sábado, 18 de agosto de 2012

AS BOMBINHAS DA DONA NÍDIA - James Pizarro

Corriam os anos 50 e 60. Na esquina da minha casa, cruzamento das ruas Silva Jardim e Dutra Vila, em Santa Maria, existia uma fábrica de café. Eram dois os cafés fabricados. Café Planeta e Café Cometa.
O proprietário era um senhor de origem alemã chamado Osvaldo Eggers,casado com a dona Georgina. Eram pais da Maria Helena, Norma e William.
Maria Helena casou com um famoso engenheiro civil, responsável por centenas de construções na cidade, de nome Altair Celestino Alves. Muito nosso amigo, foi ele quem fez a planta da casa de meu pai.
Norma era casada com um agrimensor de nome Arnaldo Rechia. Possuiam um belo automóvel Simca Chambord, que serviu para transportar a mim e a Vera Maria para a catedral no dia do nosso casamento. Onde casamos no religioso tendo como celebrante o monsenhor Érico Ferrari, nosso grande amigo, poucos meses depois elevado à condição de bispo da diocese de Santa Maria.
William foi meu amigo, mas como era um pouco mais velho, não participava da nossa "panelinha" de conversas na esquina, junto com Délbio, Silas, Cilon, Jorge, Tito Flávio e Betinho.
Tínhamos um vizinho alto, magérrimo, telegrafista da Viação Férrea do RS, de nome Orlando. Casado com dona Nídia. Moravam na rua Senador Cassiano, paralela à Silva Jardim. O pátio nosso e deles eram lindeiros na parte posterior e as famílias eram tão amigas que existia um portão que comunicava os dois pátios. Seu Orlando era asmático e muitas vezes lembro de meu pai, que era enfermeiro, atravessar o portão correndo para socorrer e debelar com injeção de aminofilina (usada à época) a crise de falta de ar do vizinho. Lembro que ele chegou a fazer um implante de placenta na coxa, indicado como novidade para combater a asma, o que me causou grande espanto. Seu Orlando e dona Nidia, ambos falecidos, tinham quatro filhos : Orlane (falecida em Florianópolis, formada em Letras), "Tida" (médica ginecologista, vive em P. Alegre), "Deco" (funcionário público estadual em Santa Maria) e a Nildinha (funcionária estadual da FASE, ex-FEBEM, em S. Maria).
Dona Nídia tinha um carinho especial por mim e foi uma das pessoas mais bondosas que conheci em minha vida. Todos os parentes dela e do marido que moravam em outras cidades, principalmente em Dilermando de Aguiar, hospedavam-se em sua casa, onde recebiam dedicado atendimento. Ela trabalhava incessantemente para atender a todos, lavando roupas em casa, fazendo comidas gostosas e doces que faziam a alegria da gurizada. Nas festas de aniversário ela fazia uma espécie de bolinho de massa recheado de guizado bem temperado e guardava numa bacia esmaltada coberta por pano de prato alvo e úmido. Quando restava metade da bacia ela não deixava mais ninguém pegar e dizia : "estes são para o James porque ele adora e faço para ele". Ela chamava esses bolinhos de "bombinhas". A última vez que vi dona Nídia foi num apartamento do Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo, onde ela estava internada há três meses. Ela exultou de alegria com minha visita. Fiquei de mãos com ela e com aquele sorriso bondoso, de quem aceita a doença e a morte com naturalidade, ela me disse : "Agora nunca mais poderei fazer aquelas tuas bombinhas..."
Délbio Vieira era o meu melhor amigo de adolescência e morava na rua Dutra Vila. Filho adotivo de Crescêncio Vieira, barbeiro conhecido na cidade, estabelecido no famoso Salão Lord, na então chamada "Primeira Quadra" da rua Dr. Bozano, hoje "Calçadão". Já idoso e reformado como coronel-bombeiro da Brigada Militar, Délbio veio a saber da existência de seu pai verdadeiro, que era o comerciante Alberi Uglione, um dos sócios-proprietários da UGLIONE AUTOMÓVEIS, célebre revenda dos automóveis Chevrolet. Por estranha coincidência, Alberi era meu padrinho de batismo. Era muito amigo e companheiro de caçada de meu pai. Depois, por estas separações que a vida impõe, as famílias se afastaram e eu cresci como se não tivesse padrinho. Jamais ganhei um só presente de Natal, de Páscoa ou de aniversário de meu padrinho Alberi, já falecido. Por isso, quando meus filhos nasceram tomei o cuidado de convidar para padrinhos apenas parentes (primos e irmãos) para que eles não ficassem com este vácuo que sinto e do qual me ressinto até hoje. Poderia ignorar isso, sonegar esta lembrança, mas nestas minhas memórias pretendo ser verdadeiro. Se as coisas aconteceram assim, porque escondê-las ?
Quanto às "bombinhas" da dona Nidia, ela tinha razão.
Nunca mais as comi.

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AUTOR : James Pizarro

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