terça-feira, 19 de maio de 2020

SEPULTADORES, NÃO MAIS COVEIROS - James Pizarro (DIÁRIO - pág.4 - 19.05.2020)


Meus amigos mais antigos sabem que – desde os bancos escolares – meu poeta predileto foi o Augusto dos Anjos. Nasceu em 20 de abril de 1884 no município de Cruz do Espírito Santo, Paraíba.
E faleceu em 12 de novembro de 1914 em Leopoldina, Minas Gerais. Já perdi o número de vezes que comprei o seu livro “EU” para dar de presente a amigos. O meu exemplar de  “Eu e outros poemas” está cuidadosamente  guardado, encadernado que foi por um querido amigo padre palotino, exímio nesta arte livreira.

Ouso dizer que treino minha memória, uma das raras capacidades que a Natureza me deu, guardando e decorando os poemas do Augusto dos Anjos. Porque exigem muita concentração. E são repletos de milhares de termos técnicos, geralmente ligados às ciências naturais e biológicas.  Um dos sonetos que adoro atende pelo singelo titulo de “VERSOS A UM COVEIRO” :

Numerar sepulturas e carneiros
Reduzir carnes podres a algarismos
- Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros.

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
dos tábidos carneiros sepulcrais

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números,
A tua conta não acaba mais!

Existe uma publicação brasileira onde estão definidas as “ocupações” referentes a trabalho. E no que tange aos modernamente chamados “SEPULTADORES” (antigamente, chamados coveiros), lá está : “constroem, preparam, limpam, abrem e fecham sepulturas. Realizam sepultamento, exumam e cremam cadáveres, trasladam corpos e despojos, fazem a conservação dos cemitérios, máquinas e ferramentas de trabalho. Zelam pela segurança do cemitério” Na maioria dos cemitérios públicos não existe a carreira ou função pública de sepultador. São auxiliares de serviços gerais ou agentes de construção que  executam essas funções.

E para fazer todas essas atribuições, qual a remuneração média mensal de um sepultador nos cemitérios brasileiros ? Segundo o noticiário  da TV, nos cemitérios de SP ganham ao redor de 1000 reais mensais. Tive a curiosidade de saber a situação em Santa Maria. Liguei para o Cemitério Municipal e me informaram que só quem poderia  dar informações  era a Secretaria de Obras. A moça foi taxativa :”Eu lhe  dou uma informação e depois sobra pra mim”. Confesso que não entendi o receio.

Liguei para a  Secretaria de Obras onde fui gentilmente tratado. Sem mistério algum me passaram o telefone do Sr. Vagner, titular da Secretaria Municipal de Obras e este, em poucos minutos, me retornou a ligação e todos os dados. Em Santa Maria, um sepultador ganha em média 1200 reais que, acrescidos  das demais vantagens, totalizam 1500 reais mensais. Agradeço ao secretário Vagner pela rapidez e educação !

O papa Francisco fez menção na sua homilia da semana passada ao trabalho importante e nem sempre valorizado desta categoria de trabalhadores. Que são praticamente invisíveis na nossa sociedade. E que pretendi lembrar e homenagear no dia de hoje com este registro.

Vivo fosse, o meu querido poeta Augusto dos Anjos, teria de alterar o título do seu soneto para : “Versos a um Sepultador”.

terça-feira, 5 de maio de 2020

DIA DAS MÃES + PANDEMIA = MELANCOLIA - James Pizarro (DIÁRIO de S. Maria, pág. 4, edição de 5.5.2020)

No próximo domingo será comemorado mais um “Dia das Mães”. Talvez uma das datas mais importantes para o comércio, segundos especialista na área. Mas é importante pela oportunidade em si que todos têm de manifestar-se às suas genitoras. Por gestos, palavras, cartas, telefonemas, e-mails e presentes materiais. Querendo demonstrar todo carinho, agradecimento, respeito e veneração por aquela que lhes deu a vida.
Desde a criação deste dia especial os restaurantes ficaram lotados, pois reservas eram feitas com antecedência de muitos dias. Filhos e netos superlotavam rodoviárias e aeroportos viajando para a cidade da sua mãe. Ou aumentando o trânsito nas estradas com o aumento dos carros particulares transportando filhos para homenagear mamães residentes em outras cidades. Muitos filhos e filhas escolhendo este dia para apresentar à mamãe o seu(sua) namorado(a) para receber a aprovação da futura sogra.
Enfim, era assim o mundo e o dia das mães...Até o aparecimento da pandemia do coronavírus-19 !!!
Filhos ficarão afastados das mães com medo do contágio. Seguindo a recomendação dos infectologistas e epidemiologistas. Mensagens serão trocadas por vídeo. Messenger. Whatzap. Telefone. Alguns buzinarão o carro e se verão da rua e abanarão da janela ou da sacada do apartamento. Alguns mandarão entregar flores, se é que elas ainda existem com esta falta de chuvas. Talvez outros mandem entregar um café da manhã.
Aqui em casa, dolorosamente, pela primeira vez não faremos o tradicional almoço em família. Quando os filhos, genros, nora e netos todos se reuniam – vindos de todos os cantos - para homenagear a Vera Maria, a mãe mais dedicada que eu conheço. Almoçaremos só eu e ela. Porque é preciso obedecer à Ciência, à Medicina, à nossa médica. Por que temos amor às nossas vidas. Porque temos respeito pelas vidas dos nossos vizinhos, amigos, colegas, pessoas em geral. E principalmente porque queremos ter a oportunidade de viver mais anos para ver as vitórias de nossos netos. Já suportamos tantas coisas. Vamos suportar mais esta.
Quem tem a sorte fantástica de ainda ter a mãe viva não se queixe que vai almoçar longe dela !
Porque se ela está viva você ainda pode telefonar. Ouvir sua voz querida. Pode vê-la no vídeo do celular ou computador. Abanar para ela. Ver sua face emocionada. E suas lágrimas. Ir com seu carro e abanar para ela lá no terceiro andar do prédio onde aquela figura de cabelos brancos mora. Você pode fazer tudo isso. Você tem sorte.
Porque eu não posso mais fazer isso. Desde 28 de julho de 2016.
O dia triste em que minha mãe morreu.

sábado, 2 de maio de 2020

SOCORRO - James Pizarro (2.5.2020)

Recebo comumente várias ligações diárias de telemarketing, Muitas nem atendo porque reconheço o número olhando a BINA. Outras entidades são mais espertas, como o famigerado BMG, que usa mais de 30 telefones diferentes para te torrar a paciência.
Mas de umas semanas para cá estou intrigado com uma nova chatonilda nessa área. Ela liga de cinco a dez vezes por dia. Voz sensual, melíflua, educada, dá bom dia e pergunta : "Queremos falar com o Rafael".
Já tentei de tudo. Disse que aqui não morava nenhum Rafael. Disse que o Rafael tinha morrido de coronavírus. Mas ela é insistente. E continua ligando. Hoje, às 8h00 da manhã, eu sentado no vaso lendo o jornal e toca o telefone. Saí correndo pelado casa a fora porque sempre imagino que possa ser um filho ou um neto que esteja doente. Era a desgraçada perguntado pelo Rafael. Perdi totalmente a compostura e mandei a cidadã TNC !
Alguém de vocês sabe quem é esse FDP do Rafael ?
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sexta-feira, 1 de maio de 2020

A CONEXÃO DE AMOR E O KÄSEKUCHEN - James Pizarro (1.05.2020)


Eu adoro bolo de requeijão. Que aprendi a comer em Panambi. Uma das especialidades das confeitarias e padarias de lá. Minha filha Nara mora e trabalha lá há cerca de trinta anos. Casada com o alemão Carlos Kober, está perfeitamente adaptada à cidade, que ama de todo coração, tendo se tornado Cidadã Panambiense.
Quando eles vêm a Santa Maria sempre trazem de presente para mim uma grande encomenda : "käsekunchen", o meu amado bolo de requeijão, que adoro comer gelado. Que a minha neta Amanda, filha da Nara, exímia cozinheira como a minha mulher, acabou aprendendo a fazer. Amanda se formou em Engenharia de Produção pela UFSM ano passado e ficou residindo com o Matheus em Santa Maria.
Hoje, feriado de 1/5, Dia do Trabalho, fui dar uma sesteada e tive um sonho com a querida neta Amanda (comigo na foto de arquivo, do tempo em que a gente ainda podia se abraçar). Um sonho em que ela falava e falava e eu não entendia o que ela dizia. Acordei cheio de ansiedade e chamei minha mulher que estava na sala vendo TV. Mal terminei de lhe narrar meu sonho ela me disse :
- Faz 5 minutos que a Amanda ligou e disse que terminou de fazer um bolo de requeijão prá ti e que está vindo prá cá para te entregar na porta porque está morrendo de saudade de nos ver.
Fiquei petrificado. E alguns minutos depois a campainha tocou. Era ela. A Vera contou para ela sobre meu sonho. Nos vimos através da porta de ferro da porta. Sem poder nos abraçar. Nem beijar. Ela levou as bolachinhas de nata que a Vera fez e que ela tanto gosta. Fiquei com meu bolo de requeijão. Ela apenas me disse : "Eu e o vô sempre tivemos uma conexão muito forte".
Chorei muito. Mas foi de amor.
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