terça-feira, 9 de abril de 2019

"ALTO DA EIRA" : QUEM SABE ONDE FICA ? - JAMES PIZARRO (crônica na pág 4 do DIÁRIO de S. Maria, edição de 9.4.2019)


Tive a sorte de possuir uma infância com enorme pátio na minha casa. Que se continuava no pátio da casa dos meus avós, que moravam ao lado. As duas casas ficavam nos barrancos da Silva Jardim, em Santa Maria, entre as ruas Dutra Vila e Benjamin Constant. Hoje, pelo plano diretor, é zona central. Bem antigamente, antes de se chamar Vila Leste e bairro Menino Jesus, aquela região se chamou Alto da Eira.

Logo abaixo ficava o arroio Cadena, enorme sanga com água corrente, com vegetação marginal formada por arbustos, ervas, grama, bananeiras, taquareiras e árvores de pequeno porte. Na água a gente ainda encontrava peixinhos. E no terreno que margeava o arroio a gente encontrava sapos. Rãs. Pererecas. Cágados. Insetos. Lesmas. De vez em quando aparecia uma cobra, que causava alvoroço entre a gurizada.

Tudo isso hoje desapareceu. O Cadena, cujas nascente se encontram perto da antiga rodoviária - onde hoje existe um grande supermercado - se encontra canalizado. E tudo se transformou no que se chama hoje de "Parque Itaimbé".

No pátio da minha casa tinha árvores frutíferas de várias "qualidades", como dizia minha avó. Algumas árvores de grande porte, como jacarandás, cinamomos, laranjeiras. Tinha bergamoteiras, abacateiros, limoeiros, figueiras e - coisa que nunca mais vi - até um pé de marmeleiro. Eu odiava este pé de marmeleiro porque várias surras eu tomei com os galhos arrancados dele, as populares "varas de marmelo". Eram finas, flexíveis e - depois de tiradas as folhas - ficavam saliências que produziam hematomas ardidos nas pernas.

Numa enorme laranjeira, alta, frondosa, com dois galhos caprichosamente paralelos eu fiz a minha "casinha do Tarzã". Com tábuas pregadas nos galhos, tinha uma área para que duas pessoas pudessem sentar-se. E lá ficava conversando com meus amigos. Guardava algumas revistas de mulheres nuas, raridade naqueles tempos ingênuos. Trocava confidências. Ficava longe das amigas da minha irmã que costumavam bisbilhotar. Lá ficava deitado olhando nesgas de céu que apareciam por entre os galhos e folhas da laranjeira. E quando a árvore dava frutos, comia lá em cima mesmo as doces laranjas.

Passaram-se os anos e vi meus seis netos brincando com geringonças eletrônicas. Vendo filmes e desenhos animados com monstros, brigas, assassinatos, pauladas, facadas, guerras. Eles nem sabem o que era ver um "filme de mocinho" ou de outros heróis, como Roy Rogers, Hopalong Cassidy, os irmãos Jesse James, Durango Kid, Capitão Marvel, Batman e Robim, o Homem Submarino, o mágico Mandrake, Tarzan e Jane.

Todos meus heróis já morreram.

E eu nem me dei conta disso.

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