sexta-feira, 3 de abril de 2009

ÀS CINCO EM PONTO DA TARDE !


Em Santa Maria, interior do RS, cidade onde nasci e me criei, existe uma grande avenida chamada Rio Branco. Hoje ela está desfigurada pelos camelôs, pela sujeira, pela ausência de bancos e flores.
Mas ela já foi linda. Lembro que a vó Olina dizia que era a avenida mais linda do Rio Grande do Sul. Ampla. Limpa. Cheia de árvores e de grama bem aparada. Crianças brincando. Casais tomando chimarrão ao entardecer.
E durante a madrugada, depois que o Bar Moby Dick fechava, minha turma de juventude universitária se reunia naqueles bancos. E se discutia política. E se recitava poesia. E se diziam crônicas. E se falava sobre namoros, paixões, frustrações e planos futuros.
E lembro que o Freire Jr., meu grande amigo, ator e diretor de teatro, recitava - entre as dezenas de poesias que sabia - um notável poema de Federico Garcia Lorca, que tinha um bordão que todos nós recitávamos em coro : "às cinco em ponto da tarde".
Freire Jr. morreu ano passado (2008) de câncer de pulmão,apenas três dias depois que o visitei no Hospital Astrogildo de Azevedo, em Santa Maria.
E provavelmente eu jamais me lembraria do Freire recitando Garcia Lorca se não fosse o e-mail que recebi do meu talentoso amigo português, residente em Coimbra, RUI FERRÃO LUCAS. Ele me encaminhou uma tradução deste poema ("La Gojida y la Muerte"), feita por José Bento e acompanhada por uma obra de Pablo Picasso (que reproduzo acima).
Com meu agradecimento ao Rui Ferrão Lucas e, em homenagem ao Freire Jr, reproduzo aqui a tradução deste que é um dos meus poemas preferidos desde a adolescência.
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"Às cinco horas da tarde.
Eram as cinco em ponto da tarde.
Um menino trouxe o lençol branco
às cinco horas da tarde.
Uma ceira de cal já preparada
às cinco horas da tarde.
Tudo o mais era morte,apenas morte
às cinco horas da tarde.

O vento levou os algodões
às cinco horas da tarde.
E o óxido semeou cristal e níquel
às cinco horas da tarde.
Já lutam a pomba e o leopardo
às cinco horas da tarde.
E uma coxa com um chifre desolado
às cinco horas da tarde.
Começaram os acordes de bordão
às cinco horas da tarde.
Os sinos de arsénico e o fumo
às cinco horas da tarde.
Pelas esquinas grupos de silêncio
às cinco horas da tarde.
E o touro sozinho coração acima!
às cinco horas da tarde.
Quando o suor de neve foi chegando
às cinco horas da tarde,
quando a praça se cobriu de iodo
às cinco horas da tarde,
a morte pôs ovos na ferida
às cinco horas da tarde.
Às cinco horas da tarde.
Às cinco horas em ponto da tarde.

Um ataúde com rodas é a cama
às cinco horas da tarde.
Ossos e flautas soam em seus ouvidos
às cinco horas da tarde.
O touro já mugia por sua fronte
às cinco horas da tarde.
Irisava-se o quarto de agonia
às cinco horas da tarde.
Trompa de lírio pelas verdes virilhas
às cinco horas da tarde.
As feridas queimavam como sóis
às cinco horas da tarde,
e a multidão quebrava as janelas
às cinco horas da tarde.
Às cinco horas da tarde.
Ai que terríveis cinco da tarde!
Eram as cinco em todos os relógios!
Eram as cinco em sombra da tarde!"

3 comentários:

aminhapele disse...

Resido em Coimbra,não em Lisboa.
Um abraço,companheiro.

aminhapele disse...

Nos meus de jovem estudante,da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,também fiz parte de um grupo de teatro.Nesse tempo,tal como hoje,existiam dois grupos(bastante prestigiados):o TEUC(mais virado para os clássicos gregos e para os Autos de Gil Vicente) e o CITAC (mais moderno e a iniciar o "teatro de ensaio").Pertenci ao CITAC,com muito orgulho.
Uma das peças em que entrei,"Bodas de Sangue",fez um grande sucesso.
Entre jovens amigos,criámos um grupo a que chamámos PP(pequenos prazeres).Ainda hoje o mantemos e,anualmente,encontramo-nos nos mais diversos sítios:França,Suissa,Açores e nas mais diversas cidades portuguesas.
Felizmente,estamos todos vivos.
Unimo-nos na luta antifascista e,hoje,unimo-nos numa boa mesa,com bom humor e boa música e,no final,religiosamente,com um bom charuto.
Actualmente,nem sei se devia escrever Suissa ou Suiça!!!
Estamos todos com mais de 65 em cima...

Luiz Roberto disse...

Fazem quase 20 anos que nao vou a SM, nao vou mais reconhecer os locais onde me criei e estudei....