segunda-feira, 25 de julho de 2022

DONA NEUZA - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - edição de 26.7.2022)

Um prédio de nove andares e noventa e oito apartamentos não é apenas uma obra de engenharia. É uma ousadia, levando-se em conta que foi construído em 1960. Para ser uma galeria solidamente construída. À moda antiga. Tijolos sem furos. Paredes espessas. Térreo ocupado por lojas comerciais. Portaria. Funcionários. Câmeras para monitorar corredores. Interfones. Depois de longos anos de experiências com síndicos proprietários de apartamentos do prédio, mudou-se a sistemática por votação democrática dos proprietários. E foi contratado um escritório profissional para fazer a administração do condomínio. O que diminuiu o número de atritos. Discussões desnecessárias. E até de reuniões. Muitas das quais resultavam em discussões. Ânimos exaltados. Não raro, em inimizades. Mas não era disso que queria tratar. Pois, afinal, nunca participei de reuniões de condomínio. Queria me referir aos tipos humanos que habitam uma comunidade de cerca de 600 pessoas. Um microcosmos de almas que seria motivo de estudo para teses de mestrado e doutorado, certamente. Em diferentes áreas científicas. Na Sociologia. Economia. Filosofia. Política. Medicina. Psicologia. Tal a diversidade da fauna humana que se apresenta em sua diversidade e comportamento... Na época crítica da pandemia haviam alguns que não suportavam a ideia de subir acompanhados com outros nos elevadores. E enxotavam as pessoas aos gritos, esbravejando que queriam subir sozinhos. Lembro bem de uma dessas assépticas criaturas porque fui informado há pouco tempo que ela – apesar dos seus cuidados extremados – faleceu ironicamente de covid ! Outros costumam não responder ao cumprimento da gente quando entramos no elevador. Olham para baixo, taciturnos, de cara emburrada, fingindo-se de surdos e não respondem ao bom dia de ninguém ! Devem escovar os dentes com vinagre de manhã cedo, certamente ! Os funcionários da portaria são uns mártires ! Pois suportam estoicamente as mais absurdas reclamações, desde as que deveriam ser feitas aos carteiros dos Correios até às que deveriam ser feitas ao presidente da República ! Mas há uma moradora especial sobre a qual eu queria fazer um registro. Ela se chama dona Neuza. Acho que reside sozinha, uma senhora gentil, simpática, está sempre tomando chimarrão. Seguido a encontro na portaria quando vou buscar meu exemplar do DIÁRIO e a correspondência do dia e ela está também buscando suas cartas ou conversando com os funcionários. Pois dona Neuza bateu semana passada aqui em casa e entregou para a Vera Maria, minha esposa, três panos-de-prato. Pintados com lindas estampas e com as extremidades ornadas com croché. Diante da surpresa da minha mulher, ela disse : “Não vou entrar para não lhe tomar tempo, quero lhe dizer que não estou vendendo nada, eu faço isso com prazer para me distrair e presentear as pessoas do prédio. Gostaria que a senhora e o seu Pizarro aceitassem como um humilde presente. “ Minha mulher agradeceu muito. E eu já pedi para ela fazer uma cuca de laranja, receita alemã em que a minha mulher é exímia, que eu faço questão de levar na porta do apartamento da dona Neuza. Pois é desse tipo de pessoa que a gente precisa. Que os condomínios precisam. Que o planeta precisa. A senhora, dona Neuza, é o meu personagem da semana !

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