segunda-feira, 22 de outubro de 2018

COM OLHOS DE AMOR DO TEMPO ANTIGO - James Pizarro (página 4 do DIÁRIO de SM, edição de 23.10.2018)


Família da classe média do interior gaúcho.
Pai comerciário. Caçador de perdizes. Dono de um carro antigo. Um velho Ford "de bigode".
Mãe professora de piano e dona de casa. Três filhos pequenos. Duas gurias e um piá.
Durante as férias viajavam para a pequena cidade de Cacequi.
Estrada de chão batido. Mar de lama quando chovia. O valente Ford atolava. O pai descia. Botava correntes ao redor dos pneus.
A mãe puxava a cortina de couro das janelas. As três crianças encolhidas no banco traseiro. Frio de renguear cusco. Chuva inclemente.
Chegavam ao destino horas depois. Passar alguns dias na "casa" do irmão do pai. Na realidade, uma hospedaria. No recinto da estação ferroviária. Abrigava passageiros do trem. Dava comida. Servia lanches.
Os irmãos maiores toleravam essas "férias". A menor das gurias detestava. Ficava olhando aquela gente estranha. Velhos gaúchos pilchados. Fumando palheiro. Tomando seu gole de cachaça. Chimarreando. Comendo o prato feito que a tia servia aos hóspedes. Enquanto a mãe ajudava na cozinha. E o pai conversava fiado.
A menina odiava sobretudo o corvo. Sim, um corvo de estimação ! Que ficava pousado na janela da cozinha.
O corvo ficava esperando tripas de galinha. Restos de carne dos pratos. Vísceras. O corvo saia caminhando entre as mesas. Festejado pelos hóspedes. Orgulho do tio. Que acariciava o pescoço pelado do corvo. Que crocitava, agradecido.
Introspectiva nos seus oito anos, a menina ficava olhando aquilo. Com seus olhos de espanto.
Além do asco pelo corvo, ficava comparando o tratamento que recebia. Os tios davam mais atenção ao corvo do que a ela.
Esta cena jamais sairia da sua memória.
Para o resto da vida. Vida que ela continua a olhar com seus grandes e lindos olhos.
Agora, não mais de espanto. Mas de encantamento.
Do alto da Galeria do Comércio, onde mora com o marido, só contempla passarinhos coloridos do pátio da casa do Dr. Mariano. Os morros da cidade. As torres da catedral.
As nuvens que passam formando desenhos lindos.
E o bonito morro da Caturrita. Com as antenas da TV.
Seus olhos lindos aguardam os netos que chegam para visitas.
O corvo ficou sepultado no passado.
O marido septuagenário ainda a olha com olhos de adolescente.
Olhos de amor do tempo antigo.
De amor para sempre.

sábado, 13 de outubro de 2018

COCÓ, A PATA DE ESTIMAÇÃO - James Pizarro (página 4, edição do DIÁRIO de S. Maria,RS - 13.10.2018)


Corria a década de 50. Eu estudava no curso primário (hoje, ensino fundamental) do Grupo Escolar João Belém. A diretora era a professora Edy Maia Bertóia. Depois substituída pela professora Diquel Siqueira.

Os tempos eram difíceis. Meu pai trabalhava em dois empregos. Minha mãe fazia doces para fora. Meu avô, ferroviário, sempre ajudava. A Viação Férrea do RGS naquela época estava no auge e seus funcionários ganhavam os mais altos salários da cidade.

Meu pai estava construindo uma casa com todas as dificuldades inerentes a um funcionário público que se metesse numa empreitada dessas. No nosso pátio tinha horta, canteiro de flores, duas cabritas (passei minha infância tomando leite de cabra), dois cachorros, um gato, uma caturrita, laranjeiras, bergamoteiras, figueira, limoeiros, bananeiras. E tinha um grande galinheiro, com mais de 100 galinhas, cujos ovos eram recolhidos diariamente.
 
No pátio, criada livremente a meu pedido, andava feliz uma pata simpaticíssima chamada por mim de "Cocó". Foi um dos meus primeiros animais de estimação. A pata andava atrás de mim por onde eu andasse, emitindo o som característico da sua espécie. 

Quando as finanças apertaram na parte final da conclusão da construção da nossa nova casa, meu pai anunciou que - para fins de economia na compra da carne - passaríamos a comer as galinhas todas, o que realmente ocorreu. Era galinha frita, galinha na panela, risoto, pastelão de galinha desfiada. Isso me fez enjoar tanto de carne de galinha que até não gosto de comer dessa carne.

Num domingo, chegando da missa na catedral diocesana de Santa Maria, onde sempre ía em companhia de minha avó, achei estranho a "Cocó" não ter me esperado no portão como sempre fazia.

Na hora do almoço falei sobre o desaparecimento da pata e veio a verdade nua e crua, anunciada por minha mãe : "Teu pai mandou matar e assar a Cocó".

Saí vomitando pelo pátio, chorando e, aos gritos, maldizendo a família inteira. Não comi naquele maldito domingo.

Até hoje, mais de meio século depois, lamento não ter uma foto com a minha patinha "Cocó".

Devo ter sido o único menino do mundo que chorou pela morte de uma pata.

Desde aquela época eu já era uma pessoa esquisita.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

DESTINO EDIFICANTE PARA TAMPAS E LACRES DE AUMÍNIO ! - JAMES PIZARRO (crônica no DIÁRIO de Santa Maria, pág.4, edição de 9.10.2018)

“ Em 1948, Ludwig Guttman organizou uma competição esportiva que envolvia veteranos da Segunda Guerra Mundial com lesão na medula espinhal. O evento foi realizado em Stoke Mandeville, na Inglaterra. Quatro anos mais tarde, competidores da Holanda uniram-se aos jogos e, assim, nasceu um movimento internacional. Este fez com que jogos no estilo olímpico, para atletas deficientes, fossem organizados pela primeira vez em Roma, em 1960. Em Toronto, 16 anos depois, foram adicionados na competição outros grupos de pessoas com deficiência. A partir daí, surgiu a ideia de fundir estes diferentes atletas em um grande torneio esportivo internacional. Naquele mesmo ano, 1976, a Suécia organizou os primeiros Jogos Paralímpicos de Inverno. ” Esse é o resumo da pesquisa que fiz nos arquivos do PC-Comitê Paralímpico Internacional e CPB-Comitê Paralímpico Brasileiro.
Moro na Galeria do Comércio. No saguão de entrada do condomínio existe um grande recipiente de plástico onde os moradores são convidados a depositar os lacres de alumínio e as tampas plásticas de garrafas. Fiquei sabendo tratar-se da uma campanha da ASSAMPAR – Associação Santa-mariense Paradesportiva. Nome da iniciativa : CAMPANHA PARATLETA. Entrei em contato com o amigo Flávio Correa, cadeirante e sócio ativo da ASSAMPAR e ele me contou detalhes, até então, desconhecidos para mim.
A ASSAMPAR reúne cerca de 20 cadeirantes, amputados, autistas e portadores de outras deficiências crônicas, além de grande número de colaboradores. O criador/idealizador da entidade é o sr. Denilson Souza, militar reformado, cadeirante, que sempre foi preocupado com a reinserção social do portador de necessidades especiais através da prática do esporte.
Flávio Correa foi enfático ao me dizer: “O paradesporto como ferramenta de reinserção social para pessoas com algum tipo de deficiência física e/ou motoraé a razão da existência da Assampar. Nossa prioridade não é a busca por troféus e não há cobrançaspor resultados em competições. Despertar no paratleta a simples vontade de praticar algum tipo de atividade físicae conviver com outras pessoas na busca de novas amizades é o verdadeiro objetivo da Associação. Nesse processo, fazemos questão da participação não apenas do paratleta, mas o envolvimento de pais, irmãos, amigos e cônjuges, para uma completa integração. “
Vale ressaltar a compreensão e incentivo do Clube Cruzeiro do Sul, CTG Sentinela da Querência e Centro de Equoterapia Integração, valorosos estimuladores da ASSAMPAR.
Em 2018 foi lançada a "Campanha Paratleta", que consiste na arrecadação de tampas plásticas de garrafas e lacres de alumínio visando arrecadar recursos para a compra de material paradesportivo (além da questão ecológica com a reciclagem de material plástico). Até então, Denilson Souza, o atual Presidente da Associação, usou de recursos próprios para a compra do material esportivo disponível para uso. Com o aumento da demanda, fez-se necessária a criação da campanha para arrecadar fundos. Cada cadeira custa cerca de 4000 reais. E para conseguir 4000 reais são necessárias toneladas de lacres de alumínio ! A cidade precisa colaborar ! Os locais de coleta estão disponíveis no Facebook na página "Paradesporto e Lazer SM"
Os interessados em colaborar podem entrar em contato por e-mail : assampar2018@outlook.com Ou podem ligar para o Denilson Sousa : 55.99941.4467

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

QUANTO À CAMPANHA ELEITORAL...- James Pizarro (publicado no Facebook)

Tenho cumprido rigorosamente os ditames da Justiça Eleitoral (leia-se Lei Eleitoral) por causa dos veículos de comunicação onde escrevo e falo (DIÁRIO e RÁDIO MEDIANEIRA), não escrevendo e nem falando nem ao menos subliminarmente ou por metáforas a cerca de partidos, candidatos ou eleições. Faço o mesmo nas redes sociais, em respeito às centenas de amigos, colegas e parentes que pensam e votam diferente de mim. No início da campanha, sob o título "DERRADEIRO PEDIDO", implorei a todos que não colocassem comentários político-partidários e nem propagandas na LT do meu facebook. Os que insistiram, invadindo minha privacidade, foram deletados. Foi a maneira simplória que achei de, aos 76 anos, colaborar para diminuir com a onda de ódio e sectarismo que tomou conta de boa parte das pessoas.
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