sábado, 30 de julho de 2016

O BOLOR DOS ANOS - 28/7/2016, jornal A RAZÃO, Santa Maria, RS


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O bolor dos anos


James Pizarro

por James Pizarro em 28/07/2016
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A turma entrou na UFSM em 1963. Quase todos pobres. Ou de classe média baixa. Dois ou três de famílias bem postas financeiramente.
Todos amigos. Alegres. Parceiros de caminhada.
Cheios de vontade de mudar o mundo. Nunca alguém sentiu qualquer diferença de classe social.
Veio a formatura. Ano de 1966. Cine Glória cheio. Reitor Mariano e seu discurso costumeiro. Enaltecendo a UFSM. Fazendo profissão de fé nos formandos. Tocando no sentimento dos familiares.
Passaram-se os anos. A turma tomou por hábito fazer encontros periódicos.
De cinco em cinco anos era certo o almoço e janta no Restaurante Augusto.
Todos vinham de todos os rincões do país.
Alguns casados. Com filhos. Felizes.
Assim foi nos dez anos de formatura.
Vinte anos. Trinta anos. Quarenta anos.
Na reunião dos quarenta anos de formados quinze já haviam morrido.
Uns estavam aposentados.
Outros haviam abandonado a profissão.
Outros estavam doentes.
Uns viraram alcoólatras.
Outros estavam no segundo ou terceiro casamento.
Um tinha assumido sua homossexualidade.
Outro não tinha dinheiro para pagar o galeto e a bebida. Pediu emprestado para os colegas.
O mais pobre da turma tinha se transformado em prefeito e defendia o Maluf. Logo ele que, quando estudante, era ardoroso defensor do Brizola. Ficou calado durante o encontro. Engravatado. Empertigado. Solene. Logo ele, que assistia as aulas de chinelos de dedo.
Chegada a época dos cinquenta anos de formatura, ninguém mais entrou em contato. O mentor das festas, organizador dos encontros, morreu.
A juventude morreu. A amizade morreu. O quadro de formatura, no corredor escuro, está torto e com algumas teias de aranha. As fotos com aqueles rostos incrivelmente jovens, estão atacadas implacavelmente por fungos.
E no corredor do prédio, apenas o silêncio.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

A (IN)SEGURANÇA PÚBLICA - James Pizarro, 21/7/2016, jornal A RAZÃO


COLUNISTAS

A (in)segurança pública


James Pizarro

por James Pizarro em 21/07/2016
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Nos anos dourados da década de 1960 imperava a tranquilidade nas ruas e praças da cidade. Mas não a solidão. Muito menos o abandono. Ou a escuridão. Os jovens universitários e os estudantes do ensino médio - depois dos bailes, aniversários, reuniões-dançantes, encontros em bares nos fins de semana – costumavam ficar sentados ao longo da Avenida Rio Branco e Praça Saldanha Marinho para conversas sobre política, namoro, literatura, fofocas em geral. E para degustar no final da madrugada os famosos cachorros-quentes de linguiça de porco com mostarda.
Jamais algum vizinho precisou chamar a polícia por balbúrdia, algazarra, briga, bebedeira, consumo de droga por causa daqueles inocentes encontros de jovens estudantes que orgulhavam a cidade. E os estudantes jamais se sentiram ameaçados por estarem na rua durante a madrugada. Nunca se soube de algum assalto, roubo e muito menos um assassinato.
Passaram-se os anos. Chegamos ao esperado terceiro milênio. Em matéria de segurança o que ocorreu no Brasil em geral? E Santa Maria, em particular? Crescemos que nem rabo de cavalo: para baixo!!! As famílias vivem gradeadas dentro de casa, com câmeras de vigilância, cães de guarda, cercas elétricas, vigilantes, portões eletrônicos, uma série de dispositivos eletroeletrônicos para defesa. Estamos na metade do ano e já ocorreram 32 assassinatos em nossa cidade. Quantos terão morrido até 31 de dezembro?
Tira-se a vida de uma mocinha a facadas por causa duma bolsa. Dois dias depois mata-se outro com cinco tiros. Dias antes encontram cães comendo restos do cadáver de um idoso desaparecido no morro de Santo Antão. Depois mais uma estudante desaparece. E para coroar a semana o ônibus de uma empresa de turismo é assaltado antes de iniciar a viagem com comerciantes santa-marienses, todos são assaltados, roubados, motorista agredido, carros incendiados.
Os policiais e militares responsáveis pela segurança continuam em desvantagem diante dos bandidos e fazem o que podem, pois são mal remunerados há anos, armamentos ultrapassados, carros e combustível insuficientes, efetivo muito aquém do que aquele necessário, sem perspectivas de melhora imediata.
Fala-se que de cada estado brasileiro irão como cedidos para o Rio de Janeiro um grande número de policiais e militares para trabalharem na segurança das Olimpíadas. Para engrossar as fileiras de segurança no RJ vão diminuir ainda mais as já combalidas forças de segurança dos municípios brasileiros. Os bandidos já estão sabendo disso há horas. Precisa ser Mãe Diná para saber o que vai acontecer?

quinta-feira, 14 de julho de 2016

OS (DES)HUMANOS - JAMES PIZARRO, jornal A RAZÃO, 14/7/2016.

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Os (des)humanos

James Pizarro
por James Pizarro em 14/07/2016
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Onde estão os “eternos” amigos de adolescência?
Os primeiros vulcânicos amores?
As eternas namoradas?
Os companheiros de política estudantil?
Os colegas de escotismo?
Os amigos fraternos de aula?
Os vizinhos de rua, de edifício?
Os amigos do peito que viraram ferozes concorrentes profissionais?
E certos parentes de sangue que ainda vivem, mas não existem?
Os que juravam amizade e hoje nos injuriam?
Os que viraram políticos famosos e nos olham com desdém?
Os que eram honestos e ficaram corruptos?
Os que nos pediam cola no colégio e que hoje nem nos cumprimentam?
Os amigos que trocavam confidências e faziam terapia conosco e hoje nos bloquearam no computador?
Os que deletam nossos e-mails sem os ler?
São as pessoas que não voltarão mais.
São os (des)humanos tipo “one way”. Uma só via.
Foram. Hoje já não são mais.
Fizeram parte da nossa biografia no capítulo ecológico dos dejetos.
Hoje, como ajudaram a nos amadurecer, podemos considera-los...aterros sanitários.
Mas nada a lamentar.
É uma lição que quanto mais cedo se aprende melhor.
A solução é dar valor ao seu único, grande e definitivo amor. Aos filhos. Netos. Genros. Noras. Enfim, sua tribo. E aqueles poucos, um ou dois amigos verdadeiros. Mais do que isso agradeçamos a Deus por termos vários, bons e verdadeiros amigos. E, também, se pudermos ser considerados verdadeiros amigos de nossos amigos. Professor aposentado da UFSM e ambientalista

terça-feira, 12 de julho de 2016

LADAINHA DA TOCHA - James Pizarro, jornal A RAZÂO, edição de 7/7/2016.


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Ladainha da Tocha!


James Pizarro

por James Pizarro em 07/07/2016
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Vós que viestes à nossa cidade na mais generosa e gratuita tarefa de nos abençoar - como fizestes em todas as cidades brasileiras por onde passastes - rogai por nós!
Vós que emocionastes multidões de mulheres esperando mamógrafos, milhares de crianças implorando por creches, moradores de ruas clamando por um teto, rogai por nós.
Vós que - na impossibilidade de aumentar o salário dos médicos santa-marienses - certamente trará mais médicos altamente especializados do Caribe, rogai por nós.
Vós com as centelhas de sua chama abrasadora deverá - num só lampejo - ter limpado todas as fachadas de prédios, casas e monumentos da cidade conspurcadas pela poluição, enquanto a população orante lhe diz rogai por nós.
Vós pagastes todas as contas atrasadas das universidades e aumentastes todas as verbas das mesmas : rogai por nós.
Vós aumentastes milagrosamente o número de empregos, diminuístes o número de assassinatos, aumentastes o salários dos professores rogai por nós.
Passastes também pelo Hospital Regional?
E nas escolas recentemente ocupadas?
E Por Curitiba, perto da redentora água da Lava Jato?
De qualquer forma, Santa Tocha, Peregrina e Salvadora, respeitosamente lhe peço : rogai
por nós...

James Pizarro