quarta-feira, 28 de março de 2018

UMA VIDA EM FOTOGRAMAS - James Pizarro

LUZ ! CÂMARA ! AÇÃO !
CENA 1 –
Companheiro de camping quando os filhos eram pequenos.
Parceiro de jantares na churrasqueira do velho Alfeu.
CENA 2 –
Co-autor de vídeos ecológicos nos tempos do cursinho.
Companheiro de programa,
Na rádio da UFSM, no terraço do prédio da Antiga Reitoria.
CENA 3 –
Fotógrafo das capas da revista Quero-Quero
A pedido do falecido reitor Mariano da Rocha.
Conviva de jantas da casa do Dr. José Pinto de Moraes,
Seu sogro,ao lado da Estância do Minuano.
CENA 4 –
Conversas noturnas na praça Saldanha Marinho,
Quando passávamos o mundo a limpo
E planejávamos o futuro.
CENA 5 –
Intermináveis conversas dentro do carro
Com Rogério Lobato, Nicola Garofallo e o fotógrafo Pithan.
Conversas intermináveis no barzinho do Erly,
No prédio da administração central,
Prosseguidas depois do setor fotográfico da UFSM,
Do qual foi chefe diligente e criativo.
CENA 6 –
Fotógrafo de posters de meus filhos.
Fundador da SAB – Produções.
Diretor de “Uma Gravata para Mário”,
Estreado por João Teixeira Porto.
CENA 7 –
Susto com princípio de incêndio
No apartamento do Edifício Taperinha,
De onde fotografava a cidade
E a Romaria da Medianeira.
CENA 8 –
Alegria pelo nascimento de
Gustavo, Tiago e Renata.
Tudo com a retaguarda afetiva da gigantesca Ana.
CENA 9 –
Possibilidade de finalização do grande sonho
Do acalentado longa-metragem.
Sonho interrompido pelos tentáculos silenciosos da doença.
CENA 10 –
Calor mortal se abate sobre a cidade que amou.
Pássaros param de voar, em solidariedade.
Cidade fica lenta.
Amigos e colegas em silêncio de espanto.
Nuvens ameaçam luto e se carregam de tristeza.
CENA 11 –
Céu em crise de pessoas de sensibilidade
Teima em nos levar pessoas das artes
Para tornar final de ano celestial mais suportável
O céu é implacável, às custas da nossa dor.
A cidade murcha.
Empobrece.
Silencia.
CENA 12 –
Eu me recolho qual caramujo úmido
Sentindo o peso da gosma de décadas.
Resvalo sobre o musgo do tempo enganando a Angústia.
E me quedo, perplexo,
Diante da morte do amigo, carregando no peito
Uma envergonhada onipotência de sobrevivente.
CENA 13 –
Réquien de Mozart, em BG...
THE END
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**Fiz este texto às pressas, a pedido do Gaspar Miotto, no jornal A RAZÃO para que o mesmo fosse publicado no dia seguinte (28 de março de 2015), dia do enterro do Serginho, meu amigo, companheiro, colega de UFSM. 

terça-feira, 27 de março de 2018

PAULINHO, UMA HISTÓRIA DE VIDA DIGNA ! -- James Pizarro (págiina 4 do Diário de Santa Maria, edição de 27.3.2018)


Todas as manhãs, das 9h00 às 10h30min, cumpro “rigoroso” expediente na mesa número um na cafeteria “Café e Doce”, de propriedade do meu querido amigo Ildo, no calçadão Salvador Isaia. Local de encontro dos amigos. Degustação de café em boa companhia. Rememorar coisas da cidade. Saber das novidades. Relembrar tipos folclóricos da cidade. Semana passada falamos muito no Paulinho, o vendedor de bilhetes, de saudosa memória.

Convivi no centro da cidade de Santa Maria, por mais de cinquenta anos, com o Paulinho, o meu querido amigo anão bilheteiro, batizado Paulo Neron Rodrigues. Especializado em vender unicamente bilhetes de loteria da Caixa Econômica Federal. Ele me reservava bilhetes sob encomenda, com a centena final do número da casa do meu pai na rua Silva Jardim,  2431. Anos a fio, comprei bilhetes de final 431.

Como eu dava aulas no recém-criado Instituto Master que funcionava no Edifício Segala, onde hoje funciona a Rádio Guarathan, encontrava o Paulinho diariamente no então Café Cristal, para um bate-papo, o cafezinho e as fofocas do dia. Seu Bráulio Araujo Souza, funcionário da Livraria do Globo e que seria meu futuro sogro, participava da conversa. Ele era tesoureiro da Escola de Teatro Leopoldo Froes e muito amigo também do Paulinho, que – afinal – era amigo de toda a cidade.

Paulinho era ator amador da Escola de Teatro Leopoldo Froes, criada e dirigida durante toda sua existência pelo teatrólogo e memorialista Edmundo Cardoso, pai do Claudinho Cardoso, figura conhecida e querida de todos nós. Aliás, o Claudinho toda manhã aparece no “Café e Doce” e me faz companhia por alguns instantes. Toma cafezinho comigo. Sempre relembra a morte e velório do meu pai, que foi enfermeiro dele e do Edmundo durante décadas. E se despede com um afetuoso abraço.

Paulinho atuou em várias peças infantis da escola de teatro, ao lado de dezenas de outros conhecidos, como os amigos Horst Oscar Lippold (“Tio Óca”, à época presidente da SOCEPE) e o Raphael Theodorico da Silva (“Pinha”, falecido em 2015). Assisti a todas as montagens da Leopoldo Froes, especialmente aquelas onde o Paulinho trabalhava (“Pluft,o Fantasminha”, “Maria Minhoca”, etc....), mas lembro em especial e com muito carinho do sucesso da “Dona Patinha Vai Ser Miss”.

Tenho bem vivo o carinho que o Paulinho teve para com o Claudinho logo depois do falecimento da querida professora  Edna May Cardoso, sua mãe e a demonstração de viva amizade para com seu velho amigo e diretor Edmundo Cardoso.

Paulinho morava bem perto do calçadão, à Rua Dr. Pantaleão. E nos finais de tarde, depois de esgotada a venda dos bilhetes e vencida honestamente mais uma jornada de trabalho, Paulinho costumava escutar o noticiário, comer um lanche e tomar uma cerveja num pequeno restaurante que então existia ao lado do Mercado Itaimbé, na Venâncio Aires, a caminho de sua casa.

Será que a cidade lembrou de fazer alguma homenagem ao Paulinho ? Um nome de sala de alguma escola de arte, um nome de rua, algum prêmio lembrando seu nome, um concurso de teatro infantil com seu nome quem sabe ?

Ou serei apenas eu – um ultrapassado velho  chorão – que lembra dessas coisas nas sombras da nostalgia ?


sábado, 17 de março de 2018

A TRAGÉDIA DE ELOÁ - James Pizarro.

CANTO I
Os lábios de Eloá.
Grossos. Untados de vermelho nas fotos de seu facebook.
Os cabelos pretos de Eloá.
Sedosos. Longos. Esvoaçantes. Lindos.
O sorriso de Eloá.
Dentes lindos. Alvos. Instigantes. Adolescentes.
O corpo precoce de Eloá.
Hormônios em convulsão. Vida acelerada.
O jeito de Eloá.
Terno. Educado. Apreciado pelos colegas.
O comportamento de Eloá.
Sereno. Alegre. Humorado. Simpático.
Tudo isso foi de roldão porque a patologia, fantasiada de amor, roubou sua vida.
Cérebro jovem cremado pelo calor na bala incandescente.Do tiro assassino.
Neurônios esguichando para fora da cabeça.
Vida brutalmente podada.
CANTO II
Pulmões enchendo-se de oxigênio no peito alheio.
Córneas.
Fígado.
Pâncreas.
Coração.
Tudo generosamente doado. Recauchutando outras vidas.
De Eloá sobrou o cadáver oco. Preenchido de gazes e algodão.
O jovem corpo estendido no necrotério.
Os pés enrijecidos. Que deram tantos passos.
Mas que - por fatalidade - caminharam, aos 12 anos, em direção ao homem errado.
Pobre Eloá.
Linda Eloá.
Infeliz Eloá.
Quantas Eloás estão indo pelo mesmo caminho neste Brasil ?
Quantas ?!...

segunda-feira, 12 de março de 2018

OS IPÊS-AMARELOS DA EMOÇÃO - James Pizarro (crônica de 13/março/2018, pag.4, Diário de Santa Maria)


Vou relatar este episódio para que Santa Maria não o perca. Principalmente as pessoas ligadas à UFSM. Professores, funcionários e alunos mais jovens da instituição. Ocorreu em 1966. Há 52 anos.

Em frente ao planetário da UFSM, no campus, existe um conjunto de ipês-amarelos.  Que enfeitam o ambiente. Principalmente quando chega a época da floração. Por que aqueles ipês estão ali ? Quem os plantou ? Por que estão plantados naquela disposição ?

O primeiro nome da universidade era USM - Universidade de Santa Maria. Anos depois é que passou a ser chamada de UFSM - Universidade Federal de Santa Maria. O reitor-fundador Mariano da Rocha teve a ideia de plantar ipês-amarelos naquele local.  Pois, pelo plano diretor da então UFM, ali deveria ser erguido o planetário da universidade, fato que se concretizou anos depois.

Detalhe : o professor reitor Mariano da Rocha queria que as mudas fossem plantadas numa disposição tal que formassem a sigla UFM. E assim foi feito.
Com a mudança de nome anos depois para UFSM, novo arranjo foi feito para que fossem introduzidas mudas grandes formando a letra "F".

Numa fotografia aérea, ou numa visão feita a bordo de um helicóptero da Base Aérea poderá ser vista a sigla UFSM quando os ipês-amarelos estão floridos.

O plantio dos ipês-amarelos foi feito por alunos, professores e funcionários do Curso de Agronomia, naquele tempo chamado de Faculdade de Agronomia, dirigida pelo saudoso professor Ary Bento Costa.

Minha turma se formava em 10 de dezembro de 1966 e, na condição de formandos fizemos o plantio junto com alguns professores. Recordo dos professores presentes à cerimônia, além do professor-reitor : Erb Veleda (prof. de Zootecnia), Armando Adão Ribas (prof. de Zoologia Agrícola, disciplina da qual fui monitor e, anos depois, professor),  Mário Bastos Lagos (prof. de Fitotecnia e que foi paraninfo de nossa turma), Mário Ferreira (prof. de Climatologia e Meteorologia), Dilon Lima do Amaral (prof. de Matemática e Cálculo) e Santo Masiero (prof. de Botânica Sistemática).

Com a prodigiosa memória que o poderoso Deus me deu de presente (e pela qual agradeço comovidamente todos os dias em minhas orações) sou capaz de repetir, na íntegra, a bela peça oratória – feita de improviso – pelo Dr. Mariano na ocasião. Fez uma alocução belíssima – entre poética e ecológica – sobre a importância das árvores na vida dos homens.

De todos os professores citados, permanece vivo apenas o prof. Santo Masiero, meu grande amigo e residente à rua Silva Jardim, entre a avenida Rio Branco e Floriano Peixoto, em frente ao Banco da Esperança. Ah...eu também estou vivo...

Fui ao campus semana passada buscar documentos para minha declaração de Imposto de Renda. Pela janela do carro que me levou vi os ipês que ajudei a plantar. A poucos metros a construção onde  repousarão os restos mortais do Dr. Mariano.

Pássaros cortavam o céu do campus. O dia estava mormacento. Duas mornas lágrimas correram pelo meu rosto. O motorista perguntou se eu estava me sentindo bem.

Sorri. E não respondi nada.