sábado, 30 de março de 2019

BURRICE É FOGO - James Pizarro

Certa vez, há muitos décadas, fiz um poema levemente concretista, que tinha apenas dois versos e todas as palavras começando pela letra "o". Era para um concurso. O titulo era "Obituário". Era apenas isso :
"O orgasmo na orgia
É o óbito do ovário"
Um colega professor me perguntou espantado o que eu queria dizer com aquilo. Ele me confessou : "Não entendi patavina !"
Eu disse pra ele que achava sexo grupal, a famosa suruba, uma coisa depressiva. Que achava deprimente para a mulher que participasse. E que pretendia dizer isso naquele poema.
Ter de explicar as coisas para os outros é a mesma coisa do que repetir piada para um ouvinte que não entendeu a primeira vez. Perde a graça.
Encerrei minha carreira de poeta ali. Mesmo antes de ter começado.

ROSTO COLADO - James Pizarro

Em conversa com um grupo de jovens no calçadão relatei sobre os bailes de antigamente. E sobre o clima que rolava quando a gente conseguia dançar de rosto colado no centro do salão uma música romântica. E falar baixinho coisas amorosas.
E também falei sobre o ódio que dava quando um chato da diretoria do clube (chamado de "diretor de mês") vinha interromper e chamar a atenção que a gente não podia dançar de rosto colado.
Os jovens me olharam espantados. E não entenderam nada. De certa forma fiquei com pena. Porque eles jamais serão capazes de imaginar como era bom.

É PRECISO SONHAR - James Pizarro

É preciso sonhar. Sempre.
Insistir. Persistir.
Jamais desistir.
Mesmo que ardam os olhos.
Que as retinas fiquem embaçadas.
Olhos esfumaçados pela catarata.
É preciso sonhar. E ver com a alma.
Mesmo que os ouvidos percam sua percepção.
Que o som fique distante. Conturbado.
É preciso sonhar. E ouvir com o coração.
Mesmo que as pernas fiquem cansadas.
Os passos claudicantes. E os tropeços iminentes.
É preciso sonhar. Prosseguir andando. Com a musculatura da fé.
É preciso sonhar. Quem perdeu a capacidade do sonho está morto.
Está podre. Fede.
E atrapalha a Vida.
É impossível sobreviver sem sonhar.

QUANDO O "PASSARINHO" AGONIZA - James Pizarro

Enquanto universitário, tive de dar duro para me sustentar. Trabalhava no SAMDU - Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência, como auxiliar administrativo (concursado). Aos domingos vendia "poules" no Jockey Club da cidade. E dava aulas no Colégio Santana e cursinho pré-vestibular durante a semana.
Na hora do cafezinho, pelas manhãs, sempre aparecia no SAMDU um ferroviário simpaticíssimo, cabelos brancos, rengueando de uma das pernas. Era pai do músico Paulinho Cruz, que tinha um conjunto musical em Santa Maria, "Paulinho e seus Rapazes", que animava as reuniões dançantes no Clube Comercial. Anos depois foi assassinado com um tiro na faixa nova de Camobi, que estava em construção.
Pois o pai do Paulinho sempre tinha uma história para contar ou uma anedota para divertir a todos. Certa vez, o assunto era sério na roda do cafezinho : os médicos falavam sobre impotência masculina. Instado a falar sobre o tema, o "Seu" Cruz disse que "a gente não fica broxa de uma hora para outra, as coisas vão acontecendo esporadicamente, até que as ereções se tornam bastante raras...e quando a gente menos imagina, nos locais mais impróprios, a gente tem uma ereção.".
O administrador do SAMDU, Diogo Dante Zanetti, disse ao "Seu" Cruz :
- Buenas, nestas horas o senhor certamente corre prá casa para aproveitar com a sua senhora...
O sincero "Seu" Cruz rebateu de imediato :
- Que nada...pego o primeiro taxi que está passando e vou lá na praça Saldanha Marinho mostrar para os meus amigos aposentados...

segunda-feira, 25 de março de 2019

MUITO OBRIGADO, MESTRES ADORÁVEIS ! - JAMES PIZARRO (pág 4, DIÁRIO de S. MARIA, edição de 26.03.2019)

Nos bancos do MANECO tive a sorte de ter sido preparado, nos anos 60, por um conjunto de notáveis professores que transformaram aquela escola – à época - no estabelecimento escolar padrão do Rio Grande do Sul. Relembro hoje, com carinho, de alguns deles.
O Dr. Paulo Lauda foi meu fabuloso professor de Química Orgânica ! Médico, formado na Universidade Federal do Paraná (a primeira Universidade brasileira, fundada em 1912), clinicava em Santa Maria e tinha grande militância política. Foi eleito Prefeito Municipal pela sigla do antigo PTB. Foi professor de Dermatologia do Curso de Medicina da UFSM, onde foi - por várias vezes - escolhido paraninfo e homenageado das turmas de formandos, tal a admiração que os alunos nutriam por ele. Ela dava sempre aula no último período, que terminava às 12:30h. Muitas vezes ele me ofereceu carona até minha casa, em seu carro DKW vermelho e branco. Tempos depois, durante muitos anos foi presidente do ATC-Avenida Tênis Clube. Na época de verão, depois de assinar a papelada na secretaria do ATC, sentava-se numa mesa ao lado da piscina para tomar seu whisky. Já casado, formado, muitas vezes lhe fiz companhia nessa mesa para papos intermináveis e grandes recordações.
O mestre Constantino Reis foi professor de Física do Maneco, recém-transferido da cidade de Cruz Alta por perseguição política devido à altercação mantida com um aluno, filho do Delegado de Polícia daquela cidade. Uma vez em Santa Maria, Constantino Reis também fez o curso de Engenharia Civil na UFSM. Fundou, deu aulas e dirigiu até o Curso Pré-vestibular Constantino Reis, situado à rua dos Andradas, logo abaixo da avenida Rio Branco. Com notáveis recursos didáticos, foi notável professor de Física. O professor Constantino notabilizou-se pelo uso que didático que fazia do quadro-negro, com caprichosos gráficos e elucidativos cálculos demonstrados em minúcias. Nunca vi outro professor fazê-lo igual.
O mestre Edgar Libino Koekner talvez tenha sido um dos mestres que mais influência teve na minha formação, pois sempre nutri verdadeira admiração por sua cultura e inteligência. Fui seu aluno de Francês durante três anos. Ficava fascinado por sua extraordinária memória e sua cultura geral. É de sua autoria essa frase que sempre repeti aos meus alunos : "A memória é esta incrível faculdade que só possui uma propriedade : a de esquecer as coisas que aprendeu". E o Edgar nos ensinava então que, "para não esquecer, só há um método : a técnica da repetição". Uma figura inesquecível !
O professor Adelmo Simas Genro foi meu professor de Português e de Francês. Talvez tenha sido o professor com o qual mais intimidade tive pelo fato de conviver quase diariamente com toda a sua família. Carlos Horácio Hertz Genro, seu filho médico, radiologista, foi meu colega nas quatro séries do Primeiro Grau e nas três séries do Segundo Grau, isto é, durante sete anos sentamos lado a lado, na primeira fila de carteiras da sala, pois as carteiras eram para dois alunos. Adelmo morreu quando se recuperava de uma cirurgia feita em Porto Alegre e deixou muita saudade. Seu nome é lembrado pela Câmara de Vereadores numa de suas dependências. E também o estúdio principal da então Rádio CDN, hoje Rádio Antena UM, dirigida pelo amigo Paulinho Ceccin recebeu o nome do Adelmo.
A professora Tereza Grassioli foi a melhor professora de Botânica que tive em toda a minha vida e uma das responsáveis por ter feito vestibular para Agronomia e ter me transformado em professor de Biologia. Dava toda a matéria, desde Citologia e Histologia, passando pela Fisiologia, Organologia e indo até à Sistemática ou Taxonomia Vegetal. Sabia, como ninguém, fazer fantásticos e maravilhosos desenhos de Angiospermas e Gimnospermas no quadro-negro. A partir de 1967, já formado e dando aulas na UFSM, fui seu colega no Departamento de Biologia da UFSM, onde ela exerceu a chefia, sucedendo aos professores Dr. Romeu Beltrão (médico) e Dr. Armando Adão Ribas (Engenheiro Agrônomo). Notável professora !
A professora Maria Antunes Bernardes morava com a mãe e irmãs numa antiga casa, situada entre a avenida Rio Branco e rua André Marques, quase ao lado da residência de Dom Luiz Victor Sartori, bispo diocesano à época. Foi minha professora de Português e Literatura Brasileira. Ministrava encantadoras aulas sobre o Barroco, Realismo, Romantismo, Modernismo, etc...Seu irmão, Sérgio Carvalho Bernardes, foi professor de Geografia e Pró-reitor de Graduação da UFSM. "Mariazinha", como era carinhosamente chamada por todos, casou-se com Nevaldo Sanger, plantador de arroz em Uruguaiana. Ambos morreram, com apenas uma semana de diferença.
Infelizmente, não posso escrever sobre todos os queridos professores que – qual cachoeira – brotam e explodem sem parar da minha memória. Meu carinho é imenso por todos eles. Tiveram influência tremenda na formação da minha personalidade e da minha cidadania. Influenciaram nos rumos da minha vocação.
Sou eternamente grato a todos eles !

terça-feira, 12 de março de 2019

VICENTÃO, O EGIPTÓLOGO - James Pizarro crônica no DIÁRIO, S.Maria, página 4, edição de 12.03.2019)


Na rua do Acampamento, S. Maria, RS, funcionava o Centro de Saúde número 7. Era um órgão da Secretaria de Saúde do Estado do RS. Nas décadas de 50 e 60 ali se faziam as vacinações, consultas, raio-X, latas de leite em pó eram distribuídas. Anos depois o Centro de Saúde foi para sua definitiva sede, à rua Floriano Peixoto, logo abaixo do Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo. E o antigo prédio da rua do Acampamento foi devolvido à Sociedade Italiana de Santa Maria, originalmente a dona do prédio.

Eu frequentei muito a antiga sede porque meu pai trabalhou ali durante décadas. Era o enfermeiro responsável pelas vacinações. E conheci todos os funcionários que lá trabalhavam. O sizudo e magérrimo Tolentino, responsável pela portaria. Sua esposa, dona Maria, responsável pelo aparelho de raio-X. O Dr. Izidoro Lima Garcia era o chefe. O Dr. Rubem Valeriano Fabrício - mais conhecido como "Barão da Bossoroca" - era o médico dermatologista e responsável pelo setor de doenças sexualmente transmissíveis (àquela época chamadas de doenças venéreas). A Julinha era a responsável pela limpeza geral do posto de saúde e também pela feitura diária do cafezinho. Julia era famosa na cidade por ser médium espírita e receber grande número de consulentes na sua modesta casa, situada próxima ao Hotel Hamburgo, na rua Sete de Setembro, logo após os trilhos da Viação Férrea.

No subsolo do Centro de Saúde trabalhava o personagem desta minha reminiscência de hoje : Vicente de Oliveira, enorme, alto, gordo, conhecido em toda a cidade pelo nome de Vicentão. Casado com dona Tolola, morava na rua do Acampamento, nas imediações da casa do teatrólogo Edmundo Cardoso, de quem era grande amigo. Vicentão trabalhava no setor de fiscalização de carnes, produtos alimentares, etc...junto com o médico-veterinário Armando Vallandro que, anos depois, foi reitor da UFSM. Vicentão amava livros. Frequentador diário da Livraria do Globo tinha crediário para comprar livros.
Os gerentes Cavalheiro e Vidal Castilhos Dânia (que chegou a ser prefeito de Santa Maria, pelo então PTB) eram amicíssimos do Vicentão, assim como os intelectuais da época que se reuniam na livraria : Amaury Lenz , Romeu Beltrão , Prado Veppo, Lamartine Souza, Edmundo Cardoso, Fernando do Ó, Eduardo Trevisan, Hygino Trevisan e tantos outros. Vicentão comprava livros de todos os tipos. Mas tinha preferência por livros de paleontologia, arqueologia, história. Tinha verdadeiro fascínio pelos livros sobre o Egito. Tinha centenas de livros sobre os egípcios, múmias, pirâmides, faraós...sabia tudo sobre isso. Ele mesmo me dizia : "Eu sou um egiptólogo".

Mas eu estou fazendo este registro por uma razão : Vicentão foi quem me deu de presente de aniversário o primeiro livro que ganhei em minha vida. O livro se chamava "As aventuras de Tibicuera", de autoria de Érico Veríssimo, pai do Luiz Fernando Veríssimo. Encadernado, capa de cor vermelha, o livro contava a história do Brasil narrada por um índio de nome Tibicuera. Este livro foi determinante - além da influência do Vicentão - para que eu me apaixonasse definitivamente pelo hábito de ler.

Quase todos os funcionários do Centro de Saúde daquela época já morreram. Dona Tolola morreu e Vicentão ficou solitário. Eles tinham um filho de criação que fugiu com um circo que passou pela cidade. Vicentão ficou muito doente e, antes de morrer, fez a doação de sua monumental biblioteca para o Edmundo Cardoso, que também já é falecido.
Por isso, até hoje dou livros de presentes para meus netos. Desde pequeninos. Revistas. Livros didáticos para os netos mais velhos. Livros e polígrafos de cursinhos para os netos vestibulandos.
Na esperança de que adquiram o hábito pela leitura.
Claro, nunca serei um Vicentão.
Mas pelo menos tenho tentado.