quinta-feira, 6 de setembro de 2012

UM DIA ELE NÃO VIRÁ - James Pizarro

Fico irritado quando falam em cão "vadio". Desses que existem às dezenas pela praia e ruas de Canasvieiras. Vadio é o dono irresponsável que o deixou na rua. Que não o esterilizou. Que jogou o filhote ao abandono.
O nome técnico é cão "errante". Que erra, isto é, que vagueia sem rumo. Sem paradeiro. Sem norte. Destino. Dono. Afeto. Que luta pela sobrevivência no inverno, na baixa temporada. Pois na ausência de turistas, os restos de comida se tornam escassos.
À noite, na época das baixas temperaturas, eles se recolhem sob as marquises. Onde são acolhidos pelos mendigos. Que também tremelicam. Perdem peso. Adquirem sua bronquite. Pneumonia. Entranhas cheias de vermes. Pelos com ectoparasitas.
Como moro a trinta metros do mar e caminho diariamente na praia, levo restos de comida para os cães. Para um deles em especial. Este que aparece na foto, tirada por meu genro Gustavo Bonanni.
Parece um lobo. Lindo animal. A miséria não lhe tirou a dignidade. O porte altaneiro.
Ele espera a mim e minha mulher. Levamos a comida em sacos plásticos. Depois que ele come - e também outros comem - recolhemos os sacos e colocamos nas lixeiras. Os outros cães se vão.Passam. Cumprindo seu destino de passantes.
Mas este, em particular, costuma caminhar conosco. Faz festa. Ele não possui músculos da mímica, como os homens. Logo, não podem fingir.
Então ele sorri como pode.... sacode a cauda.
Parece um lobo. Pelo lindo, embora sujo, tem meu cão predileto.
Eu não posso trazê-lo para casa. Adotá-lo. Como seria meu desejo. Pois moro num apartamento.
Mas ele - nos enigmas tortuosos lá do seu genoma - "sente" que temos uma ligação de afeto.
Cada manhã que piso na areia vislumbro a praia em toda a sua extensão, não sem certa ansiedade. E eis que lá vem ele, como surgido do nada.
Mas já experiente na vida, sei que um dia ele não virá. Ele poderá ter partido para sua definitiva viagem espacial, rumo ao Grande Deus dos Cachorros.
E ninguém mais, a não ser eu, sentirá falta dele.
Mas também poderei eu partir antes dele. Quantos sentirão falta de mim ?

Um comentário:

Sandra disse...

Entendo teus sentimentos, professor!
Minha querida Babalu já partiu, ainda não consegui transformar a tristeza em saudade. Está fazendo um mês apenas, e eu enxergo em cada cão errante, um pouquinho dela.
Aqui em Canasvieiras, apesar das suas mazelas, tem muita gente que ama e respeita os animais.
E tem aqueles que os soltam como descartáveis, infelizmente...