sábado, 11 de agosto de 2012

DIA DOS PAIS - James Pizarro

Meu pai sempre deixou claro que gostava mais do ano novo do que do Natal. Questão de temperamento ou motivos cristalizados na sua infância, não gostava do Natal. Também não era de frequentar igreja. Minha mãe acompanhava sua opinião. Mas a gente tinha a entrega de presentes e os protocolares cumprimentos. Vez por outra, minha irmã puxava uma reza.
Muitas vezes, devido ao orçamento apertado, ganhei sapatos, roupas e material escolar ao invés dos presentes que realmente eu gostaria de receber. Eu ganhava coisas que obrigatoriamente deveria receber para meu dia-a-dia. Não eram, de fato, o que uma criança considerava "presente". Foi uma época dura. Meu pai levou anos a fio para construir a casa. E eu não reclamava. Pois entendia o sacrifício. Mas ficava chateado. Minha avó Olina, sim, sempre dava presentes do meu agrado.
Anos depois, quando comecei a namorar quem viria ser minha mulher, passei a ter uma idéia diferente do Natal. Morava junto na casa dela a vó Elvira Grau, com mais de 80 anos. Luterana, como Edith, minha sogra. Ela tocava órgão aos domingos no culto da igreja luterana de Santa Maria,RS, a primeira igreja alemã do Brasil a ter sinos em sua torre. Na noite de Natal, o coral da igreja luterana visitava a casa dos mais idosos da comunidade alemã. E entoava lindas canções em alemão. E faziam orações. Minha sogra partilhava com os visitantes cucas, doces feitos com esmero, habilidosa doceira que era. Eles comiam rapidamente, pois tinham de cantar em muitas casas e a noite era curta.
Vera Maria, inspirada na educação dada pela mãe, sempre cuidou muito da festa de Natal em nossa casa. Muitos dias antes da data ela fazia bolos, doces, cucas. Ficaram famosas as bolachas em forma de estrela com recheio de goiabada, que até hoje ela faz e que tanto sucesso tem no meio de todos. Nossos filhos sempre tiveram pinheirinho, presentes, guirlanda na porta da casa e, quando bem pequenos, até Papai Noel visitava nossa casa. Foram anos felizes.
Não fui um pai perfeito. Fui o pai que eu sabia ser. Mas sempre fui trabalhador. Dava aulas na UFSM. Nos cursinhos. Fazia palestras. Às vezes, falava mais do que 10 horas por dia. As crianças puderam ter sempre alimentação farta. Frequentaram os melhores clubes. Pude lhes dar cursinho pré-vestibular de excelente qualidade. Passaram no vestibular no primeiro exame feito. Entregamos ao mundo uma fonoaudióloga, uma fisioterapeuta e um assistente social. Claro, a virtude da formatura é devida ao talento e esforço deles. Certamente não tivemos ingerência alguma, pois se tivessem nascido em outra casa e com outros pais também teriam alcançado o mesmo êxito.
Tive meus equívocos comportamentais. Quando pai moço. E mesmo como pai já velho. Errei muito. Mas acertei muito também. Vera Maria terminou o curso de Educação Física depois do nascimento dos três filhos. Foi dureza. Foi diretora de uma das maiores escolas públicas da cidade. Mãe dedicada, usava todo seu salário para comprar roupas e presentes para os filhos. Enquanto com meus proventos cuidava de sustentar a casa. Minha mãe e minha sogra ajudaram valiosamente na retaguarda da criação dos nossos filhos quando pequenos, porque eu e Vera Maria trabalhávamos. Isso foi possível porque sempre moramos na mesma cidade. Tivessemos optado por morar distante teríamos mais dificuldades.
Fruto de luta, acertos e erros, encontros e desencontros, fizemos a nossa parte. Lembro das palavras da reitora da UNIFRA, ao me cumprimentar, por ocasião da formatura do nosso filho : "Sua família pertence ao fechado clube brasileiro onde o pai, mãe e todos os filhos têm curso superior".
Os anos passam. As dificuldades financeiras maiores passaram. Lutamos duro para isso. Por generosidade de Deus estamos com saúde e morando na praia, um sonho de décadas.
Alguns familiares estranham nossa decisão de não viajar mais, a não ser em último caso, por doença ou morte. Mas deixamos bem claro aos filhos e aos cinco netos que temos e teremos sempre a imensa alegria de receber a todos aqui na praia, em nosso apartamento.
Temos o direito de descansar. Fazer programas de vida para os últimos anos. Somos idosos. Mas com saúde mental suficiente para traçar nossos destinos.
No "Dia dos Pais" e "Dia das Mães", sempre vamos à missa na matriz de Nossa Senhora de Guadalupe. Como sempre fazemos, vamos apenas agradecer. Não pediremos nada para nós. Mas vamos pedir pela saúde dos nossos filhos e netos. E rezar pelas almas de meu pai, sogros, avós e demais parentes falecidos.
E no almoço que faremos recordaremos muito dos almoços antigos. E nosso tempo de crianças. Quando, tementes a Deus, honrávamos pai e mãe. Sem jamais erguer a voz para eles. Quanto mais criticá-los.
E certamente  lembraremos dos cânticos alemães da vó Elvira. E dos cabelos loiros e olhos azuis da vó Olina.
Era uma época em que a gente era muito feliz.
E não sabia.

Um comentário:

Sandra disse...

Lindo texto!
Recordar faz muito bem à saúde.
Passem um belo Dia dos Pais.
Abraços,
Sandra