui à cerimônia...

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