terça-feira, 16 de novembro de 2021

MINHA PRIMEIRA ROMARIA DA MEDIANEIRA - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - 16.11.2021)

Compreendo quem tem insônia. Relevo quem tem sono agitado. Quem é atormentado por pesadelos. Tenho imensa piedade por amigos que têm distúrbios ligados ao sono. À dificuldade de dormir. Porque dos meus nove aos treze anos comi o pão que o diabo amassou por causa desses problemas. Porque sofria de insônia. Noites mal dormidas. Temores noturnos. Quando o sol ia se pondo e a noite se avizinhava, eu já sentia verdadeiro pavor. Meu pai me levou a médicos. Que me perguntavam coisas. Ouvi pediatras dizerem para meu pai que eram distúrbios da pré-adolescência. Que eu era sensível. Um deles disse que eu era "precoce". Lembro como se fosse hoje que eu fiquei estarrecido quando o médico disse isso. Porque eu não conhecia a palavra. Na minha mente agitada imaginei que fosse um tumor, uma moléstia grave. Fiquei tranquilo quando, ao chegar em casa, consultei o único dicionário que existia na época, de autoria do Fernando Fernandes. E fiquei sabendo o que queria dizer "precoce". A medicina não resolveu meus problemas noturnos. Eu continuava a ouvir ruídos. Ouvia gente cochichando. E via coisas. Principalmente fogueiras. Nunca vi pessoas e nem animais. Tudo que eu via era relacionado com fogo. Tinha vergonha e muito medo de contar para os outros. Principalmente sobre as fogueiras. Porque temia que me chamassem de louco. Como a Medicina não resolveu meu problema, a família apelou para outros recursos. Como fazem as famílias até hoje diante de casos insolúveis. Minha mãe me levou então a centros espíritas. A sessões de umbanda. Tomei passes de descarga. Sessões de descarrego. E toda uma terminologia que eu não entendia direito. Numa sessão dessas o médium receitou "Kola Fosfatada Soel", um medicamento feito de ervas muito popular naqueles tempos. E disse que eu teria de comer muita alface na janta. Também não adiantou nada. Até que minha amada avó Olina me levou na romaria de Nossa Senhora Medianeira. A primeira romaria das dezenas que eu iria comparecer depois durante toda minha vida. Lembro que fui todo de branco, com enormes asas de anjo. Carregando uma vela de quase um metro de altura. Alguns amigos meus me esperaram na rua do Acampamento. E quando eu passei um deles gritou : “Tu é um demônio, tu não é anjo”. Porque a minha fama de autor de travessuras na Silva Jardim era grande. Minha avó me dizia que eu rezasse com fé. Que aquelas vozes, aquelas visões de fogo iriam desaparecer. E que eu jamais iria sentir medo da noite. Quando a santinha passou eu olhei para ela e fiquei em estado de graça. Estava tomado pela fé da minha vó Olina. E ela me disse : “Olha para ela...pede agora, com todas as tuas forças.” E eu, chorando, pedi. Com todas as minhas forças. Como minha vó tinha mandado. As vozes realmente sumiram. Nunca mais tive medo. E quando me perguntavam se eu ainda enxergava fogueiras, labaredas, eu mentia. Porque eu continuei a ver aquele fogo durante algum tempo. Eu não queria decepcionar minha avó. E muito menos decepcionar a santinha. Até que um dia – como num passe de mágica - nunca mais enxerguei nada. E até hoje durmo que nem uma pedra.

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