sexta-feira, 22 de outubro de 2010

AS "BOMBINHAS" DA DONA NÍDIA

Corriam os anos 50 e 60. Na esquina da minha casa, cruzamento das ruas Silva Jardim e Dutra Vila, em Santa Maria, existia uma fábrica de café. Eram dois os cafés fabricados. Café Planeta e Café Cometa.
O proprietário era um senhor de origem alemã chamado Osvaldo Eggers,casado com a dona Georgina. Eram pais da Maria Helena, Norma e William.
Maria Helena casou com um famoso engenheiro civil, responsável por centenas de construções na cidade, de nome Altair Celestino Alves. Muito nosso amigo, foi ele quem fez a planta da casa de meu pai.
Norma era casada com um agrimensor de nome Arnaldo Rechia. Possuiam um belo automóvel Simca Chambord, que serviu para transportar a mim e a Vera Maria para a catedral no dia do nosso casamento. Onde casamos no religioso tendo como celebrante o monsenhor Érico Ferrari, nosso grande amigo, poucos meses depois elevado à condição de bispo da diocese de Santa Maria.
William foi meu amigo, mas como era um pouco mais velho, não participava da nossa "panelinha" de conversas na esquina, junto com Délbio, Silas, Cilon, Jorge, Tito Flávio e Betinho.
Tínhamos um vizinho alto, magérrimo, telegrafista da Viação Férrea do RS, de nome Orlando. Casado com dona Nídia. Moravam na rua Senador Cassiano, paralela à Silva Jardim. O pátio nosso e deles eram lindeiros na parte posterior e as famílias eram tão amigas que existia um portão que comunicava os dois pátios. Seu Orlando era asmático e muitas vezes lembro de meu pai, que era enfermeiro, atravessar o portão correndo para socorrer e debelar com injeção de aminofilina (usada à época) a crise de falta de ar do vizinho. Lembro que ele chegou a fazer um implante de placenta na coxa, indicado como novidade para combater a asma, o que me causou grande espanto. Seu Orlando e dona Nidia, ambos falecidos, tinham quatro filhos : Orlane (falecida em Florianópolis, formada em Letras), "Tida" (médica ginecologista, vive em P. Alegre), "Deco" (funcionário público estadual em Santa Maria) e a Nildinha (funcionária estadual da FASE, ex-FEBEM, em S. Maria).
Dona Nídia tinha um carinho especial por mim e foi uma das pessoas mais bondosas que conheci em minha vida. Todos os parentes dela e do marido que moravam em outras cidades, principalmente em Dilermando de Aguiar, hospedavam-se em sua casa, onde recebiam dedicado atendimento. Ela trabalhava incessantemente para atender a todos, lavando roupas em casa, fazendo comidas gostosas e doces que faziam a alegria da gurizada. Nas festas de aniversário ela fazia uma espécie de bolinho de massa recheado de guizado bem temperado e guardava numa bacia esmaltada coberta por pano de prato alvo e úmido. Quando restava metade da bacia ela não deixava mais ninguém pegar e dizia : "estes são para o James porque ele adora e faço para ele". Ela chamava esses bolinhos de "bombinhas". A última vez que vi dona Nídia foi num apartamento do Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo, onde ela estava internada há três meses. Ela exultou de alegria com minha visita. Fiquei de mãos com ela e com aquele sorriso bondoso, de quem aceita a doença e a morte com naturalidade, ela me disse : "Agora nunca mais poderei fazer aquelas tuas bombinhas..."
Délbio Vieira era o meu melhor amigo de adolescência e morava na rua Dutra Vila. Filho adotivo de Crescêncio Vieira, barbeiro conhecido na cidade, estabelecido no famoso Salão Lord, na então chamada "Primeira Quadra" da rua Dr. Bozano, hoje "Calçadão". Já idoso e reformado como coronel-bombeiro da Brigada Militar, Délbio veio a saber da existência de seu pai verdadeiro, que era o comerciante Alberi Uglione, um dos sócios-proprietários da UGLIONE AUTOMÓVEIS, célebre revenda dos automóveis Chevrolet. Por estranha coincidência, Alberi era meu padrinho de batismo. Era muito amigo e companheiro de caçada de meu pai. Depois, por estas separações que a vida impõe, as famílias se afastaram e eu cresci como se não tivesse padrinho. Jamais ganhei um só presente de Natal, de Páscoa ou de aniversário de meu padrinho Alberi, já falecido. Por isso, quando meus filhos nasceram tomei o cuidado de convidar para padrinhos apenas parentes (primos e irmãos) para que eles não ficassem com este vácuo que sinto e do qual me ressinto até hoje. Poderia ignorar isso, sonegar esta lembrança, mas nestas minhas memórias pretendo ser verdadeiro. Se as coisas aconteceram assim, porque escondê-las ?
Quanto às "bombinhas" da dona Nidia, ela tinha razão.
Nunca mais as comi.

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AUTOR : James Pizarro

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O PARAÍSO EXISTE !

Quando cheguei em Canasvieiras, SC, no início de março/2008 ainda havia um monumental número de turistas argentinos que, na alta temporada (janeiro/fevereiro) chegam a 100.000, segundo me asseguram os funcionários das agências de turismo e os nativos da ilha. A impressão que eu tinha é que estávamos como turistas numa cidade argentina...ficávamos felizes quando se ouvia alguém falando português. Agora os turistas castelhanos continuam a aparecer, mas são excursões de fim-de-semana, sobretudo de pessoas da chamada "terceira idade", comportados, sileciosos, educados. Um adesivo colado nos carros dos "manezinhos" (habitantes nativos da ilha de Florianópolis) fala por si do sentimento de invasão que eles sentem diante da enxurrada de alienígenas em seu paraíso : "Obrigado por gostarem de Santa Catarina, mas não esqueçam de ir embora".
Quando li este adesivo pela primeira vez, me considerei ofendido. Achei que era uma falta de educação para com os turistas. Mas como decidi fixar residência aqui, e como estava bastante irritado com o excesso de população, a agitação noturna, a gritaria nos restaurantes, as filas, o trânsito, etc...agora consigo entender toda o sentimento expresso naquele adesivo. Nos últimos dias, eu e minha mulher temos caminhando por quase duas horas na praia, em ambos os sentidos...ora indo em direção à Jurere, ora rumando para Ingleses...e sem encontrar viva alma no caminho, a não ser os pescadores, alguns ciclistas e os cachorros. A sensação de paz que a gente sente sabendo que se tem aquela imensa enseada - adornada pela beleza ímpar da Ilha do Francês e pelo trapiche dos pescadores na caminhada para a praia dos Ingleses - inteiramente à nossa disposição é algo indescritível. Enfim, um pedaço do Oceano Atlântico como nossa propriedade ! De certa forma, comecei a ficar egoísta ao entender e sentir o significado real daquele adesivo...uma espécie de sentimento de posse diante desse pedaço de paraíso.
Nos guias turísticos e nas revistas especializadas de turismo está escrito que a ilha tem 44 praias. Aprendi com os pescadores e confirmei depois nos levantamentos de satélites e publicações de História e de Geografia sobre a ilha, que a mesma tem mais de 100 praias, algumas inóspitas e agrestes, outras completamente desabitadas, outras ainda com o acesso só permitido por barco. Também aprendi que a ilha de Florianópolis tem 54 quilômetros de comprimento e uma largura média de 22 quilômetros.
Durante a noite, desta época (maio) até novembro, se consegue dormir sem ouvir um só ruído durante a noite. Sonos reparadores realmente. Todos se cumprimentam nas ruas. Os carros param quando o pedestre está na rua, o que jamais pensei ver no Brasil. Todas as ruas tem placas com o CEP da mesma. Os cambistas atuam livremente nas esquinas, gritando "câmbio" para os passantes que eles julgam ser uruguaios ou argentinos. Jogam cartas livremente nas calçadas, em cima de pequenos caixotes de madeira, cobertos de panos-de-prato fazendo o papel de pano verde. Existe um grande "shopping" de hortifrutigranjeiros, com produtos baratíssimos, e com o sugestivo título de "Direto do Campo". O maior supermercado da praia, chamado "Imperatriz", das 17:00 às 22:00 horas, serve farto e gostosíssimo café colonial. Os nomes das lojas, condomínios e edifícios se referem ao mar e praia. Assim, temos : Casa Golfinho, Sorveteria das Dunas, Shopping Beira-mar,Companhia da Pesca, etc... A parte central da cidade é conhecida como "centrão" e as praias são consideradas bairros, cujo responsável é um intendente. A zona central de cada praia, isto é, de cada bairro, é chamada de "centrinho". A praia de Canasvieiras está distante 19 kms do centrão de Florianópolis. Todas as praias são interligadas entre si e ligadas ao centro por um sistema de "terminais". Exemplo : TICAN (Terminal de Canasvieras) está ligado por ônibus diretos e semidiretos com o TICEN (Terminal Central),situado no centro da cidade, em frente ao fantástico e histórico Mercado Público. O usuário paga apenas uma só passagem até o terminal da sua praia e,de lá, toma ouitro ônibus direto ao centro sem pagar uma segunda passagem. O preço da passagem é de 2,90 reais. Se quiser comprar as passagens antecipadas para todo o mês (na quantidade que quiser), pode fazê-lo no TICEN, a um preço menor. As passagens são todas informatizadas num único cartão magnético que o usuário passa no microcomputador colocado à frente do cobrador de cada ônibus. Se quiser andar com mais conforto e parar no lugar que indicar para o motorista, existem ônibus com ar condicionado, música e TV, chamados de "amarelinhos", ao preço de 5,00 reais. Os ônibus aceitam que os usuários levem malas, sacolas, bagagens, etc...Os oito primeiros bancos do ônibus são destinados a idosos, que não pagam passagem e dispõem de uma carteira de cor vermelha, onde está impressa a sua fotografia (a carteira é fornecida e a foto tirada no TICEN, gratuitamente). A primeira poltrona do ônibus, mais ampla, é destinada a idosos obesos.
Isto é, a primeira poltrona é minha !
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AUTOR : James Pizarro

ZÉ DA BANDA E SUA ESQUINA DEMOCRÁTICA

Todas as vezes que vim à Canasvieiras e mesmo agora, que aqui me radiquei , sempre estive hospedado nas vizinhanças do cruzamento da rua Madre Maria Villac e rua Antônio Prudente de Morais. É uma esquina "sui-generis", que tratei de batizar de "Esquina Democrática", a exemplo da congênere existente na capital gaúcha.
Ali existem duas sorveterias. Várias lojinhas de roupas. Existe a "Pousada Central". Nas proximidades, a Academia Apollo. Uma casa de câmbio. Uma loja superpopular, que vende de tudo, de propriedade do "Seu" Luiz, simpático gaúcho de numerosa prole. A maior revistaria de Canasvieiras também está ali, de propriedade do simpático carioca Juarez, advogado e torcedor fanático do Fluminense. Ali se reunem ou passam as mais diversas pessoas, pedindo informações ou esticando o tempo para conversas, troca de noticias e piadas. "Foguinho" é um artesão de Porto Alegre, já radicado em Canasvieiras há 23 anos. Tem uma filha pedagoga, noiva de um médico de Santa Maria. "Baiano", outro frequentador do local, sempre com sua bicicleta, é prestador de serviços gerais. O popular santa-mariense "Bigode", que possuía um estabelecimento comercial em frente ao Regimento Mallet,em Santa Maria, agora está estabelecido aqui com um restaurante. Severino, pernambucano gozador, é dono de uma loja de informática. O uruguaio, casado com uma gaúcha de Livramento, é frequentador assíduo. Um gaúcho de Erechim trabalha com câmbio. Um argentino tem uma lan house. O "Seu" Sérgio, paulistano que tinha negócios na CEASA de SP, atraído pela sua filha e genro que aqui moram, transferiu-se para cá, onde trabalha com transporte de passageiros para aeroporto e rodoviária. São dezenas de pessoas.
Mas a figura mais folclórica do local, onde é encontrado das 9h até às 18h, é o "Zé da Banda", provavelmente uma das pessoas mais populares de Canasvieiras. Paranaense natural de Jandaia,afrodescendente, músico, radicado em SC há muitos anos, era o regente da banda escolar de um colégio estadual de Florianópolis. Promoveu o primeiro concurso de bandas marciais em SC. Trabalha o ano inteiro alugando seus carros, transportando turistas para o aeroporto e rodoviária ou para passeios em toda a ilha,fazendo câmbio de dólares, euros,pesos. Presta informações a todos com notável simpatia. Indica apartamentos para aluguel. É conhecido de praticamente todos os turistas argentinos.No mês de janeiro de 2008 sofreu uma tentativa de assalto em plena esquina, com milhares de pessoas na rua. Reagiu ao meliante. Foi atingido por vários disparos, escapando como por milagre. Recebeu a solidariedade de todos. "Zé da Banda" foi a pessoa com a qual travei conhecimento imediato tão logo aqui cheguei. Inclusive o primeiro apartamento que aluguei, de propriedade da Dona Chica, gaúcha de Livramento, foi indicação dele. É uma pessoa alegre,educada, extremamente honesta, caracterizada por um sentimento raro nos dias que correm : a solidariedade. Faz questão de ajudar a todos. E tem a simpatia de todas as crianças que passam pelo local. Usa um bordão para cumprimentar todos que passam ou chegam : "Como vai, sarado ?"
Claro que, como gaúcho, sou gozado o dia inteiro por aqui, sobretudo com lembranças referentes à Pelotas e à masculinidade dos pampas, gozado sobretudo quando o Colorado perde algum jogo.
Mas aceito tudo com a vontade verdadeira de entender o povo daqui, de me integrar a esta comunidade que escolhi para viver. Talvez pelo comportamento soberbo ou boçal de algum gaúcho que por aqui passou, alguns sejam preconceituosos. E tenham a imagem distorcida de que todo gaúcho queira se mostrar superior. Ou que venha lograr. Ou que venha fugido do RS por um passado não muito limpo. Já recebi algumas mensagens subliminares a respeito disso.
Mas a tudo ouço e procuro entender.
Eu amo Florianópolis e sempre fui fascinado pelas belezas naturais desta ilha mágica. Agora estou na fase de namoro com seu povo.
Pretendo ser um manezinho adotivo.
Estou fazendo força para ser um deles.
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AUTOR : James Pizarro

UM CÃO QUE DIZ DE PERTO AO MEU CORAÇÃO

Fico irritado quando falam em cão "vadio". Desses que existem às dezenas pela praia e ruas de Canasvieiras. Vadio é o dono irresponsável que o deixou na rua. Que não o esterilizou. Que jogou o filhote ao abandono.
O nome técnico é cão "errante". Que erra, isto é, que vagueia sem rumo. Sem paradeiro. Sem norte. Destino. Dono. Afeto. Que luta pela sobrevivência no inverno, na baixa temporada. Pois na ausência de turistas, os restos de comida se tornam escassos.
À noite, na época das baixas temperaturas, eles se recolhem sob as marquises. Onde são acolhidos pelos mendigos. Que também tremelicam. Perdem peso. Adquirem sua bronquite. Pneumonia. Entranhas cheias de vermes. Pelos com ectoparasitas.
Como moro a trinta metros do mar e caminho diariamente na praia, levo restos de comida para os cães. Para um deles em especial.
Parece um lobo. Lindo animal. A miséria não lhe tirou a dignidade. O porte altaneiro.
Ele espera a mim e minha mulher. Levamos a comida em sacos plásticos. Depois que ele come - e também outros comem - recolhemos os sacos e colocamos nas lixeiras. Os outros cães se vão.Passam. Cumprindo seu destino de passantes.
Mas este, em particular, costuma caminhar conosco. Faz festa. Ele não possui músculos da mímica, como os homens. Logo, não podem fingir.
Então ele sorri como pode.... sacode a cauda.
Parece um lobo. Pelo lindo, embora sujo, tem meu cão predileto.
Eu não posso trazê-lo para casa. Adotá-lo. Como seria meu desejo. Pois moro num apartamento.
Mas ele - nos enigmas tortuosos lá do seu genoma - "sente" que temos uma ligação de afeto.
Cada manhã que piso na areia vislumbro a praia em toda a sua extensão, não sem certa ansiedade. E eis que lá vem ele, como surgido do nada.
Mas já experiente na vida, sei que um dia ele não virá. Ele poderá ter partido para sua definitiva viagem espacial, rumo ao Grande Deus dos Cachorros.
E ninguém mais, a não ser eu, sentirá falta dele.
Mas também poderei eu partir antes dele. Quantos sentirão falta de mim ?
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Autor : James Pizarro

UM SONHO QUE APODRECEU

Era início da década de 60. E ele participava de todas as palestras sobre socialismo. Ouvia tudo sobre socialismo. Sempre na primeira fila, absorvia tudo.
Estava presente nas mostras de filmes alternativos sobre política.
Ajudou a carregar a mala do Padre Alípio, padre nordestino " subversivo", quando ele esteve em Santa Maria,RS, para fazer palestras sobre as "Ligas Camponesas" (uma espécie de "Movimento Sem Terra" dos anos 60, mais organizado e menos parasitário, pois eles continuavam trabalhando duro na terra).
Não perdeu um só filme da Semana do Filme Polonês, no famoso Cine-Teatro Imperial, rua Dr. Bozano, hoje transformado em loja de calçados.
Encomendava livros de teoria política para o Seu Bráulio, na Livraria do Globo.
Sabia todos os detalhes da revolução russa de 1917.
Foi quando casou e teve de trabalhar de verdade, em mais de um emprego. Enquanto seus amigos continuavam teorizando nos bares. Alguns ainda continuam nos bares. Cirróticos e solteirões.
Veio a revolução de março de 64. E os seus grandes líderes políticos fugiram para o exterior.
Ele ficou estático quando viu ruir a URSS. A decadência do sonho igualitário.
Com espanto, custou a se dar conta que o ciclo do comunismo - iniciado em 1917 - tinha terminado, quase cem anos depois, com a queda do muro de Berlim.
Nunca mais viu filmes políticos.
Nunca mais viu seus ex-amigos, hoje todos figuras importantes da República Lulista.
Quase todos ricos. Empresários. Assessores. Deputados. Ministros.
Alguns envolvidos em escândalos financeiros que,na mocidade, tanto combatiam.
Hoje, ele gosta muito de ouvir antigas músicas no seu computador.
Tarde chuvosa de sexta-feira outonal. Sombria. Em pé, à janela, olhando para as nuvens negras.
Um dos seus netos perguntou que música era aquela que tocava. Uma espécie de marcha solene. Com coral de centenas de vozes.
Ele respondeu secamente, disfarçando a voz embargada :
- É a Internacional Socialista.
O neto se contentou com a resposta. E saiu da sala.
Não viu as lágrimas que escorriam pelo rosto alquebrado do avô.
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AUTOR : James Pizarro

GRUPO PORTAL DO CHORO, FLORIANÓPOLIS

José Carlos Mello foi meu aluno de Biologia no cursinho pré-vestibular MASTER, em Santa Maria, RS. Cursou Medicina na UFSM e era membro do conjunto musical Charmers, que animava as famosas reuniões dançantes nos clubes Comercial e Caixeiral.
Depois de 30 anos, reencontro o José Carlos (que tinha o carinhoso apelido de "Cabeção") como médico cardiologista da Clínica Continental, no bairro Barreiros, em São José, vizinha cidade de Florianópolis.
Conversamos muito e ele me contou que jamais abandonou a música e que, aos fins-de-semana, toca violão profissionalmente num conjunto de choro, chamado GRUPO PORTAL DO CHORO. É um grupo formado por oito elementos : violão 7 cordas, bandolim, pandeiro, flauta, clarinete, cavaquinho e percussão. Nos vocais, duas vozes masculinas e duas femininas, sendo que dois instrumentistas também são cantores fechando as quatro vozes.
João Carlos Mello me disse que o repertório é composto de choros, bossa nova, samba de raíz, pagodes selecionados e músicas próprias. Além dele, integram o conjunto os músicos Tânia, Rui, Claudio, Laércio, João Paulo, Leandro e Nane.
Um exemplo raro de alguém que consegue conciliar a atividade profissional com a arte !
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AUTOR : James Pizarro

LULA E O PONTO "G"

Fui um operário da Biologia durante mais de quatro décadas. Dava aulas na UFSM, RS. E também em cursinhos pré-vestibulares. Nos arroubos de retórica, me permitia um ou outro palavrão. Que estava sempre ligado ao conteúdo da matéria exposta. O que me deixou com a fama de "desbocado", título que pelo jeito levarei para o túmulo muito embora há mais de dez anos não diga um palavrão.
Depois que regressou dos Estados Unidos recentemente, ouvi o presidente Lula dizer (falando sobre empreendedorismo para empresários) : "Vocês precisam encontrar o Ponto G da criatividade". Como comentaria dias depois o articulista Tutty Vasques : "Se não meter o dedão lá, o negócio não funciona mesmo".
Desliguei a TV e fui olhar o céu e o mar de Canasvieiras.
Em matéria de abuso oral fiquei desatualizado. E definitivamente superado.
Quem diria...
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AUTOR : James Pizarro

PEIXARIA CALOTEIRA

A cidade de Florianópolis gira ao redor de alguns pontos primaciais : Praça XV, Catedral, Calçadão e - sobretudo - o famoso Mercado Públcio Municipal, com suas 124 bancas.

Um público estimado em 70.000 pessoas passa pelas bancas do Mercado Público todo santo dia. A imprensa noticia que 45 % das 124 bancas estão com o aluguel atrasado. O que causou mais impacto na população foi esta denúncia feita pelo Diário Catarinense :

"Uma das maiores peixarias não paga a locação HÁ 15 ANOS (o grifo é meu). Deve R$ 40 mil em impostos à prefeitura municipal. Mas está lá. E só vende à vista."

Pergunta-se : o que faz o Ministério Público ? A Secretaria da Fazenda ? A Receita Federal ? A própria Prefeitura Municipal ?

Bota peixaria poderosa nisso...
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AUTOR : James Pizarro

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A RESSURREIÇÃO DE M.

Vou chamá-los de F (marido) e N (esposa), meus amigos há muitos anos. Companheiros nos bons e maus momentos. São pais de M, filho único, hoje casado e pai da graciosa C, filha de 9 anos. Que fazem o encanto da velhice de F e N.
M andou envolvido com amizades e situações perigosas. E se transformou em dependente químico. Teve duas internações em comunidades terapêuticas, as populares "fazendas".
F e N jamais desistiram de M. Enquanto o filho esteve internado, eles também frequentavam religiosamente os grupos de mútua ajuda destinados aos pais de dependentes químicos. Absorveram inteligentemente os chamados "12 Passos" necessários à recuperação.
No mês de setembro/2010, no dia do aniversário do pai F, o filho M (abstinente há muitos anos, trabalhando e estudando) enviou um e-mail ao pai. O pai F, emocionado e orgulhoso, me passou às mãos uma cópia do e-mail.
REPRODUZO ABAIXO o e-mail do agradecido filho M. Para que outros pais e mães em situação semelhante jamais percam as esperanças e a fé em Deus. Porque a recuperação é difícil. Mas é algo possível e alcançável. Desde que toda a família se engaje na luta. A luta desta família para salvar seu filho é um modelo de perseverança e inabalável fé em Deus. Fui testemunha e irmão de caminhada neste milagre de ressurreição. (JAMES PIZARRO).

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"Meu grande pai : antes disso és meu melhor amigo, pessoa em quem confio cegamente. Venho por estas palavras te parabenizar e te dizer o quanto tu és importante na minha vida. Não te falo pessoalmente porque não levo jeito. Quero agradecer pela educação que me deste, pela estrutura familiar em que fui criado e que serve de modelo para criar minha filha. Jamais esquecerei do que fizeste por mim na fase mais difícil de minha vida, quando estiveste sempre ao meu lado junto com minha preciosa mãe. Quando moramos com vocês, eu e minha mulher grávida, nada foi fácil. Lembra quando foram me buscar da cidade de I ? Lembra das inúmeras situações antes e depois desta ? E agora estamos todos muito felizes. É passado. Mas a gente jamais esquece. Acredito que não seria o momento para escrever sobre isso, pois queria apenas dar felicitações pelo teu aniversário. Mas não quis perder a oportunidade de escrever o quanto vocês são importantes na minha vida. Quero que saibas, meu pai, que tu sempre foste um exemplo de pai para mim, que agradeço todos os dias a família que Deus escolheu para mim. Cada dia que passa, minha filha cresce e vejo o quão importante é ter uma família de verdade. E graças a Deus eu tenho uma ! Nunca ouvi falarem nada de ti, meu pai. Ao contrário, sempre foste citado como exemplo de ter todas as qualidades de uma pessoa íntegra, de boa índole. Pois de nada adianta se a gente não tem o exemplo em casa. Nessa minha nova fase de vida estou aprendendo realmente o que vale e o que não vale a pena.Pois existem coisas nas quais a gente só acredita quando vive, pois nessa correria em que vivemos hoje muitas vezes só apontamos os defeitos e esquecemos de salientar as qualidades de cada um. Mas nesse momento, meu pai, eu posso bater no peito e dizer que sou um homem feito, que não me preocupo com o que os outros pensam ou falam de mim, pois eu tenho pessoas ao meu redor que me amam pelo que eu sou...e não pelo que eu poderei vir a ter. Ainda sou jovem mas já passei por muitas dificuldades comigo mesmo. Não foi fácil ter responsabilidades e aprender a viver um dia de cada vez. Meu pai : quero que saibas que hoje sou um homem de responsabilidade e muito diferente daquele ser inútil que eu fui um dia, pois vivo para minha família. Devo muito a vocês dessa vida maravilhosa que hoje tenho. Quero, pai, por estas palavras te deixar um imenso abraço com todo amor que um filho pode ter. Fique com Deus e que tenhas muitos e muitos anos de vida. Amo muito vocês ! Com muito orgulho dos pais que tenho, aceitem um abração.
(assinado) M "

sábado, 2 de outubro de 2010

SEVERINO, UM VENCEDOR

Severino de Oliveira Marinho, nascido em Recife, PE, foi uma das primeiras pessoas com as quais travei conhecimento em Canasvieiras. Simpático. Gozador. Piadista. Um homem de bem com a vida. Que adora tirar sarro com todo mundo, sobretudo com gaúchos.
Ele veio morar na praia de Canasvieiras em 1992. Deixou sua esposa e filhos estabelecidos com uma mini-mercearia. Trabalhou duro como garçon. Juntou alguma economia. E a agregou ao dinheiro da venda da mercearia. Pode então trazer a esposa com os filhos. Alugaram um quiosque na praia para fazer comércio. E passou a vender sorvete. Salada de frutas. Coco verde. Fiscais da Prefeitura alegaram local impróprio. Fizeram-no abandonar o quiosque.
E Severino - mais conhecido em Canasvieiras por Marinho - sem local para o trabalho e sem dinheiro, teve de se mudar para outro local. Que era um mero projeto de vila. Foi se juntar a dezenas de outras famílias que se encontravam no mesmo local em idêntica situação de vida.
A favela ali formada não era um aglomerado de vagabundos. Eram dezenas de trabalhadores. Garçons. Copeiros. Cozinheiros. Garis. Catadores de material reciclável. Pedreiros. Carpinteiros. Auxiliares de serviços gerais.
E a liderança natural desse recifense chamado Severino aflorou em toda a intensidade. Passou a fazer reuniões. Arregimentou aliados. Ocupou espaços na rádio. Jornais. TV. Sofreu todo tipo de pressão. Ele e seus liderados eram tratados como "os sem terra do Balneário de Canasvieiras". Além da incompreensão por parte da maioria dos políticos da época, sofriam todo tipo de pressão e menosprezo de muitos comerciantes, políticos e pessoas importantes do balneário. Viam naqueles trabalhadores uma ameaça à sociedade. Uma mancha. Um borrão na paisagem.
Severino insistiu. Persistiu. Jamais desistiu. E levou a luta adiante pelos anos seguintes.
Quem mora nessa praia há muito tempo, lembra-se das 16 famílias que começaram esta luta. Lembram do outrora chamado "Loteamento Pinheirinho". Lembram de Severino.
Finalmente, por permuta, estes homens ganharam uma área na Cachoeira do Bom Jesus, bairro vizinho a Canasvieiras. Uma área com 7 quadras. terrenos de 120 metros quadrados. E mais uma área verde de 8 mil metros quadrados.
Operários construtores de suas próprias casas, lá se estabeleceram. E Severino, escondendo a emoção, sempre lembra a "Festa da Cumieira", nos primeiros meses de 1996, hábito comum no setor da construção civil. A segunda parte do conjunto habitacional foi concluída também com muita luta em 1999. As novas unidades habitacionais abrigaram as famílias da famosa enchente de 1995. E também aos que moravam em condições precárias na faixa de domínio da BR-282.
Hoje existem creches. Centro educacional.Área de lazer. Mais de 300 famílias lá estabelecidas. Na hoje chamada, VILA UNIÃO.
Enquanto este nordestino, a quem hoje posso chamar já de meu amigo, me contava estas coisas todas...eu imaginava a luta de todos os trabalhadores brasileiros marginalizados. Sem casa. Sem emprego fixo. O esforço dos desvalidos. Da divisão infame existente no Brasil. Entre aqueles que têm tudo. E os que nada têm. Entre os que têm sede. E os que são donos da água. Os que têm fome. E os que são donos dos grandes supermercados. Os que têm frio. E aqueles que moram nas coberturas com calefação central. Enquanto Severino falava eu ficava a me lembrar do também nordestino Ariano Suassuna. Da sua grande obra "Vida e Morte Severina".
Meu amigo Severino, nordestino radicado nessa praia catarinense, nesse pedaço de paraíso que nem mesmo os nativos daqui sabem dar o devido valor, é feliz. Pegou as rédeas de sua vida na mão. E generoso, viril, tomou as rédeas nas mãos da vida de dezenas de favelados. E conduziu este comboio de carne, sangue, suor e lágrima rumo à vitória da VILA UNIÃO.
Hoje estabelecido no centro de Canasvieiras com uma moderna loja de equipamentos eletrônicos e de computação, me servindo um cafezinho, Severino lembra os anos de luta.
É um homem que poderia ter tirado dividendos políticos de sua luta. Ter tentado a politica. Ou ter virado um prepotente, um vaidoso, um boçal por ter sido um vencedor.
No entanto, Severino é modesto. Humilde. Sorridente. Gentil.Trabalhador.
Porque ele tem o carater dos generosos.
Daqueles que levaram uma vida severa...uma vida severina. E nem por isso se deixaram abater.
Severino olha pra frente. E pro alto.
E eu, como seu amigo, recém aportado aqui nesta praia maravilhosa, desejo que Deus dê a ele e aos seus familiares o que ele merece :
Glória alta ! Vida longa ! E compreensão entre os homens !
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AUTOR : James Pizarro