quinta-feira, 22 de maio de 2014

Palco da Revolução de 23, castelo de Pedras Altas é posto à venda - Julia Otero

Por ser tombada pelo Estado, construção foi ofertada ao poder público antes de ser anunciada. Por enquanto, não há resposta sobre a aquisição

Palco da Revolução de 23, castelo de Pedras Altas é posto à venda Marcel Ávila/Especial
O governo estadual ainda não se posiciona sobre a compra. O valor especulado pelo setor imobiliário é de que possa valer R$ 12 milhõesFoto: Marcel Ávila / Especial
Um naco da história gaúcha está à venda. É um dos cenários dos chimangos e maragatos, onde foi assinado um acordo que pôs fim à Revolução de 1923. Um castelo imponente, estilo medieval, de 44 cômodos com 300 hectares, que parece deslocado da singela cidade onde se situa.
Fica em Pedras Altas, no sul do Estado, um município de quase 3 mil habitantes, onde só se chega depois de 30 quilômetros de estrada de chão batido, a principal avenida não tem mais de dois quilômetros e a economia gira ao redor do campo.
A fortaleza foi finalizada em 1913 em um tempo em que uma ferrovia — hoje desativada — deslocava a produção agropecuária para as outras partes do Estado. Ali foram introduzidas no país raças como o gado Jersey, o gado Devon e a ovelha Karakul.

O valor do possível negócio não é revelado pela família, mas há uma especulação no setor imobiliário de que possa chegar a R$ 12 milhões.
 
Fotos: Marcel Ávila/Especial

O fundador, Joaquim Francisco de Assis Brasil, foi tão importante para o agronegócio que atualmente é homenageado em todas as edições da Expointer, pois é do nome dele que vem o batizado de onde acontece a feira: Parque de Exposições Assis Brasil.
O gaúcho de São Gabriel era apaixonado pela segunda mulher, Lydia, uma moça europeia. Então, ele planejou o castelo inspirado no antigo lar dela, para fazê-la sentir-se em casa. Usou granito rosa e trouxe três espanhóis para trabalhar as pedras e encaixá-las sem uso de argamassa.
Ergueu um império onde 10 crianças e seis empregados viviam baseados na concepção de mundo que tinha: o campo aliado à intelectualidade. Depois de mexer com a terra, faziam saraus, atividades culturais e se debruçavam em literatura em inglês, francês, latim e português em uma biblioteca com 9 mil exemplares, projetada de maneira que o sol entrasse e as obras não mofassem.
As relíquias — entre elas 22 volumes da Enciclopédia, de Diderot e D'Alambert, de 1751 — estão agora à venda, junto com os móveis de madeira maciça importados de Paris. Todo o conjunto, de mobília, prédios e granja, é tombado pelo Estado e está em processo de tombamento nacional. Por isso, quando os donos atuais decidiram vender, pela lei, primeiro o imóvel teve de ser oferecido aos governos municipal e estadual e à União. Só depois de 30 dias, caso não seja demonstrado interesse governamental, poderá ser ofertado à iniciativa privada.

— Formalmente os documentos ainda não foram enviados, então não podemos ter uma posição se há interesse de compra por parte do Estado — resume a diretora do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), Mirian Sartori Rodrigues.
 

O lugar por onde Assis Brasil fez literatura e política precisa de um restauro avaliado em mais de R$ 5 milhões. Já na fachada, percebem-se as marcas do tempo. Há infiltrações, janelas enferrujadas e pelo menos 12 casas de camotins (que são parecidas com as casas de João-de-Barro). Nem os animais ficaram por lá, pois as casas estão abandonadas. Um projeto de reforma para captação de verba via Lei Rouanet foi feito, mas parte da família herdeira não concordou com alguns documentos necessários para concorrer à verba e, portanto, não houve interessados.
Vista dos fundos do castelo
Atualmente, a mansão é habitada por somente uma pessoa, uma das herdeiras, a neta de Assis Brasil, Lygia Costa Pereira de Assis Brasil, 60 anos. Ela recebia visitantes que queriam conhecer o interior do castelo e as histórias de maragato do avó. Apresentava com orgulho o interior do imóvel e fotos do passado, como uma em que Assis Brasil, um exímio atirador, aparece acertando uma maçã colocada sobre a cabeça do pai da aviação brasileira, Santos-Dumont. Agora, que está tomada a decisão entre os 20 herdeiros de vender a propriedade, nem se anima a reabrir a casa para fotos.
— É complicado tomar decisões entre 20 pessoas. Agora, vou cuidar das minhas coisas que deixei durante 15 anos, tempo que fiquei recebendo pessoas para visitas guiadas — diz por telefone porque não quer mais receber repórteres pessoalmente: — O futuro dono poderá dar outras notícias sobre o castelo.
Durante as fotos do lado de fora, ela passa com galocha e boné, cumprimenta e se desculpa:
— Vou seguir na "lida" — diz apontando para a granja.

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