sexta-feira, 31 de agosto de 2012

UM AZARADO - James Pizarro


Julio Soares, 31 anos, morador de Florianópolis foi preso e levado para Cuiabá, em Mato Grosso. E lá ficou preso durante um ano e seis meses.
Não adiantou dizer que era casado, emprego fixo, sem antecedentes e que nunca tinha ido a Mato Grosso.
Só agora, depois de preso 18 meses, a verdade veio à tona. O irmão dele, Josiel Eliel Soares, depois de ter cometido um furto a banco em Barra do Garças, a 500 quilômetros de Cuiabá, identificou-se à polícia como sendo Julio Soares. Com este nome foi condenado a quatro anos de cadeia.
Julio Soares foi posto em liberdade em Mato Grosso.
Não tem dinheiro para voltar para Florianópolis.
Ficou sem emprego.
Seu irmão, atualmente preso em Camboriu, por outros crimes já o ameaçou de morte.
Apesar disso, se dizendo evangélico, Julio diz que perdoa o irmão e não guarda mágoa.
E como desgraça pouca é bobagem, logo depois de sair da cadeia, tratou de telefonar para a mulher. E ouviu essa resposta :
- Não quero mais saber de ti.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

SAUDOSISMO - James Pizarro

Bar Geaiten do Morisso. Claudio Machado Rizzato, Battistino  Anele e Edifício Taperinha.
Trem Minuano. Zebrinha da Loteria Esportiva no "Fantástico". Hugo da Flauta. Calça Topeka. Tio Santo. Negativo de foto. Tivico. Língua do "P". Sargento "Farol" da Banda do Sétimo. Emulsão de Scott. Abelin assoviador. Coppertone. Claudio e restaurante Moby Dick. Naftalina. Cabaré Balalaika. Dalmo Dikrel. Vera Soares e site Clavedesul. Viagens do Chicotim.
Blusa de banlon.  Gruta Azul. Pílulas de vida do Dr. Ross. Restaurante Gruta da Imprensa. Vemaguet.  "Senadinho" do Clube Comercial. Rural Willys. Garçon"Chico" do Clube Caixeiral.
Bobs para o cabelo. Trem Húngaro. Piadas de caserna das "Seleções". Revista "Realidade". Papel carbono. Trem "noturno" para Porto Alegre. Xampu de ovo. Revistaria da gare da estação ferroviária.
Elefantinho da Shell. Stand do Wilson na Segunda Quadra da Bozano. Pó compacto Cashmere Bouquet. Matinê dominical das l3h15 do Cine Imperial. Leque feminino. Álbum de figurinhas "Marcelino, pão e vinho". Piteira para cigarros. Cabaré da Valda. Atirei o Pau no Gato. Retreta na praça Saldanha Marinho. Óleo Singer. Central de Máquinas. Disco de 78 rotações. Relojoaria Péreyron. Cobertor Sonoleve. Casa Feira das Sedas. General Osvino Ferreira Alves.Sabonetes Madeira do Oriente. Sibrama. Modess Pétala Macia. Calçados Morisso. Vidal Castilhos Dânia. Elevador Ótis. Brim Coringa Sanforizado. Bel Som. Pyrex. Livraria Dânia. Roy Rogers. Casa Escosteguy. Buck Jones. Casa "A Facilitadora".  Gabriel Abbott.  Tarzã. Guarany Atlântico.
Corante Guarany. Bibelô. Bidê. Revista Intervalo. Revista Sétimo Céu. Revista Grande Hotel. Revista "O Cruzeiro". Heitor Silveira Campos. Revista do Globo. Relógio Cuco. Deocleciano Dornelles. Bomba de Flit. Mimeógrafo. Toca discos. Caminhão FNM. Dom Antônio Reis. Flâmula. Monark. Pneu Balão. Jardim Tropical ao lado da catedral. Clubes de basquetes Atlético e Irajá.
Camisa Volta ao Mundo. Café Visita. Amigo da Onça. Café Cometa. Repórter Esso. Goma Arábica. Montanha Russa.Casa Cristal. Fanha. Tivico. Quinquinha.
Sapato Vulcabrás. Neocid. Vasco "Capitão Caraguatá" Leiria. Enciclopédia Barsa. Tesouro da Juventude. Clube Juvenil Toddy. Escola de datilografia da Olga. Corte meia cabeleira. Corte Principe Danilo. Cabaré da Valda e da Geni. Casa das Malas. Joalheria Troian.
Binaca. Envelope verde-amarelo para correspondência aérea. Alpargatas Roda.
Monóculo com foto. Bombril na antena. Enceradeira. Fotonovela. Decalque.
Araldite. Simca Chambord. Galocha. Chaveiro com pé de coelho. Meia-sola. Grupo de Vanguarda Cultural.Farol.  Crocante. Tio Santo. Bloco de Carnaval "Bota que eu bebo".
Máquina de moer carne. Sabonete Eucalol. Maiôs Catalina. Varig na Noite. Casa Aronis.
Sabão Rinso. Dedal. Uniforme de Gala.  Glostora. Leite de Rosas. Leiteiro. Fábrica de Mosaicos  Ângelo Bolsson.
Jogo de futebol de botão puxador. Mingau de aveia Quaker. Jeca-tatu. Saci-pererê. Reizinho.
Drops Dulcora. Penico.Cartão de Natal. Mercurocromo. Espiral contra mosquito.Antoninho-faz-tudo. Bentinho do Carmo Machado. Engole-sapo.
Talha. Filtro de Barro. Calça Far-west. Toca-fitas. Aqua Velva. Soldadinho de chumbo. Topo Gigio. Os Sobrinhos do Capitão. Kichute. Conga. Tênis Bamba. Manilhas Kozoroski. Casa Herrmann.
Ovo de madeira para cerzir meia.  Crush. Cyrillinha. Bambolê. Sabonete Lever.
Instituto Universal Brasileiro. Tigre da Esso. Calçadeira. Slide. Quinta Seibel.
Três em Um. Roupa engomada. Revista do Rádio. Cadernos do MEC. Cadernos Avante.  Clube do Bolinha. Casinha na árvore. Cadeiras na calçada. Velar o defunto em casa. Seringa de vidro para dar injeção. Suadouro contra gripe. Escaldapé. Biliquê contra gonorréia.
Rodelas de batata inglesa na testa contra dor-de-cabeça. Gemada com canela.
Manta de lã contra cachumba. Entregador de vianda.
*Se você tiver conhecido mais de 90% disso tudo, certamente terá mais de 70 anos...

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

COCÓ, A PATA DE ESTIMAÇÃO - James Pizarro

Corria a década de 50. Eu estudava no curso primário (hoje, ensino fundamental) do Grupo Escolar João Belém. A diretora era a professora Edy Maia Bertóia. Depois substituída pela professora Diquel Siqueira.
Os tempos eram difíceis. Meu pai trabalhava em dois empregos. Minha mãe fazia doces para fora. Meu avô, ferroviário, sempre ajudava. A Viação Férrea do RGS naquela época estava no auge e seus funcionários ganhavam os mais altos salários da cidade.
Meu pai estava construindo uma casa com todas as dificuldades inerentes a um funcionário público que se metesse numa empreitada dessas.
No nosso pátio tinha horta, canteiro de flores, duas cabritas (passei minha infância tomando leite de cabra), dois cachorros, um gato, uma caturrita, laranjeiras, bergamoteiras, figueira, limoeiros, bananeiras. E tinha um grande galinheiro, com mais de 100 galinhas, cujos ovos eram recolhidos diariamente.
No pátio, criada livremente a meu pedido, andava feliz uma pata simpaticíssima chamada por mim de "Cocó". Foi um dos meus primeiros animais de estimação. A pata andava atrás de mim por onde eu andasse, emitindo o som característico da sua espécie.
Quando as finanças apertaram na parte final da conclusão da construção da nossa nova casa, meu pai anunciou que - para fins de economia na compra da carne - passaríamos a comer as galinhas todas, o que realmente ocorreu. Era galinha frita, galinha na panela, risoto, pastelão de galinha desfiada. Isso me fez enjoar tanto de carne de galinha que até não gosto de comer dessa carne.
Num domingo, chegando da missa na catedral diocesana de Santa Maria, onde sempre ía em companhia de minha avó, achei estranho a "Cocó" não ter me esperado no portão como sempre fazia.
Na hora do almoço falei sobre o desaparecimento da pata e veio a verdade nua e crua, anunciada por minha mãe : "Teu pai mandou matar e assar a Cocó".
Saí vomitando pelo pátio, chorando e, aos gritos, maldizendo a família inteira.
Não comi naquele maldito domingo.
Até hoje, mais de meio século depois, lamento não ter uma foto com a minha patinha "Cocó".
Devo ter sido o único menino do mundo que chorou pela morte de uma pata.
Desde aquela época eu já era uma pessoa esquisita...

terça-feira, 21 de agosto de 2012

INFÂNCIA SEPULTADA - James Pizarro

*Crônica publicada à pág. 4 do jornal "A RAZÃO", de Santa Maria, RS, edição do dia 22 de agosto de 2012.
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Plenário rejeitou emendas que ampliariam alcance dos royalties a qualquer elemento que agregasse valor a produto oriundo da biodiversidade. Foto de Luis Macedo/Câmara dos Deputados.

Proposta facilita a pesquisa de plantas e animais nativos, de forma a incentivar a produção de novos fármacos, cosméticos e insumos agrícolas. Haverá compensação a comunidades tradicionais que disponibilizarem à indústria seu conhecimento sobre o uso de recursos do patrimônio genético.
O Plenário da Câmara dos Deputados concluiu a votação do projeto de lei da biodiversidade (PL 7735/14, do Poder Executivo), que simplifica as regras para pesquisa e exploração do patrimônio genético de plantas e animais nativos e para o uso dos conhecimentos indígenas ou tradicionais sobre eles.
Na noite desta segunda-feira (27), foram aprovadas 12 das 23 emendas do Senado ao projeto. A matéria será enviada à sanção.
A principal emenda aprovada proíbe empresas sediadas no exterior e sem vínculo com instituições nacionais de pesquisa científica e tecnológica de conseguir autorização para acesso ou remessa ao exterior de patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado.
Alcance dos royalties
Entre as emendas rejeitadas estão aquelas que pretendiam permitir a consideração de qualquer elemento que agregasse valor ao produto acabado – produto oriundo de acesso ao patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado – como passível de gerar repartição de benefícios, uma espécie de royalty a ser pago por esse acesso.
“A repartição de benefícios deve ocorrer quando realmente a biodiversidade brasileira for essencial ao novo produto”, afirmou o relator do projeto, deputado Alceu Moreira (PMDB-RS).
Segundo o relator, se a emenda fosse aceita, elementos secundários de certos medicamentos poderiam fazer com que fosse exigido o pagamento de royalties.
Acordo setorial
Outras duas emendas aprovadas especificam que a possibilidade de diminuição, para até 0,1% da receita líquida, do royalty devido ocorrerá por meio de acordo setorial somente quando se tratar de conhecimento tradicional associado de origem não identificável.
Esse conhecimento não pode ser objetivamente atribuído a determinada comunidade.
A Câmara aceitou ainda sugestão do Senado para incluir o agricultor familiar na definição de agricultor tradicional, aquele que usa variedades tradicionais locais ou crioulas ou raças localmente adaptadas ou crioulas e mantém e conserva a diversidade genética.
Perdão de dívidas
De acordo com o projeto, haverá perdão de dívidas com multas por irregularidades em relação às regras anteriores se vinculado ao cumprimento de um termo de compromisso da regularização do acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado realizado em desacordo com as regras atuais.
Há vários valores de multas definidos em decreto, conforme a gravidade da infração, variando de R$ 10 mil a R$ 15 milhões para empresas.
Segundo o governo, as ações de um núcleo temporário de combate ao acesso ilegal ao patrimônio genético, que atuou em 2010, resultaram em multas com valor total de cerca de R$ 220 milhões.
Autorização prévia
Atualmente, o acesso à biodiversidade é regulado pela Medida Provisória 2.186-16/01 e cabe ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) dar autorização prévia para o início das pesquisas por meio de processo que leva tempo e exige grande documentação do pesquisador. Segundo o governo, isso dificulta a pesquisa e o aproveitamento do patrimônio genético, assim como a repartição dos benefícios de produtos originados deles.
De acordo com o projeto, o royalty será de 1% da receita líquida obtida com a exploração de produto acabado ou material reprodutivo (sementes ou sêmen, por exemplo) oriundos de acesso ao patrimônio genético.
Não monetária
A repartição poderá ser também não monetária, por meio de ações de transferência de tecnologia: participação na pesquisa e desenvolvimento tecnológico; intercâmbio de informações; intercâmbio de recursos humanos e materiais entre instituições nacionais e estrangeiras de pesquisa; consolidação de infraestrutura de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico; e estabelecimento de empreendimento conjunto de base tecnológica.
Nessa modalidade, o explorador do produto ou material poderá indicar o beneficiário.
Atividades agrícolas
O texto que vai a sanção inclui os produtos agrícolas e pecuários nas novas regras, especificando que o royalty será devido sobre a comercialização do material reprodutivo (semente, por exemplo) no caso geral de acesso a patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado para atividades agrícolas.
Já a exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo do acesso ao patrimônio genético de espécies introduzidas no território nacional pela ação humana (soja, gado, cana-de-açúcar, por exemplo) será isenta do pagamento de royalty.
A exceção é para a variedade tradicional local ou crioula, aquela tipicamente cultivada pelas comunidades tradicionais, indígenas ou agricultores tradicionais e diferente dos cultivares comerciais.
Royalties serão devidos apenas quando a biodiversidade for essencial ao produto
Os deputados seguiram as indicações do deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), relator do projeto de lei da biodiversidade (PL 7735/14) pela comissão especial, pela aprovação de 12 das 23 emendas feitas pelo Senado. Moreira recusou emendas que propunham o pagamento de royalties sobre qualquer elemento de agregação de valor ao produto acabado se esse produto decorreu do acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado.
“A repartição de benefícios deve ocorrer quando realmente a biodiversidade brasileira for essencial ao novo produto”, afirmou.
Se a emenda fosse aceita, segundo o relator, elementos secundários de certos medicamentos poderiam fazer com que fosse exigido o pagamento de royalties (1% da receita líquida). “É o caso do comprimido de paracetamol, que é revestido com cera de carnaúba, elemento secundário, provindo da biodiversidade, mas sem função primordial no funcionamento do comprimido”, argumentou.
Fiscalização
Moreira também criticou a inclusão, pelo Senado, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como um dos responsáveis pela fiscalização das pesquisas agropecuárias, juntamente com o Ministério da Agricultura. “A fiscalização da atividade agrícola deve ser feita por órgãos afeitos à matéria”, disse.
Prevaleceu o texto da Câmara, elaborado a pedido da Frente Parlamentar Agropecuária, que determina a fiscalização apenas pelo Ministério da Agricultura.
Povos indígenas
Outro ponto criticado pelo relator foi a obrigação de se ouvir populações indígenas e comunidades tradicionais para celebrar acordos setoriais para repartir os benefícios resultantes dos produtos da biodiversidade. “Não é indicado quem são os representantes, isso pode tornar o projeto inexequível”, disse Moreira.
O texto aprovado na Câmara não torna essa consulta obrigatória.
Críticas
Vários deputados defenderam as emendas do Senado ao projeto de lei da biodiversidade. “As emendas do Senado vêm corrigir erros que a Câmara cometeu. E o relatório subtrai o gesto do Senado”, disse a deputada Eliziane Gama (PPS-MA).
Para o deputado Padre João (PT-MG), a indústria não pode usar o conhecimento das comunidades tradicionais, se enriquecer e não aplicar esse enriquecimento para investir no Brasil. “O Senado aperfeiçoou a lei. A nova lei aprovada no Senado garante a repartição dos benefícios”, disse o líder do PV, deputado Sarney Filho (MA).
A deputada Luciana Santos (PCdoB-PE) falou que o texto do Senado ajudaria a defender o meio ambiente. “É a defesa aqui do meio ambiente que combina com a defesa da biodiversidade brasileira.”
O deputado Ivan Valente (Psol-SP) considerou que a proposta aprovada na Câmara é mais restritiva. “O conhecimento tradicional não é só de agricultor, é também de indígena e de comunidades tradicionais como os quilombolas”, disse, em relação à inclusão de agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais entre os que contariam com a isenção no pagamento de repartição de benefícios.
Informações da Agência Câmara Notícias, publicadas pelo Portal EcoDebate, 28/04/2015

APRENDENDO COM A VIDA - James Pizarro

Aprendi que eu não posso
Exigir o Amor de ninguém.
Posso apenas
Dar boas razões
Para que gostem de mim.
E ter paciência
Para que a Vida
Faça o resto...

MATHIAS, O FRACASSADO - James Pizarro


Mathias andava nervoso.
Cheques sem fundo.
Projetos malogrados.
Dor na coluna.
Iminência de perder a esposa.
Sensação de uma vida fracassada.
Os amigos andavam preocupados.
Dirigia como um louco pelas ruas de Santa Maria, RS.
Num dia de abafado "Vento Norte", característico da região, foi ao campus da UFSM pela nova estrada asfaltada de Camobi.
Um estudante loiro, do Centro de Artes, ao fazer ultrapassagem por Mathias raspou na lataria de seu carro, danificando-a.
O estudante parou o carro para assumir a culpa.
Mathias, truculento e forte, cobriu o rapaz de impropérios.
E exclamou fora de si :
- Vou te dar um tiro, filho-da-puta !
E deu.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A IRONIA - James Pizarro


Os dois estudaram em grupo escolar municipal.
Fizeram ensino fundamental e ensino médio em escola estadual.
Estudavam em livros na biblioteca pública.
Fizeram universidade pública. Ele trabalhando em três empregos. Ela em dois.
Trabalharam duro nas férias durante anos a fio, enquanto os colegas íam para a praia.
Ou ficavam vadiando pelos bares. Bebendo. Jogando sinuca.
Roupas modestas. Dinheiro curto e economizado tostão a tostão.
Com as economias compraram móveis usados. Montaram seu lar num chalé de madeira.
O único com aluguel compatível.
E casaram.
Formados, fizeram concurso público. Conseguiram mais de um emprego.
Nos quais trabalharam em 3 turnos durante quase meio século.
Sem jamais faltar ao trabalho. Ou tirar licença para tratamento de saúde.
Filhos formados e casados, foram morar na praia. Passar seus últimos anos na praia. Já que esta lhes foi negada na juventude.
Os filhos, mais de uma vez, já lhes disseram : "Vocês são funcionários públicos, têm o dinheiro certinho no fim do mês...nós somos empresários e profissionais liberais".
Na semana passada, numa conversa com vizinhos, ele criticou a política clientelista e assistencialista que se instalou no Brasil.
Bem informado, ele citou a estatística publicada recentemente (outubro de 2008) pelo Banco Mundial, onde o Brasil figurava no décimo quinto lugar entre 19 países latino-americanos avaliados em termos de oferta e universalidade de acesso à educação.
Como a discussão esquentou, uma das vizinhas disse :
- O Sr. é um burguesão !!!
Ele lembrou de todo o passado de luta dura. E sentiu um nó na garganta.
Despediu-se e foi andar na praia, de mãos dadas com a companheira.
Uma solitária lágrima escorreu-lhe pela cara.
Enquanto uma linda gaivota cortou o ar.

sábado, 18 de agosto de 2012

AS BOMBINHAS DA DONA NÍDIA - James Pizarro

Corriam os anos 50 e 60. Na esquina da minha casa, cruzamento das ruas Silva Jardim e Dutra Vila, em Santa Maria, existia uma fábrica de café. Eram dois os cafés fabricados. Café Planeta e Café Cometa.
O proprietário era um senhor de origem alemã chamado Osvaldo Eggers,casado com a dona Georgina. Eram pais da Maria Helena, Norma e William.
Maria Helena casou com um famoso engenheiro civil, responsável por centenas de construções na cidade, de nome Altair Celestino Alves. Muito nosso amigo, foi ele quem fez a planta da casa de meu pai.
Norma era casada com um agrimensor de nome Arnaldo Rechia. Possuiam um belo automóvel Simca Chambord, que serviu para transportar a mim e a Vera Maria para a catedral no dia do nosso casamento. Onde casamos no religioso tendo como celebrante o monsenhor Érico Ferrari, nosso grande amigo, poucos meses depois elevado à condição de bispo da diocese de Santa Maria.
William foi meu amigo, mas como era um pouco mais velho, não participava da nossa "panelinha" de conversas na esquina, junto com Délbio, Silas, Cilon, Jorge, Tito Flávio e Betinho.
Tínhamos um vizinho alto, magérrimo, telegrafista da Viação Férrea do RS, de nome Orlando. Casado com dona Nídia. Moravam na rua Senador Cassiano, paralela à Silva Jardim. O pátio nosso e deles eram lindeiros na parte posterior e as famílias eram tão amigas que existia um portão que comunicava os dois pátios. Seu Orlando era asmático e muitas vezes lembro de meu pai, que era enfermeiro, atravessar o portão correndo para socorrer e debelar com injeção de aminofilina (usada à época) a crise de falta de ar do vizinho. Lembro que ele chegou a fazer um implante de placenta na coxa, indicado como novidade para combater a asma, o que me causou grande espanto. Seu Orlando e dona Nidia, ambos falecidos, tinham quatro filhos : Orlane (falecida em Florianópolis, formada em Letras), "Tida" (médica ginecologista, vive em P. Alegre), "Deco" (funcionário público estadual em Santa Maria) e a Nildinha (funcionária estadual da FASE, ex-FEBEM, em S. Maria).
Dona Nídia tinha um carinho especial por mim e foi uma das pessoas mais bondosas que conheci em minha vida. Todos os parentes dela e do marido que moravam em outras cidades, principalmente em Dilermando de Aguiar, hospedavam-se em sua casa, onde recebiam dedicado atendimento. Ela trabalhava incessantemente para atender a todos, lavando roupas em casa, fazendo comidas gostosas e doces que faziam a alegria da gurizada. Nas festas de aniversário ela fazia uma espécie de bolinho de massa recheado de guizado bem temperado e guardava numa bacia esmaltada coberta por pano de prato alvo e úmido. Quando restava metade da bacia ela não deixava mais ninguém pegar e dizia : "estes são para o James porque ele adora e faço para ele". Ela chamava esses bolinhos de "bombinhas". A última vez que vi dona Nídia foi num apartamento do Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo, onde ela estava internada há três meses. Ela exultou de alegria com minha visita. Fiquei de mãos com ela e com aquele sorriso bondoso, de quem aceita a doença e a morte com naturalidade, ela me disse : "Agora nunca mais poderei fazer aquelas tuas bombinhas..."
Délbio Vieira era o meu melhor amigo de adolescência e morava na rua Dutra Vila. Filho adotivo de Crescêncio Vieira, barbeiro conhecido na cidade, estabelecido no famoso Salão Lord, na então chamada "Primeira Quadra" da rua Dr. Bozano, hoje "Calçadão". Já idoso e reformado como coronel-bombeiro da Brigada Militar, Délbio veio a saber da existência de seu pai verdadeiro, que era o comerciante Alberi Uglione, um dos sócios-proprietários da UGLIONE AUTOMÓVEIS, célebre revenda dos automóveis Chevrolet. Por estranha coincidência, Alberi era meu padrinho de batismo. Era muito amigo e companheiro de caçada de meu pai. Depois, por estas separações que a vida impõe, as famílias se afastaram e eu cresci como se não tivesse padrinho. Jamais ganhei um só presente de Natal, de Páscoa ou de aniversário de meu padrinho Alberi, já falecido. Por isso, quando meus filhos nasceram tomei o cuidado de convidar para padrinhos apenas parentes (primos e irmãos) para que eles não ficassem com este vácuo que sinto e do qual me ressinto até hoje. Poderia ignorar isso, sonegar esta lembrança, mas nestas minhas memórias pretendo ser verdadeiro. Se as coisas aconteceram assim, porque escondê-las ?
Quanto às "bombinhas" da dona Nidia, ela tinha razão.
Nunca mais as comi.

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AUTOR : James Pizarro

PEDAGOGIA DO HORROR - James Pizarro


Eis alguns procedimentos básicos que as famílias tomam, consciente ou inconscientemente, com seus filhos e netos desde a mais tenra infância...

Permitem que assistam todo tipo de desenho, série ou filme onde ocorrem milhares de tiros, punhaladas, enforcamentos, estupros, roubos, homicídios, uso de drogas, atividade sexual, sadismo, masoquismo,torturas, subornos, adultérios, etc...

Permitem que que as crianças ouçam e prestem atenção nas tragédias e toda espécie de crimes narrados nos grandes telejornais, onde elas aprendem diariamente que nenhum culpado vai preso e se, for menor, nem seu nome e rosto aparece no noticiário (muito embora, ele - menor de idade - possa votar para presidente).

Permitem ver que os políticos dificilmente perdem o mandato mesmo que sejam filmados roubando dinheiro ou escondendo a propina nas meias e nas cuecas, inculcando na cabeça infantil a cultura da impunidade.

Permitem que eles sejam promovidos de ano na escola à força,por ordem governamental, mesmo que não estudem, instituindo a vadiagem como norma e desestimulando os bons alunos que gostam de estudar e que passam a ser motivo de zombaria por isso.

Permitem que as novelas sejam vistas pelas crianças e que ali aprendam todo tipo de deformidade de carater, de comportamento, de moral, de ética, de honestidade, sendo que nas mesmas sempre a sacanagem vence e a puta triunfa.

Permitem sexo explícito em muitos canais e sexo sugerido em programas como BBB, de sabida audiência no meio das crianças, assim como acesso irrestrito aos sites e blogs de pornografia na internet.

Permitem ou não fiscalizam o uso de bebidas alcoólicas e outras drogas em festinhas familiares e escolares, para não falar nos calouros recém-aprovados nos vestibulares e que costumam ficar em coma ou morrer devido à ingestão em excesso de coquetéis químicos.

Terceirizam a educação dos filhos para as escolas, nas quais um professor mal pago e desestimulado é obrigado a tentar educar uma turma de 40 alunos, quando a mãe não aguenta em casa apenas um único filho. E se a professora for dura e quiser implementar uma disciplina férrea, será agredida, perseguida, expulsa ou morta.

Quando essas crianças tiverem 16 ou 17 anos e por acaso conseguirem terminar um supletivo mal feito, os pais - emocionados - dirão : "nossos filhos estão educados".

O menino já terá mestrado em assalto e doutorado em crack.

E a menina já será soropositiva e a putinha mais conhecida da rua.

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FONTE :
Este artigo foi publicado à página 4
do jornal A RAZÃO, de Santa Maria, RS,
edição de 25 de março de 2011.
Autor : James Pizarro

terça-feira, 14 de agosto de 2012

OUSAR...É DISSO QUE A VIDA GOSTA ! - James Pizarro


Este livro é praticamente um registro "tupiniquim" da minha geração, só que escrito sob o ponto-de-vista da juventude norte-americana. Eu, pessoalmente, me identifico demais com o narrador do livro (Sal Paradise) pelo seu amor ao jazz, à literatura e pela vontade de escapar de Santa Maria, RS...e correr o mundo. Se tivesse saído do interior gaúcho, adolescente e sozinho, não sei se estaria ainda vivo. Depois de formado, fui chantageado a ficar,embora tivesse tido oportunidades para uma bolsa de estudos de dois anos na Holanda...depois, um convite para dar aula na Universidade da Paraíba e morar em João Pessoa...depois,ficar em Curitiba dando aula no Cursinho Bardal...e depois...depois...depois... Fui coagido pela família a ficar...enfim, fui domesticado pelo sistema vigente à época. E não culpo ninguém. Pois eu me submeti. Não tinha a devida dose de revolta e loucura. Fiquei a vida inteira numa cidade onde muitos ainda praticam o esporte de cuidar da vida de todo mundo. Convivendo com a inveja, ciume, vaidades, suscetibilidades.  E - principalmente - onde a visão curta de muitas pessoas não lhes permite a pacífica convivência com os diferentes. Isso deve ocorrer em todas as cidades interioranas, eu sei. Tanto é verdade que me tornei um excêntrico,um maldito (no julgamento de muitos velhos da paróquia). Embora fosse considerado um destemido, um desbravador, um polêmico (na visão dos meus alunos). Sempre terei esta dúvida : se fiz bem ou se fiz mal em ficar tanto tempo...rsssss Mas consertei tudo na velhice, abandonando tudo e todos (exceto minha mulher) e vindo morar na praia, com gaivotas livres  e cachorros errantes. Nesta maravilhosa praia de Canasvieiras, nesta mágica ilha de Florianópolis.
Mas voltando ao "ON THE ROAD" :
Sal Paradise é o narrador de On the road - "pé na estrada". Ele vive com sua tia em New Jersey, Estados Unidos, enquanto tenta escrever um livro. Ele é inteligente, carismático e tem muitos amigos. Até que em Nova York ele conhece um charmoso e alucinante andarilho de Denver de personalidade magnética chamado Dean Moriarty. Dean é cinco anos mais novo que Sal, mas compartilha o seu amor por literatura e jazz, e a ânsia de correr o mundo. Tornam-se amigos e, juntos, atravessam os Estados Unidos, deparando-se com os mais variados tipos de pessoas, numa jornada que é tanto uma viagem pelo interior de um país quanto uma viagem de auto-conhecimento - de uma geração assim como dos personagens.
Sugiro a todos os jovens que lêem meu blog a ler este livro.
E se tiverem vontade de ousar ... OUSEM !!! VOEM !!! PARTAM !!!
As estrelas esperam por vocês ...

SINGELA HISTÓRIA DE AMOR - James Pizarro


Funcionária exemplar.
Dedicada à velha mãe.
Adepta do Apostolado da Oração.
Vivia para o trabalho. A igreja. E para cuidar da mãe idosa e doente.
De repente, a vida iluminou-se.
Encontrou um namorado. Sério. Educado. Gentil.
Homem que revolucionou sua vida.
Que a fez mudar de estilo de roupas. Visão de mundo. Prazer em viver.
Belo dia, instalou-se nela a depressão. Melancolia extrema. Silêncio.
A colega mais curiosa perguntou-lhe se o namorado tinha falado em casamento.
Ela respondeu :
- Sim.
E completou :
- Falou que era ...casado !!!

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

LUIZINHO DE GRANDI...O QUE SERIA !? - James Pizarro

Tinha eu 16 anos quando o Edmundo Cardoso foi diretor do jornal "A RAZÃO", em sua antiga sede, à praça Saldanha Marinho. Fui contratado pelo Cardoso como revisor do jornal, indicado pela professora de português do MANECO. Lá ficava eu até de madrugada, sentindo o cheiro do metal das velhas e barulhentas linotipos. A chamada "prova" (texto recém saído da máquina e por ser ainda corrigido) me era trazida lá do fundo das oficinas pelo amigo Bilibio, um dos talentosos gráficos da empresa.

O Nestor Calcagno já escrevia sobre as Forças Armadas. O Bento do Carmo Machado, popular "Bentinho", escrevia sobre futebol amador. O Amauri Fonseca era o secretário do jornal. E frequentavam a redação o Dr. Amauri Lenz, o Dr. Romeu Beltrão, o Prado Veppo e um sem número de figuras importantes da cidade. O Dr. Amauri escrevia uma crônica semanal chamada "As Semanais", que o Cardoso espirituosamente chamava de "as Seminais". O Dr. Beltrão trazia pessoalmente as suas crônicas. Como ele escrevia muito para o jornal e mais de uma vez por semana trazia suas produções, quando adentrava na sala de redação com seus passos lentos e sua cara sempre séria, o Cardoso espiava da sala de direção e dizia : "Lá vem o Beltrão, com a cagagésima crônica dele".

O Cardoso sempre me recomendava : "Pode sair qualquer coisa errada que tu tens o meu perdão, mas os artigos do Dr. Assis Chateaubriand não podem ter jamais um só erro". Para os mais moços, o Dr. Chateaubriand era o poderoso dono e presidente dos famosos "Diários e Emissoras Associados", empresa à qual pertencia o jornal "A RAZÃO" e responsável por uma fantástica rede de jornais ("Diário de Noticias", de P. Alegre, era um dos mais famosos), revistas (onde despontava a revista "O CRUZEIRO", que foi a revista de maior tiragem da América Latina). Depois veio a TV Tupi, a primeira delas no Brasil e suas retransmissoras, entre as quais a TV Piratini, em P. Alegre. Numa fantástica noite de cansaço, revisei mal o artigo do "poderoso chefão" da empresa...e perdi meu emprego. Lembro bem da frase : "o Presidente da República inaugurou a usina em Pernambuco" e, por descuido meu, o jornal estampou no outro dia "o Presidente inaugurou a URINA em Pernambuco". Sem querer fazer trocadilho, tomei uma mijada do Cardoso e fui despedido.

Muitos anos depois , com jornal já comprado pelo querido amigo Luizinho de Grandi, voltei a colaborar com o mesmo durante quase três décadas, auxiliando no fechamento do jornal na feitura de manchetes. O Luizinho ou o Gaspar Miotto (que está aí bem vivo e pode confirmar) me pediam, enquanto eu tomava chimarrão, para escrever uma manchete com um número "x" de letras para que a diagramação do título ficasse perfeita. Convivi nesse período com centenas e centenas de pessoas, não só colaboradores, articulistas, cronistas, empresários, anunciantes, publicitários, etc...como também a turma dos primeiros estagiários do curso de jornalismo da UFSM. Evito de citar seus nomes não por esquecimento. Ao contrário, lembro de centenas de nomes, muitos deles já falecidos. Mas fico com receio de esquecer de alguém e certamente o espaço não seria suficiente.

Está por ser escrita ainda a história do jornal A RAZÃO. Não apenas uma monografia ou singela tese de mestrado. Mas um livro de memórias mesmo, um livro de História, volumoso, alentado, com centenas de fotos. Porque a história de Santa Maria se confunde com a história do jornal. A própria fundação da UFSM deve muito ao suporte que o jornal lhe deu, pois era com uma pasta de recortes de reportagens sobre a UFSM que o Dr. Mariano da Rocha Filho percorria os gabinetes em Brasília articulando apoios e convencendo autoridades e políticos. Dezenas de jornalistas hoje conceituados no Brasil passaram pelas mesas de redação de A RAZÃO, numa época onde nem se sonhava com computadores e gravadores.

Enfim, mesmo longe de Santa Maria e radicado na ilha de Florianópolis, meu coração ainda bate forte quando me lembro das histórias ligadas ao jornal. Registro uma carona que o Luizinho me deu da redação do jornal até à praça Saldanha Marinho. Ele já estava atrasado para começar seu expediente na SUCEVE onde também trabalhava. Ao sair do carro, apressado, ele me disse : "James, preciso te contar uma coisa importantíssima, mas deixa para o churrasco de sexta lá na churrasqueira do seu Alfeu". Dois dias depois ele foi assassinado.

Nunca saberei que coisa o Luizinho queria me contar...

A SERPENTE NO MEIO DA GRAMA - James Pizarro

Poucas pessoas usam ou usaram o termo "caroável", que significa amável, afetiva, carinhosa.
Só conheço um texto onde aparece esta palavra.
É um poema chamado "Consoada". E seu autor é Manuel Bandeira.
É um texto que trata da morte. Vale a pena reproduzí-lo aqui :

"Consoada

Quando a indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar."

Lembrei imediatamente deste poema quando recebi telefonema de Santa Maria avisando que minha mãe está com febre, diarréia, abatida. Desanimada, aos 90 anos.
Espero que tudo evolua para melhor durante o dia de hoje. E que a noite, "com seus sortilégios", seja "caroável".
E se enche de estupor.
E medo.Já passei pela experiência de várias mortes familiares. Pai. Sogros. Avós. Tios. Sobrinhos.
Sei bem ouvir o farfalhar da serpente no meio da grama.
O ar abafado. O presságio. O pessimismo.
O sentimento é duma melancolia impotente.
Rogo a Deus que seja mais um engano.
Um aviso falso. Uma brincadeira da "indejável das gentes".
Mas meu coração se oprime.

MORREU "JB"... - James Pizarro

Morreu em 31 de agosto de 2010,
aos 119 anos de idade,
depois de insidiosa moléstia econômica
o "Jornal do Brasil".
Mais conhecido pela alcunha de "JB",
alquebrado e esquecido,
finou-se aos poucos
sem receber auxílio de ninguém.
As patricinhas de outrora
- hoje vetustas senhoras que sacodem suas graxas
e que disputavam a tapa uma fotografia
na coluna do Zózymo Barroso do Amaral -
se lembraram do velho "JB" ?
Os políticos - que bajulavam a condessa Pereira Carneiro, sua proprietária -
mandaram uma miserável coroa de flores baratas e murchas ?
Os cursos de jornalismo terão lembrado ?
As belas estagiárias das redações saberão sua história ?
Talvez Carlos Drummond de Andrade,
nosso poeta maior,
- que durante décadas publicou seus poemas nas páginas do "JB" -
tenha chorado pela sua morte
em algum canto do céu.
O mais triste de tudo
é que Drummond não acreditava em céu.
O que torna a morte do "JB"
ainda mais melancólica...

sábado, 11 de agosto de 2012

DIA DOS PAIS - James Pizarro

Meu pai sempre deixou claro que gostava mais do ano novo do que do Natal. Questão de temperamento ou motivos cristalizados na sua infância, não gostava do Natal. Também não era de frequentar igreja. Minha mãe acompanhava sua opinião. Mas a gente tinha a entrega de presentes e os protocolares cumprimentos. Vez por outra, minha irmã puxava uma reza.
Muitas vezes, devido ao orçamento apertado, ganhei sapatos, roupas e material escolar ao invés dos presentes que realmente eu gostaria de receber. Eu ganhava coisas que obrigatoriamente deveria receber para meu dia-a-dia. Não eram, de fato, o que uma criança considerava "presente". Foi uma época dura. Meu pai levou anos a fio para construir a casa. E eu não reclamava. Pois entendia o sacrifício. Mas ficava chateado. Minha avó Olina, sim, sempre dava presentes do meu agrado.
Anos depois, quando comecei a namorar quem viria ser minha mulher, passei a ter uma idéia diferente do Natal. Morava junto na casa dela a vó Elvira Grau, com mais de 80 anos. Luterana, como Edith, minha sogra. Ela tocava órgão aos domingos no culto da igreja luterana de Santa Maria,RS, a primeira igreja alemã do Brasil a ter sinos em sua torre. Na noite de Natal, o coral da igreja luterana visitava a casa dos mais idosos da comunidade alemã. E entoava lindas canções em alemão. E faziam orações. Minha sogra partilhava com os visitantes cucas, doces feitos com esmero, habilidosa doceira que era. Eles comiam rapidamente, pois tinham de cantar em muitas casas e a noite era curta.
Vera Maria, inspirada na educação dada pela mãe, sempre cuidou muito da festa de Natal em nossa casa. Muitos dias antes da data ela fazia bolos, doces, cucas. Ficaram famosas as bolachas em forma de estrela com recheio de goiabada, que até hoje ela faz e que tanto sucesso tem no meio de todos. Nossos filhos sempre tiveram pinheirinho, presentes, guirlanda na porta da casa e, quando bem pequenos, até Papai Noel visitava nossa casa. Foram anos felizes.
Não fui um pai perfeito. Fui o pai que eu sabia ser. Mas sempre fui trabalhador. Dava aulas na UFSM. Nos cursinhos. Fazia palestras. Às vezes, falava mais do que 10 horas por dia. As crianças puderam ter sempre alimentação farta. Frequentaram os melhores clubes. Pude lhes dar cursinho pré-vestibular de excelente qualidade. Passaram no vestibular no primeiro exame feito. Entregamos ao mundo uma fonoaudióloga, uma fisioterapeuta e um assistente social. Claro, a virtude da formatura é devida ao talento e esforço deles. Certamente não tivemos ingerência alguma, pois se tivessem nascido em outra casa e com outros pais também teriam alcançado o mesmo êxito.
Tive meus equívocos comportamentais. Quando pai moço. E mesmo como pai já velho. Errei muito. Mas acertei muito também. Vera Maria terminou o curso de Educação Física depois do nascimento dos três filhos. Foi dureza. Foi diretora de uma das maiores escolas públicas da cidade. Mãe dedicada, usava todo seu salário para comprar roupas e presentes para os filhos. Enquanto com meus proventos cuidava de sustentar a casa. Minha mãe e minha sogra ajudaram valiosamente na retaguarda da criação dos nossos filhos quando pequenos, porque eu e Vera Maria trabalhávamos. Isso foi possível porque sempre moramos na mesma cidade. Tivessemos optado por morar distante teríamos mais dificuldades.
Fruto de luta, acertos e erros, encontros e desencontros, fizemos a nossa parte. Lembro das palavras da reitora da UNIFRA, ao me cumprimentar, por ocasião da formatura do nosso filho : "Sua família pertence ao fechado clube brasileiro onde o pai, mãe e todos os filhos têm curso superior".
Os anos passam. As dificuldades financeiras maiores passaram. Lutamos duro para isso. Por generosidade de Deus estamos com saúde e morando na praia, um sonho de décadas.
Alguns familiares estranham nossa decisão de não viajar mais, a não ser em último caso, por doença ou morte. Mas deixamos bem claro aos filhos e aos cinco netos que temos e teremos sempre a imensa alegria de receber a todos aqui na praia, em nosso apartamento.
Temos o direito de descansar. Fazer programas de vida para os últimos anos. Somos idosos. Mas com saúde mental suficiente para traçar nossos destinos.
No "Dia dos Pais" e "Dia das Mães", sempre vamos à missa na matriz de Nossa Senhora de Guadalupe. Como sempre fazemos, vamos apenas agradecer. Não pediremos nada para nós. Mas vamos pedir pela saúde dos nossos filhos e netos. E rezar pelas almas de meu pai, sogros, avós e demais parentes falecidos.
E no almoço que faremos recordaremos muito dos almoços antigos. E nosso tempo de crianças. Quando, tementes a Deus, honrávamos pai e mãe. Sem jamais erguer a voz para eles. Quanto mais criticá-los.
E certamente  lembraremos dos cânticos alemães da vó Elvira. E dos cabelos loiros e olhos azuis da vó Olina.
Era uma época em que a gente era muito feliz.
E não sabia.

UMA NOITE MÁ - James Pizarro

Era domingo de manhã. Eu havia chegado tarde da noite. Era 14 de junho de 1965. Morava separado da casa da família. Numa espécie de galpão no fundo do pátio. Onde ficava assegurada minha privacidade.
Acordei pelas 8h da manhã com os gritos da minha mãe. Que esbordoava a porta do meu quarto.
Meu avô morava na casa ao lado. Estava caído no chão da cozinha.Gemia com muita dor no peito.
Chamamos um taxi, naquela época chamado de "carro de praça". Levado ao hospital, foi sedado. E iniciaram os exames para o diagnóstico. Só à noite descobriram que era um aneurisma na aorta. Que estava por rebentar. A única solução era uma cirurgia heróica.
Minha avó estava desesperada. Amava meu avô. O cirurgião disse que tínhamos de providenciar doadores de sangue naquela hora. Pois não existiam bancos de sangue na cidade.
Enquanto minha namorada ficava no hospital, fui para a rua à cata de doadores.
Consegui alguns nos quartéis da cidade. Mas eles foram desnecessários.
Mal a operação havia iniciado, a aorta rompeu-se e esguichou sangue por todo o bloco cirúrgico.
Meu pai, enfermeiro, auxiliava na cirurgia como instrumentador.
Quando subi ao segundo andar da "Casa de Saúde", em Santa Maria, RS, eu o vi com o avental ensanguentado. E os médicos também. Meu pai chorava.
Eu tive a péssima idéia de entrar no bloco cirúrgico enquanto retiravam o cadáver de meu avô.
Duas funcionárias já providenciavam na limpeza. O local me pareceu mais um abatedouro. Como se tivessem sangrado um porco.
Quando desci ao térreo, minha mãe estava desolada. E me disse : "Tu és a pessoa mais ligada com a tua avó, tu tens de contar pra ela".
Coube a mim, o neto predileto, contar para minha amada avó.
Ela se agarrou a mim. Ficou muda. Com olhar de espanto.
Nunca haverei de me esquecer daquela noite. O carro fúnebre levando o corpo do meu avô para casa. Porque naquela época os corpos eram velados em casa. O carro subindo a avenida Rio Branco, coberta de densa cerração. E minha avó, com a cabeça deitada em meu ombro, soluçando, num taxi que nos levava. Porque ninguém da família possuía carro.
Daquela hora em diante, eu e minha namorada - com quem eu casei - ficamos exclusivamente cuidando da minha avó. O enterro teve grande acompanhamento, pois meu avô era muito querido no meio dos ferroviários. No Clube de Atiradores Santa-mariense. No grupo de bolão "7 de setembro". Na Igreja Católica, onde ele fazia parte dos Vicentinos.
Eu não fui ao enterro. E nem deixei minha avó ir.
Vi aquela enorme fila de carros atrás do carro fúnebre subindo a rua Silva Jardim.
E ficamos em casa eu, minha namorada e a vó Olina.
Ela apertou minha mão e me disse que não podia haver coisa mais triste do que aquela.
Anos depois eu ficaria de mãos com ela na hora de sua morte.
E nestes dois últimos anos morreram meu pai e meus sogros. E por último, minha mãe.
Tempos mais modernos. De se morrer sozinho no CTI, UTI ou UNICOR.
Ouvindo ruídos de eletrocardiógrafos. Respiradouros artificiais. Tubos de oxigênio no máximo de sua pressão. Murmúrios de vozes. Rostos estranhos. Máquinas que tentam fazer o impossível.
Sem ninguém para apertar suas mãos.
Como provavelmente também morrerei eu.
Ah...lembrei que tenho um neto que está no terceiro ano de Medicna na UFSM.
Com um pouco de sorte quem sabe ele esteja por lá. Para agarrar minha mão.
Enquanto a vida se esvai como o som duma flauta...

QUANDO EU NÃO ESTIVER MAIS POR AQUI - James Pizarro

A ilha é linda.
A ilha é mágica.
Mas neste momento fico triste.
Bate uma saudade do meu pai morto.
Que se faz mais dias sem sol a gente fica soturno.
Sombrio por dentro mais do que nunca.
Bate uma saudade dos barrancos da Silva Jardim.
Onde fui guri.
E sonhei ser desenhista.
E clarinetista de banda de jazz.
E acabei fazendo tudo pelo avesso.
Embora tenha me realizado na plenitude como professor.
Não saberia fazer melhor outra coisa do que falar.
Passar adiante conhecimentos.
Mas bate uma saudade dos meus tempos de guri mesmo.
Quando eu acreditava em bruxas.
E pensava que meu pai era imortal.
Hoje - perplexo diante da velhice -
Sinto o tempo encurtar.
E bate até uma saudade de tudo que me cerca hoje.
E uma inveja do tempo futuro.
Quando não estarei mais por aqui...

MEU PAI - James Pizarro

Meu pai, Alfeu Pizarro, foi um dos primeiros enfermeiros de Santa Maria. Naquela época não existiam os cursos de enfermagem. E nem de técnicos em enfermagem. Eram ministrados cursos rápidos, de algumas semanas, e eram nomeados pelo presidente Getulio Vargas com uma portaria declarando-os "práticos-licenciados". Estou falando dos anos 40 e anos 50. Os dois primeiros enfermeiros dos quais tenho notícia em Santa Maria foram meu pai e o seu companheiro Olmiro Vargas, de apelido "Varguinhas".
Meu pai trabalhou no Centro de Saúde 7, que funcionava à rua do Acampamento, no prédio onde hoje está a Sociedade Italiana. Ali ele foi responsável, por mais de 40 anos, pela "Sala de Vacinação". Lembro de alguns colegas dele, embora eu fosse um garoto : Julinha Nunes da Silva (servente), Tolentino (portaria), Vicente de Oliveira (de apelido "Vicentão", do qual eu ganhei meu primeiro livro de presente, "As Aventuras de Tibicuera", de Érico Veríssimo), Dona Maria (do Raio-X), Dr. Massot e Dr. Izidoro Lima Garcia (pai), médicos que chefiaram aquela repartição, etc...
Além de trabalhar no Centro de Saúde, meu pai trabalhou no SAMDU-Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência, uma criação do presidente João Goulart, uma das coisas mais sérias que já existiu no Brasil em matéria de assistência pública. Meu pai participou da equipe do SAMDU desde a sua inauguração, tendo por chefe o médico militar, baiano, Dr. Raymundo Braga.
Depois dele, o chefe do Posto 4 do SAMDU em S. Maria, foi chefiado pelo Dr. Clândio Marques da Rocha, onde eu fui seu auxiliar administrativo, depois de ter prestado concurso público entre mais de 150 candidatos e ter tirado primeiro lugar. Ali convivi com cerca de 100 funcionários (médicos, enfermeiros,auxiliares de enfermagem, motoristas, porteiros, atendentes, serventes, burocratas). Além do Dr. Clândio, pelo qual tenho imenso carinho (fez um horário especial para que eu pudesse fazer meu curso de Agronomia na UFSM), lembro de quase todos : Dr. Ronald Bossemeyer, Dr. Eugênio Streliaev, Dr. Agostinho, Dr. Meyer, Dr. Oz, Dr. Mazza,etc...
De sorte que meu pai trabalhava durante o turno diurno (no Centro de Saúde) e 15 vezes por mês também acumulava o trabalho do período noturno (no SAMDU). Eu o via, portanto, muito pouco. Além disso, tinha os clientes particulares, geralmente pessoas da alta sociedade, que o contratavam para que ele desse injeções a domicílio.
Era uma vida dura. Criou a mim e minha irmã de forma digna. Conseguiu formar os dois. E levou quase 8 anos para construir uma casa própria, de alvenaria.
Uma coisa que meus amigos sempre invejaram na minha vida estudantil era o fato de meu pai, embora de precária situação financeira, ter aberto uma conta com crédito ilimitado na Livraria do Globo, cujo gerente era o Seu Valdemar Cavalheiro. Graças a isso eu pude ter uma biblioteca com mais de 600 volumes. Graças ao sacrifício do meu pai. Lembro bem de que eu já tinha casado quando meu pai conseguiu quitar toda a conta dos meus livros.
Aos 84 anos fez uma cirurgia cardíaca para correção duma anomalia nas válvulas do coração. Operou-se numa quarta-feira. Ao entardecer do domingo (9 de maio de 2004) , quatro dias depois, faleceu com ruptura da aorta abdominal. Foi velado na sala de sessões da Câmara de Vereadores, ex-vereador e vereador emérito da cidade que era. Sua morte teve ampla divulgação pela imprensa, pois liderava o movimento da Terceira Idade e era pessoa com livre trânsito na mídia. Seu enterro teve enorme acompanhamento de idosos, políticos, sacerdotes,amigos, vizinhos, público em geral.
Foi um grande homem.
E um pai fora-de-série.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A CENSURA ESTÁ VOLTANDO !? - James Pizarro

No segundo governo Lula foi mandada uma medida provisória para o Congresso que nada mais nada menos era do que uma draconiana lei de censura à imprensa brasileira. A coisa era tão violenta e tão escarradamente antidemocrática que os congressistas rejeitaram a mesma, embora grande número de jornalistas simpatizantes do PT tenham ficado no mais absoluto silêncio.

De lá para cá tem havido sempre escaramuças contra a liberdade da imprensa. Cito dois casos recentíssimos : foram censurados os livros sobre Garrincha e sobre Roberto Carlos.

Não ouvi  e nem li nenhum protesto de jornalistas e de escritores !

A censura está voltando !?