segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

UFSM : UMA NOITE INESQUECÍVEL - JAMES PIZARRO (DIÁRIO de S. Maria, pág.4, 28.01.2020)


Na noite da última sexta-feira, dia 24 de janeiro, depois de muitos anos voltei ao campus da UFSM. Desta vez por um motivo muito especial ao meu coração. Era a colação de grau da minha neta Amanda, a primeira de seis netos a concluir seus curso superior. Jovem ainda, estava se formando em Engenharia de Produção. Outros virão.

A cerimônia, realizada no belo Centro de Eventos da UFSM,  foi impecável. Poltronas confortáveis para um público ao redor de mil pessoas que lotava totalmente o local. Som, acústica e audiovisuais perfeitos. Sistema de climatização ambiental funcionando rigorosamente bem. Horário de início da cerimônia cumprido à risca. Parentes felizes. Convidados emocionados.

Enquanto aguardava o início da cerimônia, fiquei a lembrar dos anos 60, quando fiz vestibular  na UFSM e iniciei meu curso de Agronomia. Naquela época as turmas faziam as chamadas “associações de turma” para juntar fundos, desde o primeiro ano, para pagar as despesas das solenidades de formatura. Todos os alunos pagavam uma mensalidade rigorosamente recolhida. Lembro de episódios grosseiros que ocorriam, pois alunos que não pagavam as mensalidades eram discriminados e não participavam das solenidades de final de curso. Época em que as diferenças sociais eram mais acentuadas ainda, por incrível que isso possa parecer hoje.

A cerimônia reuniu cerca de cem alunos de 11 cursos de Engenharia do Centro de Tecnologia da UFSM e, pelo que entendi, foi a primeira formatura integrada da instituição. E que esse modelo de formatura integrada deverá ser estendido para todos os demais “Centros” da UFSM. A importância é que esta cerimônia única, democrática, muito bem organizada e bancada pela UFSM, não custou um só tostão aos formandos, como ocorria antigamente. É uma medida que merece ser elogiada, principalmente levando-se em conta que de todos os alunos regularmente matriculados na UFSM atualmente, cerca de 5000 alunos são de famílias cuja renda mensal é inferior a 1,5 salário mínimo, tanto que necessitam de  auxílios especiais da instituição para nela se manter e concluir seus cursos.

 A cerimônia de formatura foi transmitida ao vivo pela TV Universidade, alegrando àqueles que estão longe e são ligados aos formandos, como o caso daminha filha Cristina, que mora em Itajubá, sul de MG, madrinha da Amanda e que assistiu tudo pela internet.

O reitor encerrou a cerimônia e relembrou certos fatos para os parentes e amigos dos formandos. A UFSM foi a primeira universidade federal do Brasil fora das capitais.
A UFSM é a 10a instituição de ensino superior DO MUNDO com maior produção científica realizada por mulheres, segundo o levantamento feito em 2019 pelo Centro de Estudos da Ciência e Tecnologia da Universidade de Leiden, na Holanda, fato divulgado na semana passada. No Brasil, a UFSM fica em terceiro lugar. A UFSM está entre as 10 universidades mundiais com maior percentual de pesquisadoras e com 26 cientistas mulheres no rol de maior produtividade do CNPq.

Mas o número divulgado pelo reitor – do qual eu não tinha conhecimento – e que mais me chamou atenção foi o número de profissionais que a UFSM já formou  nesses 60 anos de existência : foram 180.000 profissionais de todas as áreas do conhecimento humano ! Fiquei feliz ao saber que participei como professor por 40 anos na construção dessa obra. Que Amanda se formou agora. Que mais dois anos estarei lá vendo meu neto Tarso se formar em Medicina. E se Deus for generoso – e por milagre – verei a formatura dos outros 4.

Meus amigos : algo em Santa Maria pode ser comparado à grandiosidade da UFSM ? Temos de defendê-la sempre !

sábado, 18 de janeiro de 2020

SAUDOSAS FIGURAS QUE ANDAM DE SKATE NO MEU MIOCÁRDIO - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, Caderno MIX, 18.01.2019)





Em qualquer cidade do mundo sempre existem  pessoas que de um modo especial fazem a história do local. São prefeitos, vereadores, delegados, professores, cantores, poetas, músicos, esportistas, advogados, comerciantes. Não raro, pela importância da atividade que exerceram em vida, transformam-se depois em  nomes de praças, ruas, avenidas, logradouros públicos para emoção dos parentes e amigos mais chegados.

Mas existe outra gama de habitantes que nunca  desempenharam  funções ditas oficiais ou legais. Ou mesmo desempenhando-as, foram carismáticos, possuíram atributos comportamentais  diferentes dos padrões vigentes, o que os fez populares. Muitas dessas figuras permanecem eternamente  na memória e no anedotário popular da cidade por seus feitos, atos, modos de expressão. Alguns são lembrados por sua personalidade bem humorada. Seus gestos cômicos. Suas respostas inusitadas. Outros, nem tanto...

Mesmo passadas décadas após sua morte estes tipos populares permanecem vivos na memória dos mais idosos da cidade. Fazem a história verdadeira dessa comunidade, com toda sua idiossincrasia. Não essa história positivista, tão ao gosto dos legalistas e conservadores moralistas, tipo “Nasceu em tanto, morreu em tanto, suas principais obras foram...” Mas uma história feita por quem anda pela ruas e bairros, frequenta seus bares e restaurantes, por quem conhece a cidade. Uma história cheia de riqueza humana. Com momentos para a dor. Para o patético. As mazelas. A depressão. A fome. E até para o humor.  Enfim, uma história advinda de uma fauna humana que não foi cretina a ponto de esconder seus defeitos. Nem teve tempo de aprender a se camuflar. Na realidade, uns puros.  Porque cheios de defeitos que todo mundo vê. Cercados de gente “importante” com muito mais defeitos, às vezes, mas que ninguém vê.
A imagem pode conter: 1 pessoa, sentado
Sempre tive um  oceânico carinho por estes tipos especiais.  E fui amigo da maioria deles. De indagar de suas histórias. Dos tipos populares que existiram antes do meu nascimento também me ocupei, pesquisei sobre eles com os mais velhos da cidade, como os casos do Fanático (década 30), Fanha (década de 30) e Pipoqueiro (década de 40). Tenho em meus arquivos centenas de anotações que ouvi de relatos orais do meu saudoso amigo e professor de Botânica Sistemática, Dr. Romeu Beltrão. Relatos do Edmundo Cardoso (que me empregou como revisor de A RAZÃO, quando adolescente e ele, diretor do jornal). Do Eduardo Trevisan (quando muito chimarrão lhe servi na casa da rua do Acampamento quando lhe visitava com o Prado Veppo). Do vereador Lauro Machado (pai do compositor Antônio Carlos Machado). Do meu avô Fredolino da Luz Silveira. Do Modesto Dias da Rosa, recentemente falecido.



Sobre cada um deles poderia escrever um alentado parágrafo, seu tipo físico, suas histórias, onde morava, seu linguajar. Mas não há espaço suficiente. Mas representando e sintetizando todos eles – ilustro a matéria de hoje com fotos do acervo do Gaspar Miotto que, em 1981, fotografou  a lendária e popular figura santa-mariense do nosso comum amigo, de saudosa memória, Gregório Coelho, que foi patrono do Internacional de SM, político do Partido Libertador e envolvido em mil polêmicas na cidade, sobre o qual proximamente  escreverei um texto específico.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

RÉQUIEM PARA ELOÁ - JAMES PIZARRO (Diário de S. maria, edição de 14.01.2020, pág.4)


CANTO I

Os lábios de Eloá.
                     Grossos.
                     Untados de vermelho nas fotos de seu facebook.
Os cabelos pretos de Eloá.
                                   Sedosos.
                                   Longos.  
                                   Esvoaçantes.  
                                   Lindos.
O sorriso de Eloá.
Dentes lindos.
            Alvos.  
            Instigantes.
            Adolescentes.
O corpo precoce de Eloá.
Hormônios em convulsão. Vida acelerada.
O jeito de Eloá.
                Terno.
                 Educado.
                 Apreciado pelos colegas.
O comportamento de Eloá.
                                   Sereno.  
                                   Alegre.
                                   Humorado.
                                   Simpático.
Tudo isso foi de roldão porque a patologia, fantasiada de amor, roubou sua vida.
Cérebro jovem cremado pelo calor na bala incandescente. Do tiro assassino.
Neurônios esguichando para fora da cabeça.
Vida brutalmente podada.

CANTO II

Pulmões enchendo-se de oxigênio no peito alheio.
Córneas.
Fígado.
Pâncreas.
Coração.
Tudo generosamente doado. Recauchutando outras vidas.
De Eloá sobrou o cadáver oco. Preenchido de gazes e algodão.
O jovem corpo estendido no necrotério.
Os pés enrijecidos. Que deram tantos passos.
Mas que - por fatalidade - caminharam, aos 13 anos, em direção ao homem errado.
Pobre Eloá.
Linda Eloá.
Infeliz Eloá.
Quantas Eloás estão indo pelo mesmo caminho neste Brasil ?
Quantas ?!...

domingo, 5 de janeiro de 2020

NO TOPO DO MORRO, UM CRIME QUE CHOCOU SANTA MARIA - James Pizarro (DIÁRIO, Caderno MIX, edição de 4.1.2020)




A imagem pode conter: 1 pessoa, atividades ao ar livreEsta é uma história triste que jamais saiu da minha cabeça por mais que eu me esforce para que isso corra. Mas basta eu olhar os morros da cidade que ela retorna num passe de mágica.
Lá pelos anos 50, quem descia a avenida Rio Branco em direção à gare da Viação Férrea, em Santa Maria, RS, olhava para o alto e contemplava enorme montanha até hoje existente.
No final da rua 7 de Setembro, que ia terminar justamente nessa montanha, foi construído o Clube Esportivo, tradicionalmente conhecido pelo nome carinhoso de "Clube do Sopé do Morro".
Quem olhasse para o topo do morro, atrás do Clube Esportivo, ia ver um pequeno chalé de madeira pintado de branco, cognominado pela população de "Casinha Branca". Nessa casinha, isolada lá em cima, vivia um casal de idosos. Eles desciam uma vez ou duas por mês, através de uma íngreme trilha no meio do mato, para fazer compras de gêneros alimentícios e remédios.
Um ou outro visitante subia lá. Naquela época – tinha eu meus 14 ou 15 anos – era escoteiro da então chamada  Tropa de Escoteiros Henrique Dias, cuja sede ficava nas dependências do então Círculo Operário, situado na esquina das ruas Silva Jardim e André Marques. Eu exercia o cargo de secretário da Patrulha da Pantera, cujo chefe era o saudoso amigo Wellington Landerdhal, jornalista da Assembléia Legislativa do RS falecido há poucos anos. E era bastante comum a subida da nossa tropa até à “Casinha Branca” para exercício físico e acampamento de alguns dias nos feriadões ou  fins-de-semana.
Certa vez, o dono do armazém onde o casal de idosos fazia suas compras, estranhou a ausência dos mesmos.  E resolveu subir  para ver o que tinha havido. Em lá chegando, encontrou o corpo já em estado de decomposição dos dois pobres velhinhos.
Diligências  feitas pela polícia logo acharam os culpados, dois marginais que trucidaram os idosos com marteladas na cabeça, crime que chocou toda a cidade. E mataram o casal para roubar alguns pertences de pouco valor  e, segundo um deles confessou, imaginavam que os idosos tivessem dinheiro escondido.
Já naquela época, há cerca de 60 anos, pessoas se retiravam para viver em paz no meio da Natureza. Na santa paz das árvores, flores e pássaros.
Mas mesmo lá, satânicas criaturas destruíram o sonho dos velhinhos a marteladas.
Mesmo depois de tanto tempo me invade uma melancolia imensa ao pensar na agonia dos dois idosos, sentindo a vida se esvair. Sob a brutalidade do ataque insano de duas mentes doentias. Olhando lá do alto, com seus olhos esmaecidos pela catarata, os milhares de pontinhos de luzes piscando na cidade. Sem que nenhum socorros lhes pudessem dar.
Luzes faiscantes como vagalumes. Que se acendiam e se apagavam.
Como a vida que estava a se escoar de seus corpos minguados.