terça-feira, 31 de maio de 2022

É impossível calar diante do que vi! - James Pizarro (DIÁRIO - 31.5.2022)

Corria a década de 50. Eu estudava no curso primário (hoje, ensino fundamental) do Grupo Escolar João Belém. A diretora era a professora Edy Maia Bertóia. Depois substituída pela professora Diquel Siqueira. Os tempos eram difíceis. Meu pai trabalhava em dois empregos. Minha mãe fazia doces para fora. Meu avô, ferroviário, sempre ajudava. A Viação Férrea do RGS naquela época estava no auge e seus funcionários ganhavam os mais altos salários da cidade. Meu pai estava construindo uma casa com todas as dificuldades inerentes a um funcionário público que se metesse numa empreitada dessas. No nosso pátio tinha horta, canteiro de flores, duas cabritas (passei minha infância tomando leite de cabra), dois cachorros, um gato, uma caturrita, laranjeiras, bergamoteiras, figueira, limoeiros, bananeiras. E tinha um grande galinheiro, com mais de 100 galinhas, cujos ovos eram recolhidos diariamente. No pátio, criada livremente a meu pedido, andava feliz uma pata simpaticíssima chamada por mim de “Cocó”. Foi um dos meus primeiros animais de estimação. A pata andava atrás de mim por onde eu andasse, emitindo o som característico da sua espécie. Quando as finanças apertaram na parte final da conclusão da construção da nossa nova casa, meu pai anunciou que - para fins de economia na compra da carne - passaríamos a comer as galinhas todas, o que realmente ocorreu. Era galinha frita, galinha na panela, risoto, pastelão de galinha desfiada. Isso me fez enjoar tanto de carne de galinha que até não gosto de comer dessa carne. Num domingo, chegando da missa na catedral diocesana de Santa Maria, onde sempre ía em companhia de minha avó, achei estranho a “Cocó” não ter me esperado no portão como sempre fazia. Na hora do almoço falei sobre o desaparecimento da pata e veio a verdade nua e crua, anunciada por minha mãe : “Teu pai mandou matar e assar a cocó”. Saí vomitando pelo pátio, chorando e, aos gritos, maldizendo a família inteira. Não comi naquele maldito domingo. Até hoje, mais de meio século depois, lamento não ter uma foto com a minha patinha “Cocó”. Desde menino, eu repudiava o sofrimento e a morte de animais. Tanto que jamais usei bodoques. Nem aprisionei pássaros em gaiolas. Nem atormentei ou bati em cães e gatos. Sempre fui um pacifista. E um protetor da fauna e da flora. Quando vi na TV na semana passada o motociclista ser brutalmente assassinado por asfixia por dois ou três maus soldados da PRF de Sergipe fiquei estupefato. E senti a mesma náusea sentida há décadas, quando perdi a Cocó. Fiquei em pânico ao ver o pobre homem esperneando, aos berros, agonizando em plena via pública, sob o olhar omisso de centenas de pessoas que nada fizeram para tentar evitar aquela brutalidade. No capítulo 11 de João, encontramos o versículo 35, um dos mais curtos de toda a Bíblia : “E Jesus chorou”. Mão vou pontuar aqui o momento histórico que suscitou este versículo. Mas quando este pobre irmão brasileiro agonizou e morreu asfixiado naquela câmara de gás tupiniquim por ter cometido a contravenção de estar sem capacete, certamente Jesus chorou diante da barbárie. Jesus chorou por ele. E pelo Brasil. Não é do meu temperamento tratar assuntos deste tipo. Mas é impossível calar diante do que vi.

terça-feira, 17 de maio de 2022

LEMBRANDO 2011 : 153 ANOS DA CIDADE - JAMES PIZARRO (DIÁRIO - 17.5.2022)

Como gosto de relembrar coisas, destaco hoje – como anotação histórica – o que escrevi sobre os 153 anos da cidade, há onze anos e de que maneira a cidade, naquela época comemorou a data. Vamos lá... Desde o início do mês de maio de 2011, a cidade sedia uma série de eventos culturais, artísticos e esportivos alusivos ao aniversário de Santa Maria. Entre as ações de maior destaque estão a Feira do Livro, o concerto da Banda Sinfônica do Corpo de Fuzileiros Navais do Rio de Janeiro, O Congresso Internacional de Política e de Direito e a mateada festiva no Parque Itaimbé. Na terça-feira, 17 de maio, data em que o município comemora 153 anos de emancipação político-administrativa, a comunidade será brindada com um grande concerto da Orquestra Sinfônica de Santa Maria. A apresentação será às 19h, na Praça Saldanha Marinho.O repertório (confira abaixo) será executado pelos dos 52 músicos da orquestra, regidos pelo maestro Ênio Guerra. Neste mesmo dia, feriado em Santa Maria, o público também poderá participar da XVI Mateada Beneficente da Sentinela Alada do Pampa. A atividade será na Base Aérea de Santa Maria, das 14h às 18h. Mas, para os apreciadores da música, no dia 24 terá outra grande atração. Às 20h, a Igreja Nossa Senhora de Fátima será palco do Concerto de Aniversário com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Mais atrações aguardam o público nas festividades de aniversário do município. As comemorações continuam até o dia 5 de junho, sendo que o destaque será a terceira edição do Festival de Balonismo, que acontecerá de 25 a 29 de maio, no Jockey Club de Santa Maria. Além disso, o público poderá participar dos eventos distritais. De 25 a 29 de maio, acontece a Festa do Arroz do Rei, em Palma e nos dias 4 e 5 de junho ocorre a Festa da Soja- O Grão de Ouro, em Santa Flora. O meio ambiente não foi esquecido na programação. De 30 de maio a 5 de junho, várias atividades marcarão a Semana do Meio Ambiente. Recorde: Feira do Livro comercializa 49 mil exemplares. Confira a relação dos títulos mais vendidos. Santa Maria respirou cultura e conhecimento neste mês de maio. Maior evento literário da região centro do Estado, a Feira do Livro 2011 movimentou a cidade com uma programação recheada de atrações culturais, artísticas e musicais, além de lançamento de livros, sessões de autógrafos e muito bate-papo com renomados escritores e personalidades. E o resultado desta mobilização apareceu nos números: 97 lançamentos e 49.070 livros vendidos, o que registrou um novo recorde e superou as 83 obras lançadas e os 48 mil exemplares comercializados em 2010. Nem o mau tempo de alguns dias espantou o público que circulou pela Praça Saldanha Marinho durante os 15 dias do evento. Para o presidente da Câmara do Livro e organizador da Feira, Télcio Bressolin, a presença dos jovens deu ainda mais brilho às atividades. “A Feira teve um público espetacular esse ano, com muita juventude. Em alguns anos não se via tanto público juvenil como esse. Isso é parte de um processo que a Feira, como um todo, já vem trabalhando há vários anos”, comemora. Télcio destaca que o crescimento da Feira, ano a ano, traz ainda mais notoriedade ao município. “É importante para cidade esse movimento que se cria em torno do livro. Podemos ver até o mercado que se abriu com 100 lançamentos. Isso demonstra o acerto que é, cada ano, ir segmentando esse movimento cultural onde se passa 15 ou 20 dias falando em livro, em cultura, em conhecimento. Isso, de uma forma ou de outra, faz com que Santa Maria ganhe mais reconhecimento no cenário regional e também estadual”, comenta. O presidente da Câmara ainda ressalta que a multiplicidade de atrações no palco principal contribuiu para o grande movimento. “Além da programação, essa integração com as escolas faz com que o crescimento da Feira venha ano a ano. Essa integração auxilia também no desenvolvimento da cidade”, acrescenta. Telcio lembra que Santa Maria é um pólo educacional. “A Feira também faz parte desse contexto”, finaliza.

segunda-feira, 2 de maio de 2022

DIA DAS MÃES - James Pizarro (DIÁRIO - 3.5.2022)

Minha mãe se chamava Maria, conhecida por todo mundo pelo nome de Iria. Dona Iria. Minha avó materna, vó Olina, contava que o nome dela era para ser Maria Iria e que meu avô, na hora do registro, esqueceu e registrou apenas como Maria. Minha mãe estudou todo o Curso Elementar (depois chamado Ginásio e hoje chamado Ensino Fundamental) no Colégio Santa Terezinha (hoje prédio do Maneco), internato e semi-internato mantido pela Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul em sua época áurea. No turno da manhã, minha mãe tinha as disciplinas pertinentes a esse tipo de curso (matemática, português, ciências, geografia, história, música, etc...). Pela tarde, aprendia bordado, tricô, tocar violino, educação física, etc...Minha mãe sempre dizia que as freiras do Santa Terezinha usavam a frase: “De manhã se educa a mente e a alma, pela tarde se educa o corpo”. Aos 16 anos conheceu Alfeu, meu pai, e pouco tempo depois casaram. Foram morar na rua Silva Jardim, 2.431. Minha mãe ajudou na árdua luta de sustentar uma família com dois filhos, construir uma casa própria com o ordenado de funcionário público de meu pai, que trabalhava em dois empregos. Exímia na arte de fazer doces, durante anos fez e vendeu doces sob encomenda para casamentos e aniversários. Nunca teve empregada doméstica. A família sempre recebeu ajuda providencial, quando necessário, de meu avô materno, Seu Fredolino. Como ferroviário, ganhava muito bem à época e podia prestar este auxílio e o fazia de bom grado. As únicas diversões das quais me lembro eram frequentar todos os circos que chegavam a Santa Maria. Ir aos bailes mensais do Clubes de Atiradores Santamariense. E não perder as esporádicas festas do Grupo de Bolão 7 de Setembro, de cuja equipe meu pai era o “capitão”, pois era exímio bolonista. Depois de idosa, minha mãe frequentou aulas na UFSM como aluna especial. Engajou-se na luta política da terceira idade na cidade, sendo uma das fundadoras do grupo “Mexe Coração”, com sede no Centro de Atividades Múltiplas, no Parque Itaimbé. Participou de aulas da caratê. Foi atriz de vários espetáculos do grupo teatral da terceira idade, onde se revelou notável comediante. Viajou pelo interior gaúcho para apresentações teatrais. Fez parte do coral dos idosos. Frequentava as aulas recreativas de natação na piscina térmica da UFSM. Enfim, teve uma vida socialmente participativa Esteve casada com meu pai durante 63 anos de feliz união, pois ambos se completavam. Ficou viúva em 9 de maio de 2004, quando meu pai morreu vitimado por complicações pós-operatórias advindas de uma cirurgia cardíaca. Viveu na mesma casa sempre, com minha irmã Jane e com uma atendente de idoso. Ela sempre teve grande afinidade com minha mulher, sua nora. Insisti até a exaustão para trazê-la para a praia de Canasvieiras para gozar do sossego de uma praia maravilhosa no final de sua vida. Nunca aceitou. Consegui levá-la duas ou três vezes para temporadas de 30 dias. Contentei-me, então, com conversas telefônicas semanais. Infelizmente, a minha opção de morar na praia, desejo acalentado há anos, não coincidiu com a opção de minha mãe. Lamentei pela opção que ela fez. Mas que fui obrigado a respeitar. Dia 4 de fevereiro de 2012, estive em Santa Maria para festejar os 90 anos de minha mãe, junto com dezenas de parentes, vizinhos e amigos, em animado jantar no Restaurante Vera Cruz. De 19 a 25 de abril de 2013 estive também em Santa Maria. E em janeiro de 2014 também estive em Santa Maria para visitar amigos, parentes e visitar minha mãe por 29 dias. Enfim, voltei todos os anos para visitas. Até que – maio de 2016 – depois de quase 10 anos na praia, já com 74 anos, decidi retornar aos pagos, ficar perto dos filhos, netos, amigos, ex-alunos, meus médicos, minha cidade natal. Em 28 de julho de 2016 minha mãe morreu. Morreu dormindo. Em sua cama. Em sua casa. Como um passarinho. Este é o sexto “Dia das Mães” que passo sem ter mãe. Sei – como professor de Biologia – que o óbito faz parte natural dos acontecimentos. Da rotina planetária. Da finitude. Da reciclagem da matéria que é finita. Mas é melancólico não ter mais mãe. Machuca. Fere. E dói. Portanto, aos que ainda têm a ventura de ter mãe, agradeçam a Deus. E beijem ela por mim. Meu coração ficará mais aliviado.