Depois
de ter me aposentado na UFSM nos anos 90 ainda dei aulas numa escola particular
durante 7 anos, onde ajudei a instalar o ensino médio até então inexistente
naquele educandário.
Foi
um período muito feliz por causa do contato com os alunos, as novas amizades
(que duram até hoje) e pela experiência que sempre quis fazer : ser professor
de Biologia de uma mesma turma durante os 3 anos do ensino médio. Isto é,
desenvolver com eles um trabalho metodológico, com bases evolucionistas. E eu
mesmo dando todo o conteúdo : Citologia, Genética, Ecologia, Botânica e
Zoologia.
Fora
da sala de aula eu frequentava o barzinho da escola onde fazia meu lanche com
os alunos, deixando meses a fio de comparecer na sala dos professores, o que no
final foi mal visto pela direção e por alguns poucos colegas de mente obtusa.
Os
alunos me visitavam em casa também para tomar chimarrão e contar suas mágoas,
seus problemas com drogas, aborto, namoro, dores de corno e outros assuntos
comuns à adolescência. Eu tinha dedicação total para eles, pois amava o que
estava fazendo. Eu me dava conta que não estava sendo apenas um vomitador de
conteúdo, mas também um educador ! Alguém que procurava “educar a dor” alheia,
como pensa certa corrente pedagógica.
Reconheço
que exerci influência sobre a cabeça da maioria deles. Muitos foram cursar a
universidade em faculdades pertinentes à Biologia e à área médica/paramédica
por influência minha. Centenas deles tenho adicionados ao meu
Messenger/facebook, através dos quais trocamos ideias e experiências até hoje.
Daria um livro rememorar tudo.
Mas
o que me veio à mente hoje foi um fato curioso ocorrido em 2002 com uma turma
que tinha aula comigo às 7h30. Eu costumava levantar muito cedo e me arrumar no
escuro para não acordar minha mulher. Normalmente, antes das 7h00 eu já estava
na escola. Quando comecei a minha aula todo mundo começou a cochichar e sorrir.
Foi daí que me dei conta que eu estava com um pé de sapato preto e o outro pé
de tênis. Dei aula toda a manhã daquele jeito.
Qual
não é minha surpresa que no dia seguinte quase todos os 40 alunos da sala
compareceram à escola com pés de sapatos e tênis de cores diferentes, o que
causou uma algazarra em todo o colégio. Admoestados por uma das coordenadoras,
os alunos disseram que eu tinha lançado a moda e eles queriam me acompanhar
porque tinham achado excelente a ideia. A gurizada do ensino fundamental já
estava se combinando em fazer a mesma coisa.
Fui
chamado à direção, que me pediu explicações. Eu disse que não tinha explicações
a dar. E que não poderia ser culpado por algo que não fiz intencionalmente.
Instado a dizer se eu tinha feito comentário para os alunos diante da balbúrdia
eu disse :
"-
Fiz comentário, sim. Disse que achava ótima a alegria deles e que se quisessem
continuar vindo de sapatos e tênis trocados por mim não teria problema. Eu me
interesso é pelo cérebro deles, pela disciplina em aula e não pela moda."
Por
episódios como este e por causa de outras coisas "modernas demais"
para a escola, alguns meses depois fui demitido. Mas valeu a pena. Foram 7 anos
de alegre e salutar convívio com os alunos.
E
o que mais me dá orgulho é que no ano em que fui demitido eu era
"professor conselheiro" de duas turmas do ensino médio e homenageado
dos formandos.
Eu
queria ir à formatura com os pés de sapato de cores diferentes.
Mas
como minha mulher não deixou, não fui à cerimônia.
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