terça-feira, 22 de novembro de 2011

MANEZINHO ADOTIVO ? - James Pizarro

No dia 8 de março de 2008, depois de viver mais de 65 anos em Santa Maria, RS, abandonei a cidade. Por várias razões. Uma delas, a mais "light", é que sempre alimentei o sonho - junto com minha mulher, Vera Maria - de morar na beira da praia, especialmente numa praia de Florianópolis, a 19 km do centro da cidade, chamada Canasvieiras. Outras razões poderiam ser alinhavadas, entre as quais meu desejo de continuar trabalhando, tanto em universidades, como dando cursos, fazendo palestras, como trabalhando em rádio e TV. Em Santa Maria eu participava de um programa na Rádio Antena 1, chamado "Sala de Debates”, por convite do diretor da rádio, meu fraterno e fidelíssimo amigo, chamado Paulo Ceccin, jovem empresário daquela comunidade e também Secretário de Turismo da Prefeitura Municipal. Alguns poucos colegas debatedores gostariam de me ver fora do programa... Mas essas críticas e má vontade de alguns poucos nunca me fez desgosta-los, pois sempre aceitei todas as pessoas como elas são, jamais emiti juízo de valor nem tive atitude censuratória sobre o modo dos outros falar, vestir, expressar-se. Quando resolvi sair da cidade, a direção da emissora e funcionários, assim como cinco debatedores, me ofereceu um belo e comovedor jantar de despedida. Tinha também um programa de TV, no Canal 16, na TV Câmara, onde estava no ar já há quase quatro anos.Os funcionários do setor de imprensa da Câmara de vereadores, assim como os vereadores sempre me trataram com total respeito e consideração, só deixando amigos entre eles. E escrevia uma página dominical no jornal A RAZÃO, sempre sobre a memória da cidade, já que os historiadores oficiais não fazem este trabalho. No jornal tenho amigos de mais de 40 anos. Mas eu gostaria de continuar minha atividade universitária também. E isso me foi negado, apesar da cidade ter sete universidades. As desculpas eram diversas ... ora eu era um professor muito caro, pois se me despedissem teriam de me pagar em dobro as indenizações, tipo FGTS, devido à minha idade...ora era porque eu já estava velho...ora é porque eu criticava muito o governo e me tornava polêmico, causando incômodos para a universidade...enfim, eu não tinha o perfil de “cachorro-com-o-rabo-no-meio-das-pernas” exigido pelos dirigentes. Faço a ressalva do total apoio, simpatia, companheirismo dos meus ex-alunos, dos jovens da cidade, dos dependentes químicos que ajudei e ajudo a ressocializar,dos aidéticos e travestis (com os quais passei a conviver em função de atividades como Ministro da Eucaristia da Igreja Católica), etc...enfim, os "alternativos" da cidade sempre foram fraternos, assim como os jovens. Tanto foi que a cidade me encheu o saco. Muita vaidade, muita visão pequena, muito histerismo paroquiano, muita gente comendo pirão e arrotando peru. De sorte que, estimulado por meus filhos, netos, mulher...nos mudamos de mala e cuia para Canasvieiras, na ilha mágica de Santa Catarina, este pedaço do paraíso em terras brasileiras. Moro a vinte metros do mar, com o Oceano Atlântico à minha disposição, em companhia dos cães vadios da praia, para os quais toda manhã cedo levo restos de comida. Eles são acolhedores, íntimos, sinceros, agradecidos. Prefiro a companhia deles, com sarna e pelos cheios de sal e areia, do que a simples visão de algumas figurinhas carimbadas da city que deixei. Além dos cães errantes, tenho as gaivotas, os albatrozes e os atobás. Tudo orquestrado pelo doce barulho das ondas. Ao lado da mulher amada. Que mais pode querer um homem às vésperas dos 65 anos ? Já recebi convite para fazer um comentário diário numa rádio comunitária daqui da praia...outro para dar aula de Ecologia na Faculdade de Turismo e Hotelaria no segundo semestre. Mas não respondi a nenhum deles. Estou convivendo com pescadores, ajudando a puxar rede de arrastão com minha mulher. Ganho tainhas e prateados peixe-espadas de presente. Estou ficando preto de sol. Estou me contaminando com o bioritmo da ilha. Na realidade, sem pessoas "importantes" por perto, estou sendo um mamífero feliz. Sem medos. Sem doenças. Sem remédios. Sem vaidades. Na realidade, estou me transformando num "manezinho" adotivo. Que Deus seja generoso comigo e com minha mulher...e que nos torne cada vez mais sem ambições, mais bichos de praia, companheiros de cães sem destino, pescadores alegres. Deus queira que um dia meus netos entendam...desenvolvam sensibilidade para entender como é bom rezar livremente, sentado na areia, deixando os pés ser lambidos pelas águas...agradecendo a Deus por mais 24 horas de vida. Nestas horas de reflexão, vejo como gastei tempo em responder provocações tolas e me deixar levar por algumas vaidades momentâneas, das quais me penitencio agora. Amém.

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