segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

RÉQUIEM PARA ELOÁ - JAMES PIZARRO (Diário de S. maria, edição de 14.01.2020, pág.4)


CANTO I

Os lábios de Eloá.
                     Grossos.
                     Untados de vermelho nas fotos de seu facebook.
Os cabelos pretos de Eloá.
                                   Sedosos.
                                   Longos.  
                                   Esvoaçantes.  
                                   Lindos.
O sorriso de Eloá.
Dentes lindos.
            Alvos.  
            Instigantes.
            Adolescentes.
O corpo precoce de Eloá.
Hormônios em convulsão. Vida acelerada.
O jeito de Eloá.
                Terno.
                 Educado.
                 Apreciado pelos colegas.
O comportamento de Eloá.
                                   Sereno.  
                                   Alegre.
                                   Humorado.
                                   Simpático.
Tudo isso foi de roldão porque a patologia, fantasiada de amor, roubou sua vida.
Cérebro jovem cremado pelo calor na bala incandescente. Do tiro assassino.
Neurônios esguichando para fora da cabeça.
Vida brutalmente podada.

CANTO II

Pulmões enchendo-se de oxigênio no peito alheio.
Córneas.
Fígado.
Pâncreas.
Coração.
Tudo generosamente doado. Recauchutando outras vidas.
De Eloá sobrou o cadáver oco. Preenchido de gazes e algodão.
O jovem corpo estendido no necrotério.
Os pés enrijecidos. Que deram tantos passos.
Mas que - por fatalidade - caminharam, aos 13 anos, em direção ao homem errado.
Pobre Eloá.
Linda Eloá.
Infeliz Eloá.
Quantas Eloás estão indo pelo mesmo caminho neste Brasil ?
Quantas ?!...

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