segunda-feira, 21 de maio de 2018

A BANDA DO MANECO RESISTE BRAVAMENTE - James Pizarro (crônica do dia 22.5.2018 no DIÁRIO, S.MARIA)


A história da banda do Maneco está indelevelmente ligada ao nome do ex-aluno Roberto Binato, depois formado médico e professor universitário do Curso de Medicina da UFSM, no Departamento de Biofísica, onde ministrava aulas juntamente com o Dr. Irion. Mesmo cursando Medicina, continuava sendo o responsável pela banda do Maneco, nas funções de “mestre”, uma espécie de maestro que cuidava tanto da coreografia e da disciplina como também dos arranjos musicais e repertório. Era carinhosamente chamado de “Binatão”.
A banda do Maneco chegou a desfilar com quase 200 figurantes, fazendo as chamadas “evoluções” durante o desfile. A evolução que mais agradava e que arrancava delirante aplauso do público era copiada da Banda de Fuzileiros Navais, do Rio de Janeiro : a banda desfilava formando uma gigantesca âncora, que ocupava uma quadra inteira de rua. A banda viajava muito por todo o RS, a convite de escolas e prefeituras. Em Santa Maria, era convidada a abrilhantar todo tipo de solenidade. Certa feita, no campo de futebol do Riograndense Futebol Clube, completamente lotado, a banda formou - pela primeira vez - a palavra MANECO, numa evolução que comoveu a pais, alunos, professores, funcionários e público em geral.
O Padre Rômulo Zanchi, férreo disciplinador na direção do colégio, exigia que os integrantes da banda apresentassem seus boletins todo santo mês em seu gabinete. Quem estivesse mal de notas era sumariamente banido da banda. O padre Rômulo dizia : “É uma honra tocar na banda e aluno vadio não veste aquele uniforme para representar o Maneco pelas ruas da cidade ! “ Assim é que, nos desfiles da Semana da Pátria ou nos deslumbrantes “Jogos da Primavera”, quando a banda chegava ao centro da cidade, capitaneando os quase dois mil alunos do Maneco, toda o público sabia que ali naquela corporação musical marchava a elite cultural do colégio, representada por seus melhores alunos. Durante duas ou três noites que antecediam ao desfile, alunos e alunas voluntariamente faziam bolhas nos dedos cortando papel laminado para fazer “picadinhos” que eram acondicionados em dezenas e dezenas de sacos de estopa. No dia do desfile, estes alunos e seus familiares postavam-se estrategicamente nas sacadas dos edifícios mais altos da avenida Rio Branco e da rua do Acampamento (o Taperinha era um dos preferidos) e, quando o Maneco começava sua esperada apresentação, os céus do centro da cidade eram tomados por aqueles milhares de “picadinhos” laminados que produziam um efeito espetacular refletindo a luz do sol. Torcidas organizadas berravam sem parar :”Maneco ! Maneco !” Aquelas músicas, marchas e dobrados em furiosa harmonia marcial. O Tadeu com seu garbo de mor da banda. As graciosas balizas (Carmem Helon Mariosi,  Zara Ehlers, Maria do Carmo Irion, além de outras). Aquela multidão. Aqueles papéis picados. Os foguetes. Os gritos. Os aplausos. A cadência. Aquilo tudo era emocionante ! E eu ali no meio da banda, tocando pifaro, E ali fiquei durante seis anos tocando naquela banda. Passando por aquelas emoções que enchiam meu coração adolescente de felicidade e orgulho. Até hoje, aos 75 anos, quando a banda do Maneco passa, eu choro.
A banda hoje está passando por dificuldades, ela que colabora em todos os eventos comunitários de Santa Maria há 60 anos ! Faço uma conclamação ao leitor para colaborar com qualquer quantia.
Pode fazer seu depósito na Caixa Econômica  Federal, Agência 501, Operação 013 (Poupança), Conta 002547509. Ou se preferir, pode depositar na Conta Captação do Banco do Brasil (Lei Rouanet), Agência 01260, Conta Corrente 840696.
Maiores informações : 55.98121.3993/99958.8785. Ou pelo e-mail : bandamarcialdomaneco@gmail.com
Como manequiano ardoroso e ex-integrante da nossa amada banda, antecipadamente  agradeço pela boa vontade do público leitor.  A banda merece.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

HÁ 14 ANOS SEM MEU PAI - James PIZARRO (9.maio.2018)

Meu pai, Alfeu Pizarro, foi um dos primeiros enfermeiros de Santa Maria. Naquela época não existiam os cursos de enfermagem. E nem de técnicos em enfermagem. Eram ministrados cursos rápidos, de algumas semanas, e eram nomeados pelo presidente Getulio Vargas com uma portaria declarando-os "práticos-licenciados". Estou falando dos anos 40 e anos 50. Os dois primeiros enfermeiros dos quais tenho notícia em Santa Maria foram meu pai e o seu companheiro Olmiro Vargas, de apelido "Varguinhas".
Meu pai trabalhou no Centro de Saúde 7, que funcionava à rua do Acampamento, no prédio onde hoje está a Sociedade Italiana. Ali ele foi responsável, por mais de 40 anos, pela "Sala de Vacinação". Lembro de alguns colegas dele, embora eu fosse um garoto : Julinha Nunes da Silva (servente), Tolentino (portaria), Vicente de Oliveira (de apelido "Vicentão", do qual eu ganhei meu primeiro livro de presente, "As Aventuras de Tibicuera", de Érico Veríssimo), Dona Maria (do Raio-X), Dr. Massot e Dr. Izidoro Lima Garcia (pai), médicos que chefiaram aquela repartição, etc...
Além de trabalhar no Centro de Saúde, meu pai trabalhou no SAMDU-Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência, uma criação do presidente João Goulart, uma das coisas mais sérias que já existiu no Brasil em matéria de assistência pública. Meu pai participou da equipe do SAMDU desde a sua inauguração, tendo por chefe o médico militar, baiano, Dr. Raymundo Braga.
Depois dele, o chefe do Posto 4 do SAMDU em S. Maria, foi chefiado pelo Dr. Clândio Marques da Rocha, onde eu fui seu auxiliar administrativo, depois de ter prestado concurso público entre mais de 150 candidatos e ter tirado primeiro lugar. Ali convivi com cerca de 100 funcionários (médicos, enfermeiros,auxiliares de enfermagem, motoristas, porteiros, atendentes, serventes, burocratas). Além do Dr. Clândio, pelo qual tenho imenso carinho (fez um horário especial para que eu pudesse fazer meu curso de Agronomia na UFSM), lembro de quase todos : Dr. Ronald Bossemeyer, Dr. Eugênio Streliaev, Dr. Agostinho, Dr. Meyer, Dr. Oz, Dr. Mazza,etc...
De sorte que meu pai trabalhava durante o turno diurno (no Centro de Saúde) e 15 vezes por mês também acumulava o trabalho do período noturno (no SAMDU). Eu o via, portanto, muito pouco. Além disso, tinha os clientes particulares, geralmente pessoas da alta sociedade, que o contratavam para que ele desse injeções a domicílio.
Era uma vida dura. Criou a mim e minha irmã de forma digna. Conseguiu formar os dois. E levou quase 8 anos para construir uma casa própria, de alvenaria.
Uma coisa que meus amigos sempre invejaram na minha vida estudantil era o fato de meu pai, embora de precária situação financeira, ter aberto uma conta com crédito ilimitado na Livraria do Globo, cujo gerente era o Seu Valdemar Cavalheiro. Graças a isso eu pude ter uma biblioteca com mais de 600 volumes. Graças ao sacrifício do meu pai. Lembro bem de que eu já tinha casado quando meu pai conseguiu quitar toda a conta dos meus livros.
Aos 84 anos fez uma cirurgia cardíaca para correção duma anomalia nas válvulas do coração. Operou-se numa quarta-feira. Ao entardecer do domingo (9 de maio de 2004) , quatro dias depois, faleceu com ruptura da aorta abdominal. Foi velado na sala de sessões da Câmara de Vereadores, ex-vereador e vereador emérito da cidade que era. Sua morte teve ampla divulgação pela imprensa, pois liderava o movimento da Terceira Idade e era pessoa com livre trânsito na mídia. Seu enterro teve enorme acompanhamento de idosos, políticos, sacerdotes,amigos, vizinhos, público em geral.
Foi um grande homem.
E um pai fora-de-série.

terça-feira, 8 de maio de 2018

UM DIA DAS MÃES SEM MÃE - James Pizarro ( crônica do dia 8.5.2018 no Diário de Santa Maria))


Minha mãe se chamava Maria, conhecida por todo mundo pelo nome de Iria. Dona Iria. Minha avó materna, vó Olina, contava que o nome dela era para ser Maria Iria e que meu avô, na hora do registro, esqueceu e registrou apenas como Maria.
Minha mãe estudou todo o Curso Elementar (depois chamado Ginásio e hoje chamado Ensino Fundamental) no Colégio Santa Terezinha (hoje prédio do MANECO), internato e semi-internato mantido pela Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul em sua época áurea. No turno da manhã, minha mãe tinha as disciplinas pertinentes a esse tipo de curso (Matemática, Português, Ciências, Geografia, História, Música, etc...). Pela tarde aprendia bordado, tricô, tocar violino, educação física, etc...Minha mãe sempre dizia que as freiras do Santa Terezinha usavam a frase : "De manhã se educa a mente e a alma, pela tarde se educa o corpo".
Aos 16 anos conheceu Alfeu, meu pai, e pouco tempo depois casaram. Foram morar na rua Silva Jardim, 2431.
Minha mãe ajudou na árdua luta de sustentar uma família com dois filhos, construir uma casa própria com o ordenado de funcionário público de meu pai, que trabalhava em dois empregos. Exímia na arte de fazer doces, durante anos fez e vendeu doces sob encomenda para casamentos e aniversários. Nunca teve empregada doméstica. A família sempre recebeu ajuda providencial, quando necessário, de meu avô materno, Seu Fredolino. Como ferroviário, ganhava muito bem à época e podia prestar este auxílio e o fazia de bom grado.
As únicas diversões das quais me lembro eram freqüentar todos os circos que chegavam a Santa Maria. Ir aos bailes mensais do Clubes de Atiradores Santamariense. E não perder as esporádicas festas do Grupo de Bolão 7 de Setembro, de cuja equipe meu pai era o "capitão", pois era exímio bolonista.
Depois de idosa, minha mãe freqüentou aulas na UFSM como aluna especial. Engajou-se na luta política da terceira idade na cidade, sendo uma das fundadoras do grupo "Mexe Coração", com sede no Centro de Atividades Múltiplas, no Parque Itaimbé. Participou de aulas da caratê. Foi atriz de vários espetáculos do grupo teatral da terceira idade, onde se revelou notável comediante. Viajou pelo interior gaúcho para apresentações teatrais. Fez parte do coral dos idosos. Frequentava as aulas recreativas de natação na piscina térmica da UFSM. Enfim, teve uma vida socialmente participativa
Esteve casada com meu pai durante 63 anos de feliz união, pois ambos se completavam. Ficou viúva em 9 de maio de 2004, quando meu pai morreu vitimado por complicações pós-operatórias advindas de uma cirurgia cardíaca.
Viveu na mesma casa sempre, com minha irmã Jane e com uma atendente de idoso. Ela sempre teve grande afinidade com minha mulher, sua nora. Insisti até à exaustão para trazê-la para a praia de Canasvieiras para gozar do sossego de uma praia maravilhosa no final de sua vida. Nunca aceitou. Consegui leva-la duas ou três vezes para temporadas de trinta dias.
Contentei-me, então, com conversas telefônicas semanais.  Infelizmente, a minha opção de morar na praia, desejo acalentado há anos, não coincidiu com a opção de minha mãe. Lamentei pela opção que ela fez. Mas que fui obrigado a respeitar. Dia 4 de fevereiro de 2012 estive em Santa Maria para festejar os 90 anos de minha mãe, junto com dezenas de parentes, vizinhos e amigos, em animado jantar no Restaurante Vera Cruz. De 19 a 25 de abril de 2013 estive também em Santa Maria. E em janeiro de 2014 também estive em Santa Maria para visitar amigos, parentes e visitar minha mãe por 29 dias. Enfim, voltei todos os anos  para visitas. Até que  - maio de 2016 - depois de quase dez anos na praia, já com 74 anos, decidi retornar aos pagos, ficar perto dos filhos, netos, amigos, ex-alunos, meus médicos, minha cidade natal.
Em 28 de julho de 2016 minha mãe morreu.
Morreu dormindo. Em sua cama.  Em sua casa. Como um passarinho.
Este é o segundo “Dia das Mães” que passo sem ter mãe.