segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

A SOLIDÃO E A AMARGURA DUMA PERNA QUEBRADA... - James Pizarro (DIÁRIO - crônica, 14.12.2021)

Raramente escrevo sobre futebol. Mas lembrei hoje da época em que o Figueroa, ídolo colorado, deixou de jogar. O clube trouxe para o lugar do chileno um jogador de nome Salomon. Não me lembro se argentino ou uruguaio. Para tentar apagar a imagem de Figueroa. O chileno Figueroa sabia falar bonito. Juntava direitinho as palavras. Tinha a excelente impostação de voz. Jeito de declamador até. Cabelos ondeados. E cotovelos de ouro. Fazia uma bela figura na televisão. A torcida feminina adorava Figueroa. A alma colorada se encantou com o ele. Além de jogar excepcionalmente bem, era um emotivo. O torcedor colorado tinha um capitão bonito, inteligente, craque. Ele fez história. Fez nome. Foi legenda. E se foi... Para o seu lugar – argentino ou uruguaio ? – a diretoria do Inter trouxe Salomon. Um homem enorme. Braços pendentes, lembro bem. Algo desengonçado. Uma certa fisionomia de cavalo. E – pasme o amigo que me lê - tinha um resplandecente dente de ouro bem na frente. Um belo trabalho odontológico, me disse um amigo gremista com certo sarcasmo disfarçado. Eu diria que ele lembrava a figura do Stallone. Mas a torcida colorada, passional como sempre foi, não simpatiza com Salomon. Ao invés do bonitão Figueroa de cabelos ondeados e sorriso sedutor, a diretoria traz um sujeito de face equina com um dente de ouro ? A torcida não perdoa. A torcida não ama Salomon. A própria imprensa que ajudara no endeusamento de Figueroa tem má vontade com Salomon. E exibem fotos com sua chuteira e seu pé, Um pé de número 50 !!! O coitado do Salomon não consegue se sair bem. Não acerta. Não joga. Pelo menos não joga aquilo que a torcida esperava de alguém que tinha o peito de substituir Figueroa.. E assim Salomon foi ficando. Jogando mal. Até que o Penharol decidiu compra-lo. Chegou a ser inscrito pelo time do país vizinho para disputar o campeonato nacional deles. Afinal, era uma solução boa para todos. Salomon se livrava do Inter. O Inter se livrava de Salomon. Aí veio o jogo de despedida de Salomon, um GRENAL. Jogado numa quinta-feira, segundo minhas anotações. Uma partida que não deveria ter sido jogada por ele. Uma partida mal gerada. Uma partida com poucos torcedores, inclusive. Nem muitos jogadores titulares tinha. Mas Salomon jogou porque queria se despedir da torcida. O Inter venceu. Mas Salomon, diante de poucos torcedores que nem queriam se despedir dele, foi agredido barbaramente por um “colega” de profissão. E fraturou a tíbia e a fíbula. Que naquela época ainda chamavam de perônio. O Salomon-do-Dente-de-Ouro tinha virado agora Salomon-de-Perna-Quebrada. Todos os jornais abriram manchetes para Salomon. Disseram até que ele passaria seis meses engessado. Falaram que iriam amparar financeiramente Salomon, um atleta de 28 anos. Mas depois daquela noite, em duas ou três semanas, ninguém mais falou ou escreveu algo sobre Salomon. Nem se sabe se o Penharol o contratou com a perna quebrada. Ou mesmo se ele voltou a jogar futebol. Porque na desgraça as pessoas têm memória curta. O que certamente ficou de tudo foi a um atleta com sua perna mais fina. Aposentado do seu trabalho pela deslealdade de um colega. Com sua amargura. E com sua solidão.

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