segunda-feira, 10 de setembro de 2012

NA MINHA SACADA A VIDA TEM LUGAR - James Pizarro

Na sacada do meu apartamento ficam dois varais de roupas. Cadeiras, carrinho e mesa de praia. E também um carrinho de feira. Com o qual me abasteço no "Direto do Campo".
A sala se abre para a sacada através de uma grande porta de correr. Guarnecida de vitral transparente que toma o tamanho todo da porta. O que garante iluminação feérica em dias de sol. E vista para árvores, prédio vizinho, rua,passantes e uma pedaço de mar.
Mas o que mais importa na minha sacada é que a transformei num grande refeitório para pássaros. Em cima do muro que a guarnece coloco ração feita de milho picado, arroz picado e farelo de trigo.
A princípio, apareciam apenas pardais. Nos primeiros dias, quatro ou cinco. Depois, cheguei a fotografar dezoito. Uns voam e levam no bico grãos para ninhos construidos nos beirais da pousada que fica ao lado do nosso prédio. Muitos filhotes também aparecem.
Atualmente, além dos pardais, me visitam rolinhas, periquitos coloridos, bicos-de-lacre. Por duas vezes apareceram sabiás. E só uma vez apareceu uma pomba solitária.
Evito alimentar pássaros que vivem livremente com grãos de alpiste, girassol ou painço porque muitos deles - sobretudo as rolinhas e os pombos - não conseguem descascar as sementes, o que causa inchaço em seus papos lhes causando a morte.
Duas vezes por semana higienizo o muro da sacada, removendo os restos de grãos e os excrementos conservando o beiral sempre limpo.
Coloco a ração três vezes por dia : às seis da manhã, quando levanto, depois do almoço e à tardinha. Os pássaros são pontuais e os encontro em alegre cantoria nestes três horários. Vivem em liberdade e têm garantida uma fonte diária de nutrição, enquanto eu ganho o convívio e o canto. Aprendi a observá-los em silêncio enquanto tomo meu chimarrão, sem me movimentar muito. Observo o comportamento deles e bato dezenas de fotos. Já consegui algumas vezes levantar e ficar escorado na grade da sacada sem que eles voassem embora. Já estão se acostumando com minha presença e permitindo uma aproximação cada vez maior.
Muitos amigos ficam surpresos quando lhes narro estas minhas experiências. Outros escutam e fazem cara de desdém. Houve até alguém que me disse : "Estás ficando velho, Pizarro". Confesso que não entendi a relação.
Nem de longe suspeitam - com suas almas sem sensibilidade - que minha qualidade de vida aumenta com o convívio e a contemplação dos pássaros. Eles nem suspeitam que estes pássaros - além do canto e do colorido - contribuem para o equilíbrio ecológico, quando se alimentam de insetos e pragas que atacam as plantas. Muitos deles funcionam como agentes polinizadores das flores, aumentando a produção dos frutos. E grande número de pássaros - ao levarem sementes de um lugar para outro - contribuem com a disseminação das plantas fazendo o papel de semeadores naturais.
Estou pensando em outros tipos de rações e uns dois bebedouros, o que fará que apareçam outras espécies, como bem-te-vis, coleirinhas e beija-flores.
Espero não perder jamais a sensibilidade para estas coisas. Não perder o dom do mistério. Nem a capacidade de me enternecer diante de catedrais ambulantes de vida como são estes delicados seres vivos.
Devo dizer que me sinto bem em companhia deles.
O que já não posso dizer em relação a muitos humanos.

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