terça-feira, 26 de setembro de 2017

AS LEIS EMPANTURRAM AS TRAÇAS E AS BARATAS - crônica de 26.09.2017 no Diário de Santa Maria

Em boa hora e com grande repercussão pública, o Diário de Santa Maria publicou reportagem sobre leis municipais que nunca tinham sido cumpridas, apesar de devidamente discutidas e aprovadas e – portanto – vigentes. Entre as dezenas citadas na bem elaborada matéria, foi citada a Lei Municipal 3240, de 1990, de minha autoria, que cria o “Setor de Conservação e Cadastramento de Monumentos da cidade e dá outras providências”.
Lembro bem que à época – legislatura 1988/1991 – tive enorme trabalho para elaborar o texto dessa lei, pois precisei me socorrer do auxilio de professores e alunos dos cursos de História e Geografia para mapear todos os monumentos então existentes na cidade e sua localização. Lembro que o projeto foi vetado pelo prefeito e o veto derrubado na Câmara, sendo a lei sancionada pela unanimidade dos vereadores.
Mas os monumentos – objeto da minha atenção – estavam azarados ! Pois a lei, aprovada em 1990, ate hoje não foi cumprida e o cadastro não foi criado. Desconfio que muitos dos monumentos citados na minha lei não existam mais. Tenham sido trocados de lugar, surrupiados, derretidos ou estejam mofando em algum depósito ou almoxarifado desta cidade “cultura”.
Mas fui consultar meus arquivos e me deparei com outras leis de minha autoria que – salvo melhor juízo – acho que jamais foram cumpridas. E que por curiosidade histórica resolvi lembrar, pelo menos de algumas.
Obriga vendedores de mel a apresentarem resultado de análise química do produto. (LM 3199/90).
Obriga empresas estabelecidas em Santa Maria com comercio de agrotóxicos a dar destinação final às embalagens dos mesmos. (LM 3206/90).
Obriga os proprietários rurais com atividades agrícolas comprovadamente agressivas ao meio ambiente a apresentarem projetos de medidas mitigadoras e compensatórias de recuperação. (LM 3287/1990).
Cria o plano de arborização urbana e rural e dá outras providências. (LM 3287/90).
Estabelece normas para a manutenção de animais destinados a comercialização em lojas e outros estabelecimentos comerciais. (LM 3237/90).
Obriga freqüentadores de academias de ginástica e musculação a apresentarem Teste Ergométrico para detecção de cardiopatias. (LM 3313/91)
Proíbe o uso de lajotas vitrificadas na construção de calçadas no município. (LM 3363/91).
Obriga a promoção de reflorestamento em áreas degradadas nas encostas dos morros do município. (LM3269/91)
Obriga o Poder Público e a iniciativa privada a apresentarem relatório de impacto ambiental (RIMA) como pré-requisito para instalação de obra ou atividade potencialmente poluidora ou causadora de degradação ambiental. (LM 3290/91).
Dispõe sobre a arborização obrigatória das faixas de domínio das rodovias municipais. (LM 3498/92).
Trago em coleção apenas estas poucas leis porque são dezenas de outras porque – meticuloso que sou – as tenho arquivadas. Muitas vezes o legislador pode estar cheio de boa vontade. Pesquisar. Estudar. Cercar-se de técnicos. Redigir. Buscar apoio de seus pares. Conseguir a aprovação das leis.
Para que depois, melancolicamente, elas fiquem mofando numa gaveta. Alimentando traças e baratas.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

A BIODIVERSIDADE TRIBAL DO CALÇADÃO - James Pizarro (edição de 12.09.2017 do Diário de Santa Maria)

Há mais de ano frequento o calçadão diariamente.  Nos mais variados horários. Pela manhã costumo ficar às vezes – se a companhia estiver boa – cerca de três horas.  E mesmo sozinho fico apreciando o movimento. Cumprimentando as pessoas. Prestando atenção em tudo. E em todos. Volto pela tarde e faço a mesma rotina.

Claro que não fico estático. Vou ao cafezinho. Sempre com o Modesto Dias da Rosa, companheiro inseparável de todas as manhãs. Aparecem outros : Horst Oscar Lippold, Alfeu Scalcon. Mas tomado o cafezinho e dissolvida a roda de conversa, volto à minha  rotina no “PO” (Posto de Observação), como o jornalista Fabrício Minussi apelidou o banco onde fico no calçadão em frente à Galeria Roth.

Costumo ficar ali com olhos de lince. De observador do cotidiano. Vendo o destino dos passantes. As frases soltas. As discussões acaloradas. Quem me vê pensa sou apenas um ancião aposentado. Distraído.  Alma perdida. Esperando a morte chegar. Nem suspeita que liguei meus sensores. Para aprender coisas. Aumentar o aprendizado sobre a cidade.  Recolher material para minha crônica quinzenal. Aprender a biodinâmica de interações humanas na selva de cimento e suor.

E uma coisa que me saltou aos olhos é a variedade de “tribos” que habitam o calçadão Salvador Isaia. E todas mais ou menos fazem a ocupação de seu território seguindo um ritual de horário. Quem é da área das ciências ditas sociais ou humanas tem um prato cheio para estudar ou recolher material para escrever artigos especializados.

Posso listar as dezenas de pedintes pelo nome e seus pedidos preferenciais (dinheiro para o pastel, para passagem do ônibus, remédio, cigarro avulso, cafezinho). As simpáticas indiazinhas descalças, com 2 ou 3 anos de idade, sempre pedem moedinhas enquanto correm de banco em banco.

Às 9h00 horas abre a Lotérica Zebrão e suas simpáticas atendentes preparam-se para atender longas filas. Às vezes, ouvem coisas do arco da velha. Coisas que os clientes gostariam de dizer para os políticos e autoridades descarregam sobre as  funcionárias que pacientemente ouvem. Sorriem. E na maioria das vezes, calam.

Dezenas de militares reformados também têm cadeira cativa no calçadão. Conheço quase todos. Assim como os funcionários aposentados da UFSM, do governo do RS e do município de SM. Todos trocam informações sobre política. Existem também cidadãos que oferecem dinheiro a juro. Existem grupos de adolescentes munidos de mochilas em pleno horário escolar que dão a nítida impressão de estar gazeando aula. Existem artesãos que ocupam o solo do calçadão a partir de certo horário da tarde. Outros trocam os bancos de lugar sem que ninguém reclame com medo de se incomodar. Outros passam voando de skate.

Alheia a tudo, minha amiga dona Vera chega com sua bolsa cheia de saquinhos de ração. E distribui para os cachorros do calçadão. E fornece água a eles também. Depois junta os potes e saquinhos, deixa tudo limpo e vai embora. Os cachorros ficam felizes sacudindo a cauda.


E eu fico feliz também. Porque fico otimista. Fico achando que a humanidade ainda tem saída.