quinta-feira, 24 de março de 2016

COLUNISTAS

A gare da Viação Férrea

James Pizarro
por James Pizarro em 17/03/2016
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A gare da estação da Viação Férrea do RS, Santa Maria, foi local frequentado pela elite da sociedade santa-mariense, por mais incrível que isso possa parecer hoje aos mais moços, testemunhas da decadência da ferrovia.
Ali estavam os escritórios das chefias. A sala do diretor da estação (chamado de “Agente”). O amplo e completo “stand” de revistas (a chamada “Revistaria da Estação”). O higiênico e confortável restaurante, onde serviam-se desde refeições “à francesa” até rápidos lanches. A fantástica sorveteria com inimagináveis guloseimas servidas em finas taças de prata. O competente serviço de carregadores de bagagens (“mensageria”), com os servidores vestidos de azul, com colarinho e gravata, portando carrinhos de ferro para o transporte das malas. O serviço de autofalantes com as publicidades (chamadas “reclames”) ditas por um locutor cego, que tinha a fantástica capacidade de memorizar tudo. Entre um “reclame” e outro, valsas de Strauss e sambas de Ary Barroso.
Para ter acesso à gare da Viação Férrea, era necessário comprar ingresso. Vendido sob a forma de um papelote duro, numerado, metade branco, metade verde. Que era picotado pelo porteiro engravatado na roleta numerada que dava acesso ao interior das instalações. Rapazes e moças, acompanhados de seus pais, costumavam formar fervilhante torvelinho de gente nas horas de chegada e partida dos trens de passageiro. Trens que atendiam por nomes especiais: “Noturno”, “Fronteira”, “Serra”, “Porto Alegre”. A gente ficava abanando para as pessoas que partiam naquela “composição” formada por dezenas e dezenas de carros. Puxada por barulhenta e folclórica máquina a vapor, carinhosamente chamada de “Maria Fumaça”. Anos depois substituídas pelas máquinas movidas a diesel e pelos trens Húngaro, Pampeiro e Minuano, que tinham até ar condicionado e lanche gratuito.
Todo fim de ano lá ia eu com minha família - pelo trem da “Serra” - curtir férias escolares na cidade de Getúlio Vargas, situada depois de Carazinho e antes de Marcelino Ramos, na fronteira com Santa Catarina. Íamos no vagão-leito, composto de duas camas beliche, o máximo em conforto para a época.
Existiam carros de “Primeira Classe”, com poltronas estofadas. E carros de “Segunda Classe”, com bancos de madeira, ocupados pelas pessoas mais pobres, gaúchos de bota e bombacha que levavam desde galinhas enfarofadas até gaiolas com seus passarinhos de estimação. Havia o “Carro-Restaurante”, onde os mais abastados faziam suas refeições, servidas por garçons de gravata borboleta. Os dois últimos carros dessas composições eram para uso dos funcionários que estavam trabalhando no trem e para uso dos Correios e Telégrafos, já que os malotes de cartas e encomendas eram predominantemente transportados pela Viação Férrea. Lamentavelmente, graças à burrice das autoridades e dos políticos brasileiros, isso tudo morreu.
James Pizarro

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