terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

MORRER ENFORCADO NUMA GRAVATA SEM SER SUPER-HERÓI DO PRÓPRIO NETO - James Pizarro (pág.4 do DIÁRIO, S. Maria, edição de 26.02.2019)


Acabo de  reler um livro – comprado em 2012 – escrito por uma enfermeira australiana chamada Bronnie Ware. Sua especialidade : era acompanhante de pacientes terminais. Geralmente, fazia companhia em suas próprias casas a essas pessoas que sabiam  que estavam marcadas para morrer. E durante esses plantões e essas conversas, ela – entre outras coisas – fazia cinco perguntas básicas. Colecionou as respostas. Compilou e tabulou os dados. Comentou. E disso tudo resultou um livro chamado : “Os Cinco Maiores Arrependimentos à Beira da Morte”.  Para variar, a editora brasileira traduziu o título para : “Antes de Partir”...

Quais foram os cinco maiores arrependimentos que os doentes confessaram quando estavam prestes a morrer ?

Disparado, em primeiro lugar, o primeiro arrependimento  foi este :  “Eu gostaria de ter tido a coragem de viver uma vida verdadeira para mim, e não a vida que os outros esperavam de mim.

Os outros quatro arrependimentos, pela ordem citada no livro, foram :

“Eu gostaria de não ter trabalhado tanto.”

“Eu gostaria de ter tido a coragem de expressar meus sentimentos.”

“Eu gostaria de ter mantido contato com meus amigos.

“Eu gostaria de ter me deixado ser mais feliz.”

Eu fico imaginando – entre os leitores – quantos estão trabalhando em serviços ou profissões que detestam. Ou jovens universitários que optaram por um curso superior e, já estando na metade do mesmo, apesar de sentirem que não são talhados para aquela profissão, lhes falta a necessária coragem para desistir e tentar novo vestibular. Ou pessoas que estão vivendo casamentos de mentira, de fachada, onde o amor há anos já fugiu pela janela, mas não há a ousadia para chutar o balde, mandar tudo às favas e tentar a  felicidade novamente. Em nome de que ou de quem essas pessoas sacrificam suas vidas, crucificam seu futuro ?

Eu fico imaginando os viciados em trabalho, ano após ano, década após década. Tirando  talvez apenas meia dúzia de dias de férias por ano. Tudo em nome da empresa, do capital, dos bens, da ânsia de amealhar. Perdendo o convívio do crescimento dos filhos e netos. As festinhas no colégio. As pescarias. As conversas descompromissadas na praia.  Tudo em nome da conquista do dinheiro, do poder, da liderança. Morrer enforcado numa gravata sem ser super-herói do próprio netinho.

Eu fico lembrando dos que morrerão sozinhos. Com poucos ou nenhum amigo. Os que nunca transigem. Não pedem perdão. Não se desculpam. Jogam os melhores amigos fora   por frivolidades. São capazes de cortar  amizades por causa de partidos políticos. Brigam e odeiam motivados por lideranças corruptas  muitas vezes.  Quem nem suspeitam de suas existências. Matam por torcidas organizadas. Por motivos fúteis.

Não visitamos mais os amigos. Alguns nem se cumprimentam  nos elevadores. Outros baixam a cabeça na rua para não perder tempo numa conversa de dois minutos. Ninguém mais telefona para cumprimentar pelo aniversário. Chegam ao hospital para visitar o doente já avisando que só podem ficar dois minutos.

Um dia estaremos na horizontal. Num leito de hospital. Frágeis. Talvez com dores lancinantes. Tudo que iremos querer é uma mão amiga. Um rosto amado. Palavras de consolo. Ou um silêncio cúmplice de companhia.

Vamos ser assim como os outros ...enquanto é tempo ?

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