segunda-feira, 29 de junho de 2020

UM SONHO DE CIDADE - JAMES PIZARRO (30.6.2020 - DIÁRIO de S. Maria, pág. 4)

O coreto da praça Saldanha Marinho com a banda militar tocando dobrados maravilhosos e o povo encantado com as manobras feitas nos pratos pelo sargento Leobaldino, vulgo “Farol”. Enquanto crianças encantadas tentavam falar com as tartarugas do chafariz da praça. Senhoras de cabelos brancos e homens tomando chimarrão calmamente sentados nos bancos bem cuidados. E centenas de pássaros voejando entre as dezenas e dezenas de árvores. Pipoqueiros. Vendedores de carapinha e algodão doce. A subida do perau com estrada imaculadamente limpa. Nenhuma pedra de basalto do calçamento solta. Nada de lixo nas valetas. Colibris sugando com delírio. Vista deslumbrante dos contrafortes da serra. Anunciando a breve chegada nos lindos balneários com seus límpidos açudes. Todos com águas transparentes e potáveis. Ambientes sem mosquito pólvora e sem sanguessugas. Ruas e avenidas da cidade rigorosamente limpas. Trânsito fluindo organizado. Sinaleiras em perfeita sincronia, com “onda verde” tecnicamente planejada. Nenhum ponto de estrangulamento ou perda de tempo para irritabilidade de motoristas e pedestres. Asfalto com marcações perfeitas, faixas de segurança rigorosamente pintadas. Pistas de rolamento feito um veludo. Nada de solavancos. Zero de buracos. Morro do Cechella com um gigantesco monumento de Nossa Senhora Medianeira, mais alto do que o Cristo Redentor. Com luzes que são avistadas até à Quarta Colônia. Com restaurante panorâmico no morro. Capela para realização de missas. Dezenas de lojas para venda de objetos e recordações turísticos. Centenas de turistas visitam o local, pois o morro foi totalmente dotado de toda espécie de equipamentos Posto policial e posto médico no local dão suporte ao turista. Do Morro do Cechella até à estrada que dá acesso a zona da serra, passando por cima da barragem do DNOS, um teleférico deslumbrante que atrai a atenção de todos. Uma grande obra de engenharia, orgulho da cidade e seus habitantes. Que atrai milhares de turistas por ano. Gare da antiga estação da Viação Férrea do RS no final da avenida rio Branco totalmente recuperada. Porque dela parte o “Expresso UFSM”, um comboio de dezenas de vagões de passageiros, carros pintados de azul e branco com o quero-quero da UFSM nas paredes externas, puxado por uma locomotiva Maria Fumaça. Transporta os estudantes da gare até o campus da UFSM, pois da estação de Camobi foi puxado um ramal de dois quilômetros até dentro do campus. Custo zero ou quase zero para os estudantes. Plano de arborização gigantesco para todo o município de Santa Maria prometido, em conjunto, por todos os candidatos a prefeito para as próximas eleições, já que há décadas não se tem notícia de plano e execução REAL e CONTINUADO de árvores no município. Neste momento, quando estou radiante de alegria, sou sacudido por minha mulher que me acorda da soneca depois do almoço para me avisar que o fisioterapeuta chegou. E tenho de fazer meus exercícios de recuperação muscular por causa da pandemia, por estar muito tempo em casa sem caminhar. Eu estava sonhando...

terça-feira, 16 de junho de 2020

ARTHURZINHO, UM AMIGO GIGANTE - JAMES PIZARRO (DIÁRIO, pág.4, edição de 16.6.2020)

Passamos por tempos estranhos. As pessoas estão nervosas. Fragilizadas. Sensibilidade exacerbada. E há razões de sobra para instabilidade emocional. Desequilíbrio no orçamento doméstico. Falta de reajuste salarial há anos. Milhares de desempregados. Ou medo de perder o emprego que tem. Queda das vendas. Crise financeira. Tudo é motivo para imediato debate eivado de agressividade. E há ainda a pandemia estremecendo os nervos de todos. Dia desses, desci ao subsolo do prédio onde moro pelo elevador de serviço para levar o lixo. Quando entrei, dei “bom dia” a uma senhora que estava já no elevador. Pois sou do tempo antigo, habituado a cumprimentar os outros. Imediatamente, sem me responder o cumprimento, ela lascou raivosa : “- Bom dia só que seja para o senhor, aposentado federal, vida mansa e acomodado”. Na véspera eu tinha feito um procedimento cirúrgico com o talentoso cirurgião e meu querido amigo Dr. Chariff DDine para remoção de um cisto na região inguinal, onde levei nove pontos. Estava ainda com dores. Olhei aquela senhora raivosa e ressentida. E me deu vontade de manda-la para um certo lugar. Mas lembrei dos conselhos da saudosa vó Olina, meu eterno anjo da guarda. E fiquei calado. Fiquei feliz com a minha resiliência. E ainda esperei ela terminar de colocar o seu lixo e fiquei segurando a porta do elevador para ela entrar. Tem de matar o ódio com a delicadeza, a educação e o silêncio. Mas em contraposição a figuras amargas como esta senhora, existem outras. Que fazem a vida valer a pena. E que faço meu personagem dessa crônica de hoje : meu amigo Arthur Neves da Silva. Funcionário do setor administrativo da FIAT há mais de trinta anos eu acho. Carinhosamente, conhecido em toda a cidade por Arthurzinho. Um modelo de simpatia e gentileza. Uma pessoa de relações. Com livre acesso em todos os segmentos da nossa cidade. O Arthurzinho tem uma bem constituída família, esposa enfermeira e duas filhas estudantes. Seu velho pai, meu amigo Severino, com 80 anos, mora com ele. E recebe todos os cuidados que poucos filhos neste país dedicam a um pai idoso, desde as refeições, banho, passeios e todo tipo de vontade. A esposa enfermeira trabalha no Hospital Universitário e também na Prefeitura Municipal, razão pela qual Arthurzinho assume tarefas múltiplas do lar para que a esposa – a quem muito ele admira pela capacidade de trabalho – possa desempenhar bem suas tarefas e ter suas necessárias horas de descanso. O Arthurzinho é meu companheiro de cafezinho na lancheria “Café & Doce”, do meu amigo Ildo, no Calçadão desde que regressei de Florianópolis. Mas não nos encontramos há mais de três meses porque estou em isolamento. Nos falamos pelo facebook diariamente ou pelo telefone. E uma vez por semana sou chamado na portaria do meu prédio porque há sempre uma lembrança ou agrado do Arthurzinho deixado lá. Ele sabe dos meus gostos. Uma semana traz conserva de pimentão. Ou cebolinhas em conserva vindas da Quarta Colônia. Ou rapaduras de amendoim. Ou bolos para “a tia Vera tomar café”. Em contraposição, a gente deixa na portaria pães feito em casa pela Vera Maria para ele levar. Devo uma série de gentilezas outras ao Arthur. De me acompanhar até em casa carregando coisas mais pesadas. Ou me trazendo remédios da farmácia quando está pelo centro. Ou me fazendo indicações de pratos especiais em restaurantes para telentrega. Ou telefonando para bater papo porque sabe que sinto falta de conversa com os amigos. E ele sabe – é da sua essência e da sua alma – ser companheiro e afetuoso com os outros. Numa época em que o mundo parece ser movido apenas por interesses econômicos. Por isso, esse registro público ao meu amigo Arthurzinho !

segunda-feira, 1 de junho de 2020

ENGOLINDO SAPOS NA QUARENTENA - James Pizarro (DIÁRIO de SM, pág.4, edição de 2.6.2020)


Uma das figuras mais pitorescas que o centro de Santa Maria conheceu foi o "Engole-Sapo". Vivia rigorosamente vestido de terno e gravata e com uma imensa corneta de lata nas mãos, precursora certamente dos modernos megafones. Usava também elegante chapéu marrom eu bem me lembro.

Ele era propagandista de lojas, farmácias, circos, bailes – enfim – anunciava qualquer tipo de coisa. Usando a corneta de latão, ele berrava nas esquinas com voz potente, o que lhe valeu um papo no pescoço. Em ocasiões especiais, principalmente nas dependências do Café Cristal, na Primeira Quadra (hoje, Calçadão Salvador Isaia), ele tirava um sapo de um vidro e diante do estupor da platéia, ele engolia o batráquio. Minutos depois ele regurgitava o mesmo, sendo aplaudido com delírio. Com o dinheiro conseguido pelo trabalho que fazia, conseguiu sustentar uma filha, que se formou professora nessa valorosa Santa Maria da Boca do Monte.

Vivo fosse hoje, o “Engole-Sapo” certamente faria furor como conferencista no atual momento pelo qual passa a humanidade. Em particular, os brasileiros. Certamente ele teria preciosas lições a ensinar de como engolir sapos depois de escutar noticiário de televisão, por exemplo.

Mas troquemos para assuntos mais leves...Mega-Sena, por exemplo !

Todo dia que tem sorteio da Mega-Sena eu jogo alguns cartões e um ou dois bolões, por bondade da Tatiane, da Lotérica da Galeria Roth, que me traz os jogos a domicílio já que estou há quase três meses  sem sair de casa.  Estou tentando ganhar para provar uma verdade a respeito da nossa “sincera” sociedade de consumo.

Se eu fosse vencedor e ganhasse toda bolada sozinho, o pessoal que me critica e me chama de "gordo louco" imediatamente passaria a me chamar de fofinho simpático. Ou obeso excêntrico. Ou diriam que nunca tinham reparado na minha simpatia contagiante. Por aí...

Logo ressurgiriam das cinzas, parentes distantes que nunca falaram comigo. Conhecidos que nunca responderam minhas mensagens de facebook. Gente que nunca vi escrevendo cartas melosas pedindo ajuda financeira.

E como tudo é possível, alguma cinquentona com um filho maior de idade, a tiracolo, exigindo um DNA.

Seria a consagração da hipocrisia !